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29/04/2010 - 10:07

Abril vermelho – sob a ótica dos invadidos

Ao ler as manchetes sobre o chamado “abril vermelho”, resolvi  escrever este artigo com o intuito de chamar a atenção para algumas condutas do MST – Movimento dos Sem Terras constatadas diretamente no campo, em decorrência de minha atuação profissional como advogado. Não pretendo discutir a função social da propriedade ou o tormentoso tema da reforma agrária. Pretendo tão somente apresentar comportamentos do movimento, e convidar o leitor a uma reflexão sobre o tema e a legalidade das invasões.

Para ilustrar,  gostaria de destacar um dos casos em que atuei, julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que culminou com a condenação do MST ao pagamento de indenização pelos danos causados.  Em 25 de setembro de 2005, cerca de 400 pessoas integrantes do MST  invadiram uma fazenda localizada no município de Unaí – MG. Era um domingo de manhã, dia calmo e repentinamente esse imenso grupo simplesmente afugentou as pessoas que estavam na “casa da fazenda” e arredores,  dentre eles uma senhora de 75 anos, que visitava seu filho naquele fim de semana.  Todos saíram da casa com a roupa do corpo, deixaram seus documentos, pertences pessoais e literalmente correram para salvar suas vidas, ao menos esta fora a percepção daquelas pessoas.

Instaurou-se, então, o caos, a insegurança. Os invasores, em espaço de horas, cercaram a área, armaram suas tendas e concluíram o esbulho. A casa da fazenda passou então a ser uma espécie de  quartel general, um ponto de apoio aos líderes. O estoque de alimentos passou a ser consumido, matavam animais do rebanho para alimentar a grande massa e o que mais pudessem encontrar. Do outro lado, um grupo de 140 trabalhadores, todos devidamente registrados e com plena observância de seus direitos trabalhistas, passaram a viver um clima de total incerteza. Temiam por suas vidas e por seus empregos.

A polícia militar de Unaí foi avisada e deslocou um grupo de 12 homens, que permaneceram no local para conter os invasores. Felizmente, tratava-se de um grupo bem treinado, pois por diversas vezes os líderes dos invasores  incitaram o grupo a se lançar contra os policiais, que precisaram se agrupar em posição de defesa e sacar de suas armas para inibir a ameaça.

Este era o cenário que perdurou até a desocupação. Uma fazenda obrigada a deixar de produzir, pessoas fora de seus lares, com a roupa do corpo, trabalhadores se indagando sobre o seu futuro, policiais temendo o pior e, de outro lado, o comportamento de massa: pessoas  simples arrebanhadas nas redondezas, que em apoio aos seus líderes, cantavam, tocavam, dançavam, comiam os alimentos da casa da fazenda, matavam animais, destruíam e aterrorizavam.

O grupo fundamentou a invasão sob as alegações de que a área da  fazenda, 29.000 hectares, pertencente a  um grupo estrangeiro era composta de terras públicas e griladas. Cada alegação foi devidamente rebatida e a ordem liminar para a desocupação foi concedida.

Aparentemente, aquele pedaço de papel assinado pelo juiz da vara de conflitos agrários do Estado de Minas Gerais nada significava. Pobre do oficial de justiça, que foi escoltado pela polícia militar para intimar os invasores sobre a decisão. Porém, nenhum resultado imediato.

Somente após uma semana de vigência da ordem judicial, após muita negociação, os invasores decidiram cessar a invasão. Os pontos de negociação variaram de um pedaço de terra para o assentamento até, finalmente, fecharmos um acordo de transporte em ônibus para todos os invasores. Esses termos eram tratados com os líderes, que não se importavam de manter consigo seus facões, em nítida tentativa de intimidar.

Decorridos quase 5 (cinco) anos desses fatos, e  com a procedência total dos pedidos, inclusive perdas e danos em face dos integrantes do movimento, pareceu-me oportuno ilustrar, ainda que brevemente,  a partir de um caso concreto, o dia a dia de uma invasão.

A Constituição Federal em seu artigo 5º inciso XVII assegura a todos o direito da associação. É legítima, portanto, a associação para pleitear uma determinada causa. Sob este aspecto, não há o que censurar o MST. No entanto, vivemos em um Estado de Direito, que em outros termos significa o império da lei. Qualquer movimento social, por mais legitima que possa ser a causa, não pode se afastar da legalidade. Ora, invadir lares e afugentar os moradores, reter seus pertences pessoais, alimentar-se dos estoques privados de alimentos, matar animais, destruir a propriedade, ameaçar policiais, fazer alegações falsas em processo, deixar de cumprir ordem judicial, são todas condutas ilegais, que não podem ser simplesmente ignoradas e aceitas porque praticadas por um movimento social peculiar.

Felizmente, o Tribunal do Estado de Minas Gerais, a exemplo de outros Tribunais, lançou mais uma decisão ao repertório para coibir os abusos praticados pelo movimento. O seu efeito imediato é inócuo, pois o movimento não possui personalidade jurídica, ou seja, nunca foi registrado em lugar algum, e não há como responder por suas ilegalidades. Porém, a decisão  permanecerá como mais uma ferramenta na luta contra os abusos.

Neste mês de abril, as manchetes abrem espaços para a orquestra das invasões. No entanto, menos conhecidos são os dramas pessoais e familiares daqueles que têm suas propriedades invadidas. Os invasores são rápidos para se pousar de vítimas e o sistema judiciário, ainda vagaroso para proteger os direitos de quem tem suas terras invadidas.

Sinceramente espero que o Estado brasileiro possa aprimorar sua atuação e  consiga traduzir em ações práticas os fundamentos constitucionais que harmonizam a co-existência da função social da propriedade e o direito de propriedade em si. Que neste processo, identifique modos eficientes de coibir abusos dos movimentos sociais, em especial do MST, que amparado no legítimo direito de associação, invariavelmente passa a larga da lei; aterroriza o campo e infla os conflitos agrários. 

. Por: Ricardo Cerqueira Leite, mestre em Direito Comercial Internacional pela Universidade da Califórnia, especialista em Direito Empresarial, pela PUC-SP, e sócio-fundador do escritório Cerqueira Leite Advogados Associados.

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