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28/01/2010 - 09:41

Uma Caminhada rumo à Dignidade

Sempre compartilhei da ideia de que um dos maiores patrimônios que temos na vida é a nossa saúde. Assim, cumprindo as recomendações médicas, levantei cedo, coloquei meus tênis (anti-impacto) e fui caminhar e correr, ou correr e caminhar, como faço quase todos os dias quando estou na praia. Especialmente naquele dia havia muita gente cumprindo as mesmas recomendações e caminhando na orla do Guarujá, litoral paulista. A multidão era grande; enquanto uns iam, outros voltavam com seus trajes diferentes, tênis variados, com o olhar demonstrando cansaço, porém determinado.

Como sou daqueles que preferem pensar em vez de ouvir, não levei meu MP3. Preferi o silêncio das minhas observações à medida que caminhava junto ao mar, desviando vez ou outra das pessoas, muitas das quais não viam a hora de terminar o martírio esportivo. Caminhar e pensar desfrutando do trajeto, analisando a arquitetura dos prédios, observando as pessoas é algo fascinante que aguça nossa capacidade de reflexão, porque sempre há ao longo do caminho atores de situações diversas que acabam participando do percurso não como atletas, mas como vítimas do dia a dia da nossa sociedade.

Naquela manhã, naquele turbilhão de pessoas, observei que em determinado ponto havia um jovem deitado debaixo da pequena fachada de um prédio, provavelmente embriagado – ou drogado, se os leitores assim preferirem. Todavia, a questão é que ele estava bem ali, perdido, desbaratado, maltrapilho, abandonado – uma cena deplorável. Diminuí meu ritmo e tentei adivinhar sua idade, quando cheguei à conclusão de que ele devia ter uns 18 anos. Enquanto a grande maioria das pessoas exercitava sua consciência do ponto de vista da saúde, o jovem de origem humilde estava totalmente à mercê das consequências da miséria, da falta de formação e principalmente da falta de uma política de saúde pública.

Contudo, foi com imensa satisfação que, naquele mesmo dia, ao ler os jornais, tive conhecimento de que o governo federal vai instituir o Comitê Técnico de Saúde para a População em Situação de Rua, que contará com a participação de vários órgãos ligados à saúde, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Pastoral Nacional da População de Rua e a Organização Médicos Sem Fronteiras. O referido comitê vai propor ações e apresentar subsídios voltados à saúde da população em situação similar à do jovem e elaborar propostas de intervenção conjunta nas diversas instâncias e órgãos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Essa iniciativa do governo federal faz parte da política nacional para a população de rua instituída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de um decreto que busca promover todo tipo de direito dessa população. A coordenação do comitê será da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, e os responsáveis pela política serão a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, além de diversos Ministérios.

É fato que, quando falamos em inclusão social, não podemos deixar de ressaltar que muitas vezes incluir significa primeiro tratar, cuidar, e não apenas promover uma renda mínima imediata. Os jovens de rua, os pobres abandonados pelas famílias, os desvalidos, os alcoólatras necessitam de um plano de assistência médica que envolva programas de reinclusão social semelhantes a essa iniciativa do governo, que busquem promover os direitos humanos, civis, políticos, econômicos e sociais dessa população carente.

Desamarrar os tênis, relaxar as pernas já cansadas de correr e observar que estamos avançando na luta contra essa população jovem e perdida nos faz sonhar com o dia em que jovens como aquele estarão enfim valorizando sua saúde, assim como tantos que por ele passavam, muitos dos quais sem lhe dirigir sequer um olhar, talvez muito mais em razão de seus MP3 que pela falta de indignação de ver seres dormindo o sono da desesperança.

. Por: Fernando Rizzolo, advogado, pós-graduado em Direito Processual, mestrando em Direito Constitucional, Prof. do Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Paulista (UNIP). Participa como coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, é membro efetivo da Comissão de Direito Humanos da OAB/SP, foi articulista colaborador da Agência Estado, e editor do Blog do Rizzolo - www.blogdorizzolo.com.br

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