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26/05/2010 - 10:11

O imposto nosso de cada dia

Enquanto você está lendo este artigo, na Associação Comercial de São Paulo, próxima ao Pátio do Colégio, local onde nasceu a cidade, um relógio vai marcando, segundo a segundo, a arrecadação de impostos sobre o conjunto da economia. Em 1994, 28% da riqueza nacional ficaram retidos pelo governo. Em 2002 aproximadamente 36%. Este ano, para um PIB calculado em R$ 3,15 trilhões, estima-se que cerca de 40% vão para os cofres públicos, isto é, cerca de R$ 1,26 trilhão. Considerando outras entradas, o orçamento da União prevê que R$ 1,8 trilhão passará pelo caixa do Governo Federal, responsável por 70% da arrecadação no País. Gastar este dinheiro não parece ser problema para os poderes Executivo e Legislativo. Por esta razão, o marcador automático precisa ficar cada vez mais veloz.

Os principais tributos continuam sendo: receita previdenciária, imposto de renda e COFINS, representando 38,74% do total arrecadado. Como a maior parte dos tributos é cobrada na produção e no consumo de mercadorias, o crescimento econômico leva mais pessoas a consumirem e, por isto mesmo, pagarem mais tributos. O crescimento do PIB, este ano estimado entre 5% e 6%, somado ao fim da desoneração fiscal, adesão dos contribuintes ao “Refis da crise”, aumento no nível de emprego e consumo de produtos e serviços pelo mercado interno, é apontado como a causa relevante da manutenção das receitas da União. Infelizmente, essa arrecadação não resulta em um Estado mais eficiente e empreendedor.

A dívida bruta brasileira em relação ao PIB saltou de 57,9%, em 2008, para 62,9%, em 2010. A origem desta situação está nos créditos concedidos aos bancos oficiais, particularmente o BNDES. No momento, a dívida pública federal aproxima-se de R$ 1,8 trilhão. Os juros pagos pelo setor público consumirão este ano cerca de R$ 179,2 bilhões. Somem-se a esse montante os cerca de R$ 30 bilhões relativos ao custo de mantermos divisas externas elevadas com remuneração inferior à da taxa Selic. Ao final, o desembolso será de R$ 209,2 bilhões, para alegria da banca internacional. No lugar dos antigos Petrodólares e FMI, atualmente os bancos privados emprestam dinheiro de terceiros a governos e cobram caro por esta operação.

A crise do EURO é um alerta para repensarmos as questões de estados perdulários que se endividam eternamente e deixam as contas para os sucessores. Grande parte desse dinheiro é gasto na tentativa de reproduzir o Estado do bem-estar social, que se exprime por meio do auxílio desemprego, programas de alimentação, transporte e pagamento de aluguel às pessoas desempregadas, dentre outras benesses. Adicione-se o elevado custo da máquina estatal causado pelo inchaço de funcionários e altos salários. A conta tornou-se impossível de ser paga apenas com a arrecadação tradicional. Países até então imunes a manifestações violentas da população pelo rumo da economia, como França, Grécia e Espanha, são obrigados a conviver com o fenômeno, até então característico de nações em desenvolvimento.

No caso brasileiro, os servidores federais em 2010 custarão mais de R$ 185 bilhões. Medidas como revisões de remuneração de carreiras e novas contratações de funcionários públicos, Bolsa Família ampliada e aumento real de aposentados consumirão outros R$ 26 bilhões. Neste cenário, a Previdência Social também contribui para um forte descompasso financeiro. As questões ligadas às aposentadorias, somadas à maior longevidade dos segurados, subverteu todos os critérios de cálculos utilizados. Este descasamento deverá custar R$ 48 bilhões em 2010, valores naturalmente cobertos pela arrecadação geral dos tributos.

A contumaz ineficaz gestão financeira do gasto público associado ao quase inexistente investimento na infraestrutura do País, repetida por sucessivos governos, tem impedido o crescimento sustentável. Vez ou outra, o governo procura externar um ar de austeridade. Este ano, já cortou cerca de R$ 31,8 bilhões do orçamento. Afirma que manterá a meta de superávit primário em 3,3% do PIB, cerca de R$ 114 bilhões (valor a ser abatido da dívida pública). Apesar das boas notícias, atingir a meta fiscal não será tarefa fácil. O aumento da arrecadação ainda não permite acompanhar o ritmo dos gastos do Governo Federal, que, só no primeiro trimestre, cresceram 19,3%. Portanto, déficit em transações correntes e inflação são duas ameaças recorrentes nos dias atuais.

O primeiro semestre será bom, mas os mercados, até aqui mantidos pela renúncia fiscal e fortes campanhas publicitárias, levaram a uma antecipação das vendas. Como será o mercado no segundo semestre? Qual será o comportamento do consumidor que comprou casa, automóvel, mobiliário, viajou e se endividou substancialmente para pelo menos os próximos cinco anos de sua existência? Dados recentemente publicados apontam que o percentual de famílias que se endividaram no cartão de crédito subiu de 69,8%, em abril, para 71,2%, em maio. Nesta modalidade, os juros podem chegar a estratosféricos 200% ao ano.

Os grandes desafios continuarão para o próximo governo: desoneração fiscal, revisão da legislação trabalhista, ampliação da taxa de investimento com ênfase em infraestrutura, sobretudo naquelas ligadas à Copa do Mundo em 2014 e À Olimpíada em 2016. Fortes pressões incidirão sobre o custeio da máquina administrativa nos diferentes ministérios, autarquias e empresas públicas. As questões voltadas aos aumentos salariais a servidores dos Três Poderes manterão acesa a polêmica com os sindicatos da classe. O Banco do Brasil, Caixa, BNDES e Petrobras continuarão sendo os grandes demandadores de capital para suprir a falta de recursos do Governo Federal em programas de investimento e financiamento do consumo. A combinação destes fatores é potencialmente explosiva na formação do déficit fiscal, como se provou nos recentes conflitos envolvendo Grécia, Espanha e França, com hora marcada para se repetir em Portugal, Irlanda, Inglaterra e alguns países do euro. Na impossibilidade de encontrarmos uma solução em curto prazo, alguém poderia sugerir que desligássemos momentaneamente o relógio da Associação Comercial. Talvez ali esteja o problema...

. Por: Carlos Stempniewski, mestre pela FGV, administrador, consultor e professor das Faculdades Integradas Rio Branco.

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