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22/12/2009 - 10:37

Economia da Cultura: por um paradigma criativo?

Em quarto artigo da série sobre Economia da Cultura, pretendemos analisar a maneira pela qual os temas da assim denominada “Economia criativa” vêm sendo incorporados à discussão. Nosso roteiro básico iniciarse-á por um breve resgate histórico da questão, para em seguida analisarmos uma das vertentes desse tópico, a questão das chamadas “classes criativas”.

Tentaremos analisar os limites e potencialidades de tal abordagem dentro do subcampo da Economia da Cultura.

2. histórico e tentativa de delimitação do objeto Se o conceito “Indústria cultural” discutido no último artigo já demonstrava ser de difícil manejo, a ideia de “Indústrias criativas” é ainda pior. De fato, se o primeiro termo, ainda que problemático, conseguia se referir a um leque relativamente restrito de bens (os bens culturais produzidos dentro de moldes industriais), o conceito de “indústrias criativas” pode expandir-se para um espectro virtualmente total da produção de bens e serviços (Guzman, 2009).

Embora existam diversas maneiras de adentrar no tema, optamos por destacar aqui uma única abordagem, que são as discussões sobre as chamadas “classes criativas”. O termo é um bordão presente, via de regra, em textos de urbanistas e/ou de autores ligados ao pósmodernismo, mas que vem ganhando espaço dentro das pesquisas de Economia da Cultura. O livro The Rise of the Creative Class, de Richard Florida, é talvez a grande referência sobre a questão.

Nesta obra, Florida expõe o conceito de criatividade como a “habilidade em criar idéias e métodos mais eficientes de se fazer algo” (Florid a, 2004, p. xii).1 O autor afirma que a criatividade humana é o fator principal que move a economia e a sociedade atual, tornando-se uma fonte geradora de bem-estar. Florida analisa, em seu livro, os fatores que levaram a criatividade a alçar um papel preponderante na atualidade, expondo as razões e os mecanismos que propiciaram tal modificação no panorama econômico.

A necessidade econômica por criatividade registrouse no surgimento de uma nova classe, a qual o autor chama de classe criativa. Essa classe, em sua argumentação, engloba trabalhadores que se afastam dos comportamentos tradicionais, isto é, do controle, consumo padronizado e da submissão às regras formais de trabalho, adotando uma postura de maior flexibilidade e autonomia. Ao eleger a criatividade como fator central de atuação, Florida está abarcando um espectro profissional que se estende de músicos a engenheiros. A principal diferença entre a classe criativa e as outras classes está naquilo que cada integrante é pago para fazer. Enquanto na working class e na service class os trabalhadores são pagos para seguir determinado plano e rotina, na creative class os trabalhadores se atêm a um exercício de produção que não esta limitada a modelos predeterminados (ibidem¸ p.8).

Para o autor, o novo way of life é a característica dessa classe criativa, a qual valoriza um estilo de vida “relaxado”, sem sistemas hierárquicos de controle e autogerenciamento do trabalho e onde o uso do fator tempo é intensificado, uma vez que a criatividade não pode ser plugada e desplugada a qualquer momento (ibidem, p.14). Além disso, a classe criativa busca um ambiente estimulante que priorize diferenças, favorecendo a individualidade de cada agente. A gestão desse novo modo de vida implicaria um processo de tomada de decisões autônomas, valorizando a individualidade e promovendo o desenvolvimento de cada agente.

A proposta de Florida caminha no sentido de abarcar ao veio teórico certas reconfigurações sociais, ante a emergência de uma suposta nova classe e de novos valores. Estaríamos, de acordo ele, entrando numa sociedade “powered by creativity” (ibidem, p.4), na qual a classe criativa possuiria um papel de destaque como agente destas transformações.

3. críticas à noção das classes criativas e limites a um paradigma criativo. Não são poucas as críticas feitas ao trabalho de Florida. Mike Featherstone, por exemplo, acusa Florida de promover certa generalização indevida, confundindo padrões sociais e pessoas do “estilo de vida” de uma parcela da sociedade – as classes criativas – com um suposto novo paradigma social e analítico (Jameson , 2006, p.82). Até que ponto a reduzida classe estaria efetivamente formando (e conduzindo) uma nova estrutura de valores e – talvez mais importante – serão estes novos valores suficientemente fortes a ponto de desbancar os laços e mediações do capitalismo tradicional? (idem, ibidem).

O acadêmico Terry Clark vai mais longe, vendo nos textos de Florida uma simplificação desmesurada do conceito de cultura, com uma “sobrevalorização dos rendimentos e fatores econômicos” em detrimento dos elementos de especificidades locais. Embora também Clark releve as parcelas criativas na contemporaneidade, o potencial de capitalização e de generalização em escala internacional desses grupos fica relativizado (CLA RK, 2008).

Tais considerações apontam algumas das fragilidades do discurso a respeito das classes criativas. A constatação empírica de uma mudança no perfil dos profissionais ligados às áreas culturais em meados dos anos 1960 e 1970 parece-nos uma evidência insuficiente para que se possa falar num novo paradigma analítico, baseado nas (e conduzido pelas) “classes criativas”. Ao centrar-se nos méritos de uma pequena parcela da sociedade, a análise parece não dar conta de certos elementos globais determinantes. Como negligenciar, por exemplo, a capacidade e o perfil adaptativo das grandes firmas, grupos e corporações – taxados por Florida como os grupos pertencentes ao mundo “tradicional” – ante o surgimento dessa nova classe?2 Nesse sentido, em se tratando de nosso objetivo de pesquisas dentro do campo da Economia da Cultura, ainda que seja possível a incorporação de certas considerações da argumentação de Florida (como o maior enfoque dado aos setores criativos), há grandes riscos de seu enquadramento ser restrito em termos de tempo e espaço. Por outro lado, já o dissemos, a discussão da Economia criativa certamente não se encerra na proposta de Florida, e seus desdobramentos teóricoanalíticos podem, e devem, seguir muito adiante.

. Conclusão: O artigo analisou uma das possíveis relações estabelecidas entre as pesquisas do subcampo da Economia da Cultura com as pautas da chamada “Economia criativa”. Dada a abrangência, optamos por nos concentrar apenas na abordagem das chamadas “classes criativas”. Sobre ela discorremos à luz do livro The Rise of the Creative Class, do pesquisador norte-americano Richard Florida.

A despeito da possibilidade da inclusão de certos tópicos de sua discussão às pautas de Economia da Cultura, não nos parece ser possível propor, com base única e exclusivamente nas chamadas “classes criativas”, algo como um novo paradigma. Por outro lado, queremos crer que a relação entre Economia da 20 dezembro de 2009 cultura e Economia criativa não se esgota aí, sendo a referida relação altamente promissora.

Referências: CLARK, Terry. Nova escola de Chicago: convite para um debate. In: CABRAL , Manuel Villaverde; SILVA, Filipe Carreira; SARAIVA, Tiago (org.). Cidade e cidadania: governança urbana e participação cidadã em perspectiva comparada. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2008. FLORIDA, Richard. The rise of the creative class: and how it’s transforming work, leisure, community and everyday life. New York: Basic Books, 2004. 434 p. GUZMA N, Carlos. Economía de la cultura e industrias creativas. In: Anais do II Congresso de Cultura Ibero-Americana, São Paulo, 2009. Anais. São Paulo: SESC, 2009. JAMESON, Fredric.

A virada cultural: reflexões sobre o pósmoderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 1 Cabe perguntar-se até que ponto essa “criatividade” (pós)- moderna diferencia-se da criatividade que moveu a economia mundial ao longo de todos os outros séculos da História humana.

A esse respeito, Richard Florida discorre sobre diversas mudanças que ocorreram no modo de produção ao longo da história e como a criatividade foi essencial para promovê-las.

O surgimento da agricultura, o advento da produção em larga escala e a especialização das funções são exemplos de aprimoramentos técnicos frutos da “criatividade humana”.

Porém, na visão do autor, hoje, mais do que nunca, a criatividade assume papel central e privilegiado na vida econômica e atua como propulsora da produtividade. O termo continua sendo, contudo, problemático.

As críticas serão ainda maiores se enquadrarmos a discussão, e sobretudo o vocábulo “classe”, dentro de uma crítica de viés marxista como o faz Fredric Jameson em alguns de seus ensaios sobre a pós-modernidade apontados nas referências.

. Por: Julio Lucchesi Moraes, Graduado em Economia pela FEA-USP, mestrando em História Econômica pela FFLCH-USP e pesquisador da FIPE. (E-mail: [email protected]), e Letícia Scretas David,Graduanda em Economia pela FEA-USP e auxiliar de pesquisa da FIPE. (E-mail: [email protected]).| FIPE

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