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06/05/2010 - 09:44

Reflexões sobre as mães brasileiras sob a ótica da tendência “Transitabilidade”

A trilha sonora desse artigo – considerando essa possibilidade hipotética – poderia ser, tranquilamente, a música “Todas as mulheres do mundo”, de Rita Lee. Em especial, o refrão: (…) “Toda mulher quer ser amada; toda mulher quer ser feliz; toda mulher se faz de coitada; toda mulher é meio Leila Diniz…” Antes que interpretem de forma equivocada a minha opinião, ou me acusem de reducionista, antecipo que a afirmação está baseada em estudos etnográficos e em dados empíricos. A capacidade feminina de interpretar diversos papéis e funções; o talento em criar estratégias singulares para a adaptação e readequação caracterizam uma flexibilidade jamais vista no universo masculino. Contudo, tamanha multiplicidade exaure qualquer ser, inclusive, as mães.

Em pesquisa conduzida por uma equipe multidisciplinar – que deu subsídios conceituais para o Trend Report 2010, relatório de tendências detectadas pela Voltage – essa exaustão ilustra a tendência Transitabilidade. Para que se tenha o contexto do surgimento da tendência, basta lembrar que vivemos em um mundo caracterizado por tensas relações, como a que se processa entre o virtual e o real. O excesso de compromissos profissionais e sociais exige que a mulher seja dinâmica, adaptando-se a diferentes situações, interpretando diferentes papéis em um curto espaço de tempo. As referências fixas se tornam irrelevantes e, como nada é definitivo, o ser humano deve estar em constante transformação, em pleno movimento. Os valores que representam o modo de vida contemporâneo devem acompanhar a jornada múltipla e frenética. O mundo ganha fluidez, liberdade e movimento. Mas como a mulher reage a essa responsabilidade? Qual a percepção que ela tem da multiplicidade?

Em recente estudo para a Voltage, a antropóloga Valéria Ravier compilou depoimentos reveladores que plasmam o sentimento, a autopercepção e os arquétipos da mulher brasileira contemporânea. Chatas, doces, desiquilibradas, emocionais, espontâneas, humanas, independentes, maliciosas, manipuladoras, poderosas, sensíveis, traidoras, versáteis, bonitas, problemáticas, perigosas… As definições que transparecem no estudo abarcam, obviamente, um leque de características que têm como traço comum uma descrição coesa e coerente, embora repleta de contradições. Nas entrevistas é nítida a forte valorização das mulheres-sujeito – as que são capazes de transitar entre novos e velhos papéis culturais; mulheres que valorizam o equilíbrio entre ambos; que não negam a “natureza feminina”. É nessa seara que surge o indício de uma nova percepção feminina.

Diante da possibilidade de assumir identidades contraditórias e plurais que a cultura contemporânea oferece, a mulher se depara com a busca pela essência do ser mulher; entende que está sempre pronta a enfrentar os mais variados desafios, mas percebe que essa demanda é um fardo. O estudo mostra que há dissonância entre o lado profissional e o amoroso; entre o que diz respeito a conquistas sociais e o que rege as conquistas íntimas. Do ponto de vista profissional, há a valorização da independência, a forte sensação de ser capaz de superar qualquer preconceito ou verdade preestabelecida; no campo amoroso, isso não ocorre. A mulher se queixa do descompasso entre os papéis assumidos – conquistados ao longo da história – e os que gostaria de assumir.

Para exemplificar a origem dessa percepção, remeto ao conceito “identidades culturais na pós-modernidade”, do teórico Stuart Hall, que associa as identidades na sociedade contemporânea têm passado por um processo contínuo de descentralização e fragmentação – como mostram as tendências descritas no Trend Report. Na prática, elementos contraditórios são encontrados no indivíduo; a identidade fixa de antigamente cede espaço a uma reinvenção motivada pelos diversos contextos sociais nos quais a pessoa transita. A mulher contemporânea, além de criticar o feminismo – associando-o à contestação da natureza feminina – aponta que tem a necessidade de superar as limitações impostas por esse marco histórico social. Os papéis que foram questionados e renegados pelo feminismo, passam a ser vistos com um olhar nostálgico; há o desejo de voltar a se apropriar desses papéis. E a maternidade se encaixa nessa vontade.

As mulheres têm buscado adaptar as atividades profissionais à rotina familiar com horários e atribuições profissionais mais flexíveis; essas mulheres têm buscado o que acreditam ser a essência da feminilidade por meio da convivência mais estreita com os filhos. Há, inclusive, as que optaram por se dedicar integralmente aos filhos durante determinado período e que transformaram as casas em suas próprias empresas. Entre as que continuam em dupla jornada, a reclamação recorrente é a falta de tempo para cuidados pessoais: manicure, depilação, academia etc. Hoje, essas atividades são “encaixadas” no horário do almoço.

O que essas pesquisas da Voltage sinalizam? Como transformar essas informações em ações concretas em prol das mulheres? Há um sinal claro do desejo feminino por mudança! A multiplicidade das mulheres, que os homens admiram e usufruem, deve ter como aliada produtos e serviços que sejam coautores de um movimento para simplificar a vida das mulheres. As marcas têm que se conectar com o universo feminino e entender quem são e o que querem as mulheres. Aliás, Rita Lee já nos deu uma pista: “toda a mulher quer ser feliz…”

. Por: Paulo Al-Assal - Fundador e diretor-geral da Voltage, Paulo Al-Assal é formado em Administração de Empresas e Economia pela Colorado State University, possui pós-graduação em Marketing (Colorado State University) e em Marketing de Entretenimento e Branding (New York University). Como parte do aperfeiçoamento profissional se tornou um estudioso das disciplinas psicologia, sociologia, antropologia e filosofia.

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