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02/03/2010 - 11:38

Liberdade…. De quê?

Quando alguns políticos do Senado Federal que devem zelar pelo bem-estar da população se juntam ao coro da Indústria do tabaco para dizer que se deve priorizar a Liberdade de fumar, quero lembrar que o conceito de liberdade pressupõe a possibilidade de escolha, a capacidade de tomar decisões. Todos nós que já fumamos na juventude e conseguimos parar, sabemos até hoje que dá vontade de fumar aquele cigarrinho, principalmente quando se assiste a um filme em que todos fumam ou quando se associa o cigarro com aquele momento especial, de prazer, onde todo o inconsciente vem com força trazendo a impressão de que fumar é saúde, é poder, é escolha, é Liberdade... Tinha até uma marca que falava muito de liberdade, e que por um tempo se voltou para o público jovem e tinha propaganda dirigida ao público feminino, com propagandas de páginas inteiras nas revistas femininas, lindas por sinal, com corpos esculturais velejando, curtindo a vida, ao sabor do vento... Aliás, o câncer de pulmão em mulheres, devido ao cigarro, aumentou 200 vezes desde o início do século passado. Sem contar os infartes de miocárdio, os acidentes vasculares cerebrais, as tromboses, principalmente quando se associa a pílula. E infelizmente, hoje o número de mulheres que fumam aumenta tanto que em breve, será igual aos homens.

Quanto às propagandas, graças a esforços conjuntos da sociedade e de dirigentes, a propaganda foi banida dos meios de comunicação televisiva, impressa e de outdoors. Mas ainda assistimos ao papelão de autorizar uma propaganda em carros de fórmula 1 e de atores de novela fumarem em horário nobre, além do problema da propaganda em pontos de venda , que são cada vez mais bonitas e não tem criança que ainda não viu. Estudos mostram que mais de 70% dos jovens já viu alguma propaganda de cigarro em padarias, bares, e outros pontos de venda. E o que dizer ainda do hábito cada vez mais frequente, de distribuir cigarros em festas Ravy , em rodeios, ou mesmo um tipo de “cobertura” para aquelas imagens horrendas dos maços de cigarro. Na realidade, aquelas imagens foram escolhidas com base em estudos de rejeição que foram feitos para tentar lembrar à pessoa que vai fumar, que tudo aquilo é real. Infelizmente, acontecem partos prematuros, abortos espontâneos, malformações de feto, as pessoas morrem diariamente em UTIs ou em prontos socorros, ou mesmo em casa subitamente, porque não conseguiram parar de fumar. Aí vem a famosa questão da Liberdade. Liberdade...de quê?, se a pessoa não é dona dela e depois que começa a fumar aos 12, 13 anos de idade (é esta a idade média de início deste hábito que vira adição química) , a chance de ficar aditada é de 50%. A capacidade viciante do cigarro é maior do que o álcool e a cocaína e, por saber que este usuário ficará cliente cativo pelo resto da vida que tiver, encurtada em mais de 10 anos em média pelas mais de cinquenta doenças que o cigarro causa, o alvo das propagandas hoje é o jovem.Ninguém vê gastos astronômicos de propaganda para fazer um indivíduo de meia idade, pai de família, ou avozinho, começar a fumar. Por que será?

Agora, estamos com um problemão. Tramitam no Senado leis federais que vão regulamentar a nível nacional, os ambientes fechados livres de fumo. Se por acaso não for aprovada a que proíbe os “fumódromos”, caem todas as conquistas estaduais que já estão salvando tantas vidas e desonerando o Sistema Único de Saúde , dos estados que hoje, já têm ambientes fechados livres de tabaco. Ainda tem outro problema, nós não sabemos a quem interessa que esta lei não passe e porque tem sido feito tanto esforço na Comição de Justiça do Senado e que forças ocultas estão atrapalhando o trâmite dela. Temos a certeza de que em um país, onde o vice-Presidente luta estoicamente contra um câncer, onde uma Ministra da Casa Civil vence um câncer, temos certamente nenhum interesse em que mais pessoas tenham câncer. Além do que, o que as associações de bares e restaurantes alegam, de que os restaurantes vão ficar vazios e vai haver desemprego, não procede. É só ver o aumento da freqüência de bares e restaurantes de São Paulo, depois que a lei estadual foi implantada aqui. Também dados de Nova York, uma das cidades pioneiras em ambientes livres de tabaco, mostram que não houve problema, pelo contrário, as pessoas se sentem mais estimuladas a irem a ambientes livres de tabaco e não voltarem para casa com aquele odor fétido característico. E além disto, tem um efeito educativo: como as pessoas têm que ficar mais horas sem fumar, elas conseguem largar o vício ou diminuir a quantidade de cigarros por dia.

Enfim, liberdade de quê? Ouvi em uma audiência pública na Assembléia Legislativade São Paulo, gravada portanto, em meio a uma claque paga por dinheiros doados pela Indústria do tabaco a associações que as representam, um Presidente de uma destas associações dizer em alto e bom tom que cada um pode escolher do que quer morrer e cada qual pode viver como quiser. Ora meu senhor, minha mãe já dizia que a liberdade de um vai até onde começa a liberdade do outro. Quer seja, no momento em que coloco um garçon para servir em um ambiente cheio de fumaça, onde em uma noite de trabalho ele fuma passivamente o equivalente a um maço de cigarro e ele, que não pode perder aquele emprego e se recusar a ir para lá, ele não é livre para optar. Quando entramos em um processo de dependência na juventude e o levamos até os nossos últimos dias, não somos em absoluto livres. Além disto, sou da opinião de que, quando temos filhos, a falta que fazemos a eles também é nossa responsabilidade e poucas coisas dóem mais a uma oncologista, do que ver alguém tabagista de meia idade morrendo de câncer de pulmão ou de cabeça e pescoço, ou pâncreas, ou bexiga, que seriam menos prováveis se não fumassem, e deixando filhos pequenos que não vão poder ter o pai ou a mãe do seu lado quando se formarem na faculdade ou quando tiverem os seus filhos na maternidade. A falta que fazemos, somos livres para morrermos do que quisermos? Queremos morrer precocemente quando começamos a fumar no ginásio? Certamente que não! E por estes e inúmeros outros motivos é que nós, sociedade civil organizada, cidadãos conscientes dos nossos deveres e dos nossos votos, por favor, se unam em um clamor único e solicitem aos seus Senadores, que votem a favor do Ambiente Livre do Tabaco a nível federal e que cumpram a Convenção Mundial que o Brasil assinou, que o Senado ratificou e que o Presidente Lula sancionou, a Convenção Quadro de controle do Tabagismo da ONU e da Organização Mundial da Saúde, onde a Cláusula 8, um dos ítens principais, é o Ambiente Livre de Tabaco. O jovem brasileiro que não vai ter que ser paciente das doenças do cigarro mais tarde, agradece!

. Por: Nise Yamaguchi, médica oncologista e imunologista; doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP e membro da Comissão de Prevenção e Promoção de Saúde do ICESP; organizadora de Fóruns de Controle do Tabagismo no Brasil, Chile, México e Argentina pela International Association for Lung Cancer Studies

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