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22/12/2009 - 10:34

As dimensões da tragédia

Tem-se como certo serem os médicos profissionais bem preparados e atualizados, aptos a utilizar com precisão e segurança os mais modernos e eficientes recursos da ciência. Quem confiaria, portanto, sua vida e a de seus familiares a um médico, caso houvesse dúvida quanto à sua qualificação?

Não nos faltam infelizmente razões para duvidar. Pelo quinto ano consecutivo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) documenta o despreparo de muitos de nossos futuros médicos: mais da metade dos estudantes submetidos à avaliação foram reprovados. Visto ter sido a prova aplicada apenas em voluntários, muito provavelmente os resultados seriam ainda piores caso fossem todos obrigados a realizá-la.

Há mais de uma década as entidades médicas vêm reiteradamente alertando a sociedade sobre os riscos da abertura de escolas de medicina sem qualificação. Tais denúncias não se mostraram suficientes para vencer os interesses econômicos e políticos associados à indústria do ensino superior. Assim, face à permissividade de sucessivos governos e à frouxidão da legislação vê-se hoje no Brasil 178 faculdades de medicina, em sua maioria desprovidas de suficiente corpo docente qualificado na área médica ou hospital universitário próprio. Nessas instituições são anualmente autorizadas 17 mil novas vagas ao ano.

É bem possível que esses 17 mil exerçam a profissão durante, pelo menos, 40 anos. Não é difícil estimar quantos brasileiros estarão sob seus cuidados. Se, na melhor das hipóteses, cada um deles atender diariamente 10 pessoas, o fizer 5 dias por semana, 11 meses ao ano, ao longo da carreira, terá visto cerca de 100 mil pacientes. Aplicando nesse grupo os índices catastróficos registrados este ano na prova do Cremesp (56% erraram, no mínimo, 40% das questões formuladas), teremos, nessa turma de formandos de 2009, cerca de 9500 médicos incapazes de diagnosticar ou tratar corretamente 40% dos casos; em outras palavras, comprometendo perto de 400.000.000 (400 milhões) de atendimentos.

Tem-se assim a dimensão do prejuízo que deixamos acumular a cada ano que adiamos a solução deste problema! Não resta a menor dúvida de que a solução passa pela moralização do ensino médico, aqui obrigatoriamente incluídas as avaliações das escolas e de seus alunos.

Insensível à situação calamitosa configurada acima, o Congresso Nacional há 6 anos mantém na gaveta projeto de lei (PL 65/2003) que estabelece parâmetros para autorização de abertura e renovação de cursos de medicina. Até que este projeto seja aprovado e passe a vigorar, não haverá respaldo jurídico sólido para impedir o funcionamento de escolas médicas sem hospital de ensino próprio, sem corpo docente médico suficiente vinculado ao hospital universitário, sem programa de residência médica associado, requisitos essenciais para instituições dessa natureza.

A legislação é necessária, porém não suficiente para garantir a qualidade dos graduados. Faz-se obrigatório também avaliá-los. Entendemos que o processo de habilitação para o exercício da medicina não se deve restringir apenas a uma prova de fim de curso. Ele tem de incluir avaliações externas, realizadas por instituição independente (como o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira) e possivelmente aplicadas ao término dos 2º, 4º e 6º anos.

As avaliações ao longo do curso permitem o redirecionamento de alunos sem vocação ou preparo e constituirão instrumento complementar para o credenciamento das universidades. Não se trata de ideia original. Este modelo aproxima-se com o adotado em países desenvolvidos que, há cerca de 100 anos, ultrapassaram circunstâncias semelhantes.

Não há outro caminho a seguir. Até quando vamos postergar uma decisão definitiva?

. Por: José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Médica Brasileira, e Jorge Carlos Machado Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina

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