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30/03/2010 - 10:28

Sobre professores e garis

Ligue a televisão, abra o jornal, visite um “blog” na INTERNET ou vá a uma festinha. Será difícil não ler ou ouvir sobre dois pontos que todos consideram a salvação do mundo: a educação e o cuidado com o meio ambiente. Não há dúvida sobre a real importância desses dois pontos. A questão é: como passar da palavra à ação?

Começando pela educação. Ela é uma prerrogativa exclusiva das escolas? Não creio. Repetindo uma obviedade: ela começa nas casas, com os exemplos dos pais, dos vizinhos e dos servidores públicos em contato com as crianças.

Todavia não podemos esquecer que há um grande número de crianças sem casa, sem comida, sem pais ou vivendo em condições sub-humanas. Como aprender respeito sem ser respeitado e sendo invisível para a classe dominante?

Quais são os valores transmitidos às crianças das diversas classes sociais do país? Quem os transmite? Quem está interessado em desenvolver nelas respeito ao próximo, às instituições e, simultaneamente, proporcionar uma visão crítica do meio que nos cerca?

Já crescidinhas, as crianças vão à escola. As da classe média ou alta, para as escolas privadas. As das classes menos favorecidas, para a escola pública.

Há uma lenda segundo a qual as escolas privadas são muito boas e garantem o aprendizado, a educação e, principalmente o sucesso a quem as frequenta. Os resultados, medidos por exames nacionais e locais bem como a observação da vivência diária dos alunos mostra que, via de regra, há pouco de verdade nisso.

Algumas escolas particulares, espalhadas pelo país, são realmente boas. Outras são apenas empresas no sentido tradicional da busca do lucro máximo, a todo custo. Faça uma pesquisa: converse com os professores dessas escolas, veja qual é a formação deles, como são tratados pelos diretores e quanto recebem pelo trabalho.

Que autonomia esses professores têm para lidar com pequenos problemas, originários da convivência diária com os alunos? Podem repreendê-los? Podem corrigir seus erros? Estão preparados para incentivá-los para um trabalho responsável e amigo?

E os alunos? Como enxergam seus professores: como companheiros de trabalho, como feitores ou como seus serviçais?

A escola pública, com parcos recursos, recebe um grande contingente de alunos, muitos com vida difícil. Alimentação inadequada e habitação precária dificultam a realização das tarefas e do estudo em casa. Isso quando há alguma alimentação ou habitação e a necessidade não leva as crianças às ruas, afastando-as da escola e empurrando-as para o subemprego ou a mendicância.

Até aqui, nenhuma novidade: só a descrição de um problema complexo, com grande número de agentes e variáveis. Quais dos agentes estão interessados em um bom rumo para a solução? Ao que parece, coletivamente, a maioria; individualmente, poucos.

A sociedade civil está, certamente, interessada na boa educação. Será que seus representantes votariam favoravelmente a um considerável aumento de recursos para a escola pública, a ser aplicado em complementação da alimentação dos alunos, criação de espaços de estudo e melhoria de salários de professores e funcionários?

Os mantenedores de escolas particulares estariam dispostos a diminuir ligeiramente seus lucros, investindo parte dele em seus professores ou no auxílio à escola pública da mesma comunidade?

E os pais dos educandos? Trocariam a novela e o futebol por uma ou duas horas diárias de assistência ao trabalho escolar dos filhos?

Desse problema passo a outro. A sociedade quer atenuar o problema do aquecimento global. E os indivíduos, querem?

Quem troca o transporte individual pelo coletivo? Quem aceita mudar de carro para um de menor potência e menor consumo? Quem usa sacola em vez de saco plástico? Quem cuida do lixo, com a preocupação de selecioná-lo para reciclagem? Quem usa um chuveiro menos potente? Quem não joga “bituca” de cigarro e restos de lanche pela janela do carro?

Mais uma vez, um problema complexo. Parece que somos como aquele jornalista da televisão: no ar, correto, mas, nos bastidores, a ironizar com desprezo os votos de Ano-Bom dos garis, por considerá-los profissionais do degrau mais baixo da escala do trabalho. Será que isso não tem a ver com a educação?

Voltando a ela: não sou teórico do assunto, mas não há educação sem interação entre seres humanos e sem continuidade, por toda a vida. Prefiro não confundir educação com ensino, isto é, não há educação à distância e sim ensino à distância.

Educação implica crítica, exemplo, atitude e, também, conteúdo. Este pode ser ministrado à distância. Os exemplos de retidão, de ética e de prática de boa ciência, só presencialmente.

É preciso impregnar a sociedade com esses valores, sem distinção de escala de trabalho, credo ou situação econômica. Cientistas, médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, esportistas, artistas, garis, enfim todos os trabalhadores, de todas as profissões, estão convocados para a construção de uma nova e limpa educação. Cabe ao professor, particularmente, promover a síntese de tudo isso, em cada nível de escolaridade.

Creio que o termo educação continuada é redundante. Todo novo dia é propício a um novo aprendizado humano, científico ou social. Contudo, devemos aprender, principalmente, a enxergar o outro e a respeitá-lo, bem como a zelar pelo bem comum, entendendo o efeito global de cada uma de nossas pequenas ações.

Mesmo que cuidemos de nosso lixo e de nossos rejeitos, haverá sempre a necessidade de coletá-los, às vezes manualmente, às vezes com máquinas. Homens dignos continuarão executando essas tarefas, talvez com melhores salários e reconhecimento social.

Não há INTERNET que substitua uma boa aula, assim como não há máquina que dispense ação humana. Assim, não há como construir um mundo mais justo, digno e com boa qualidade de vida sem professores e sem garis.

. Por: José Roberto Castilho Piqueira, possui graduação e mestrado em Engenharia Elétrica pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, doutorado e livre-docência em Engenharia de Controle pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atualmente é professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, membro do Instituto Nacional de Ciências da Complexidade e bolsista de produtividade em pesquisa (CNPq).

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