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06/03/2010 - 09:39

A Contribuição das Mulheres para a Segurança Alimentar e Nutricional

O dia 8 de março, por razões históricas, é uma data dedicada à reflexão da situação das mulheres e da sua importância em todo o processo civilizatório. Também dedicado ao combate às discriminações ainda existentes, que excluem as mulheres dos espaços decisórios, do acesso ao conhecimento, à formação e, consequentemente, do emprego e dos salários ou rendimentos justos e seguros que garantam seu auto-sustento e de seus dependentes.

Através de lutas, esforços e embates, muitas vezes organizadas nos movimentos feministas, as mulheres conquistaram muitos avanços em termos de inclusão social. Porém, ainda há muito a ser conquistado, especialmente no que se refere ao acesso aos espaços de poder e à participação na distribuição de riquezas, boa parte gerada por elas.

As mulheres constituem mais de 50% da população do planeta. O mesmo dado se repete no Brasil. Lembrando que progressivamente elas vem assumindo o sustento das famílias, em alguns lugares chegam a ser a maioria. É quase um lugar-comum dizer que as mulheres contribuem de forma determinante para o desenvolvimento econômico e social. Se focalizarmos as classes de menores rendas e grupos étnico-raciais específicos, como os negros, por exemplo, esse fenômeno fica ainda mais evidente.

Sua contribuição para a segurança alimentar e nutricional das pessoas é inestimável. Desde sua condição biológica, pela capacidade de amamentar, passando pelo provimento e manejo alimentar nos domicílios, pela administração dos curtos orçamentos domésticos, até a produção de alimentos para o conjunto da população.

No caso da agricultura, por exemplo, são elas as responsáveis por parte significativa dos alimentos consumidos na família: as hortas, os pequenos animais, as plantas medicinais. Muitas vezes esse trabalho não é valorizado nem reconhecido. Seus conhecimentos quanto à transformação dos alimentos, conservação, aproveitamento, cuidados com a saúde, são dados como algo natural, e não como uma capacidade que deva ser reconhecida. Esses produtos muitas vezes são fundamentais para melhorar a renda nas famílias, seja por sua comercialização, seja pela economia que se faz ao se deixar de comprá-los. Por outro lado, preservam a biodiversidade, mostrando que é possível uma forma de agricultura não predatória com relação ao meio ambiente.

As mulheres têm sido agentes que animam a dinâmica da cultura alimentar, no que concerne à transmissão de hábitos, de receitas e prescrições alimentares, através de gerações.

Toda essa imensa contribuição que as mulheres prestam à sociedade não é revelada, não é remunerada, não é valorizada e nem reconhecida. Vivemos ainda em uma sociedade patriarcal e machista, que impõe que esse trabalho seja prestado pelas mulheres de forma gratuita, como uma doação compulsória, pelo simples fato de se ter nascido mulher. O trabalho gratuito das mulheres para com o cuidado das pessoas é o que garante a eficiência do mercado capitalista, que só contabiliza como bens econômicos o que é transacionado monetariamente.

O lugar masculino nesse cenário é bem outro. No meio rural, por exemplo, são considerados os #produtores#, enquanto as mulheres são apenas #ajudantes#. Outro exemplo pode ser observado na alta gastronomia: as mulheres são cozinheiras, ocupam funções secundárias, auxiliares; ao passo que os homens ocupam lugar de destaque. São os chefes, garotos propaganda de suas receitas, recebendo por isso prestígio e remuneração diferenciada. São contradições que há muito tempo vem sendo denunciadas pelos movimentos de mulheres; que apontam injustiças e formas desiguais de tratamento, vistas como #naturais# em nossa sociedade, mas que evidenciam os preconceitos.

Enquanto aceitarmos essas situações como normais, estaremos excluindo parte significativa das mulheres das possibilidades de crescimento pessoal e profissional. São necessárias políticas específicas que criem as condições para amenizar a carga de trabalho que recai sobre as mulheres com relação às tarefas da alimentação, ao mesmo tempo em que se questiona, socialmente, a divisão sexual do trabalho, para que esta não permaneça como uma exclusividade feminina. Criar equipamentos sociais de apoio, como restaurantes públicos e lavanderias coletivas; políticas de abastecimento que permitam o acesso a alimentos limpos, saudáveis e econômicos para toda a população; creches, escolas de turno integral, sincronicidade das férias escolares com as férias trabalhistas; e políticas de apoio à maternidade segura e atenção aos direitos reprodutivos são algumas dessas medidas. É necessário conceber uma nova sociedade onde a gerência domiciliar seja responsabilidade compartilhada entre mulh eres e homens, e apoiada pelo Estado e pelo conjunto das instituições sociais.

Muito se têm se falado sobre as mudanças nos hábitos alimentares das famílias devido à entrada das mulheres no mercado de trabalho. Enfoca-se, em particular, o aumento do uso de alimentos industrializados e de refeições prontas, tendo como conseqüências a diminuição da qualidade nutricional da dieta, pelo aumento do consumo de produtos carregados em açúcar, sal, gorduras saturadas, carboidratos simples. Esse tipo de alimentação, somado à falta de exercícios físicos induz ao aumento da incidência de sobre-peso, de doenças não transmissíveis como diabetes, dislipidemias, hipertensão, cânceres, atrites, cardiopatias e tantas outras doenças causadas por práticas alimentares inadequadas e relacionadas com o estilo de vida moderno.

Certamente são reflexões importantes do ponto de vista da saúde pública. Porém, é preciso analisar o conjunto de fatores que levaram a essa situação. As soluções não passam por uma volta ao passado, em que a única opção de vida para as mulheres era permanecer nos lares fazendo comida e cuidando dos demais. A promoção da segurança alimentar e nutricional requer necessariamente igualdade econômica, social e cultural entre mulheres e homens para que juntos, lado a lado, possam construir uma nova sociedade.

"Juntos seremos melhores", e comeremos melhor.

. Por: Regina Miranda, nutricionista, presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar do Rio Grande do Sul (Consea-RS), integrante da ONG Maria Mulher e conselheira do Consea nacional. | . Emma Siliprandi, engenheira agrônoma, mestre em Sociologia, doutora em Desenvolvimento Sustentável e especialista em Política Agrícola e Economia Agroalimentar.

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