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26/02/2010 - 10:39

Eutanásia: compaixão ou cultura de morte?

Diversos jornais do mundo publicaram recentemente a notícia do apresentador britânico Ray Gosling, que confessou na TV ter matado por piedade seu amante em estado terminal. Gosling afirmou, em programa da BBC, que sufocou no hospital o namorado que sofria terríveis dores em decorrência do vírus HIV. Seu comportamento teve como motivação um pacto, selado por ambos, em que optaram pelo suicídio assistido como solução para o sofrimento insuportável. De acordo com os noticiários, o caso reacendeu a discussão no Reino Unido sobre eutanásia e suicídio assistido.

Como avaliar do ponto de vista da moral cristã a decisão de Gosling? Será que tal comportamento motivado pela compaixão se justifica? Para respondermos a tais questões, devemos entender, primeiramente, o significado de eutanásia. Do grego eu, bom, e thanatos, morte, o termo eutanásia significa a “boa ou doce morte”. Na encíclica O Evangelho da Vida, o Papa João Paulo II afirma o seguinte: “Por eutanásia, em sentido verdadeiro e próprio, deve-se entender uma ação ou uma omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento” (n. 65).

O Papa vê nessa prática um dos sintomas da “cultura da morte” e denuncia o crescimento de uma mentalidade que marginaliza as pessoas idosas, deficientes e vulneráveis. A partir de critérios de eficiência e produtividade, essas vidas são consideradas descartáveis. Sendo assim, o melhor a fazer é eliminar tais pessoas, recorrendo a argumentos como respeito à autonomia e direito à morte.

No entanto, antes ainda de falar do direito à morte, temos de lutar para que o direito à vida já existente seja honrado, até porque muitas vezes esse maravilhoso dom é abreviado “antes do tempo”, em escala social, por causa da violência, da pobreza, da falta de recursos socioeconômicos que garantam a todos o direito não só de viver, mas de viver com dignidade. É chocante, e até irônico, constatar que a mesma sociedade que nega o pão, o emprego, a saúde, a educação, pretenda oferecer, como prêmio de consolação, a mais alta tecnologia para “bem morrer”.

A decisão tomada pelo apresentador britânico recai em um caso particular de eutanásia, ou seja, o suicídio assistido. Também na encíclica O Evangelho da Vida, o Papa esclarece que o suicídio, sob o perfil objetivo, é um ato gravemente imoral, “embora certos condicionamentos psicológicos, culturais e sociais possam levar uma pessoa a realizar um gesto que tão radicalmente contradiz a inclinação natural de cada um à vida, atenuando ou anulando a responsabilidade subjetiva”.

A tradição da Igreja sempre recusou o suicídio como escolha gravemente má porque “comporta a recusa do amor por si mesmo e a renúncia aos deveres de justiça e caridade para com o próximo, com as várias comunidades (família, amigos, Igreja, trabalho etc.) de que se faz parte e com a sociedade no seu conjunto”. E continua o Papa João Paulo II: “No seu núcleo mais profundo, o suicídio constitui uma rejeição da soberania absoluta de Deus sobre a vida e sobre a morte”.

Sendo assim, o chamado suicídio assistido, ou seja, o compartilhamento da intenção de alguém suicidar-se, ajudando-o a realizar tal ato, significa “fazer-se colaborador e, por vezes, autor em primeira pessoa de uma injustiça que nunca pode ser justificada, nem sequer quando requerida”.

A avaliação moral da eutanásia e do suicídio assistido deverá sempre considerar que a vida humana é inviolável, ainda que marcada pelo drama da dor e do sofrimento. Ninguém, por sua própria vontade, se dá o direito de vir à existência. A vida é dom de Deus. Da mesma forma, ninguém tem o direito de matar quem quer que seja ou destruir sua própria vida. Além disso, devemos rejeitar toda e qualquer consideração utilitarista da vida humana.

Deve-se buscar sempre o verdadeiro motivo que leva alguém a pedir a morte. No fundo das várias solicitações de eutanásia e de suicídio assistido, existem profundas angústias, experiências de solidão, abandono e falta de solidariedade. O que a pessoa realmente necessita é de melhor assistência, tratamento personalizado, espiritualidade e muita ternura humana. A pessoa deve ser valorizada de modo integral, não só como um “corpo” doente, mas como pessoa, filho de Deus, alguém que possui um nome, um rosto, uma história, uma dignidade a ser defendida e promovida. É fundamental que o cuidado integral em relação ao enfermo na fase terminal seja ainda mais humanizado.

Ao paciente que se encontra diante da morte iminente e inevitável e também àqueles que estão ao seu redor – sejam familiares, amigos ou profissionais de saúde – deve ser dada toda ajuda possível para que enfrentem com naturalidade a realidade dos fatos, encarando o fim da vida não como uma doença, para qual se deva achar a cura a todo custo, mas sim como condição que faz parte do nosso ciclo natural. A fé cristã ainda possibilita ao enfermo perceber o drama do sofrimento como oportunidade de fazer comunhão com o mistério do sofrimento de Cristo, cujas chagas gloriosas são esperança de uma imortalidade feliz.

. Por: Padre Wagner Ferreira da Silva, Doutor em Teologia Moral e Formador Geral da Comunidade Canção Nova

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