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21/07/2010 - 10:50

Sinal de retrocesso

O Brasil deu um passo em direção ao retrocesso no início do mês com a aprovação da proposta de mudanças no Código Florestal brasileiro, na comissão especial da câmara dos deputados. A esperança de preservar um dos códigos mais modernos e avançados do mundo persiste, uma vez que a proposta deve ser, ainda, analisada pelo plenário da casa.

O parecer aprovado é um substitutivo ao projeto de lei que está em tramitação desde 1999 e a outros apensados. Nesses onze anos, os diversos projetos assomados ora aprimoraram o código original, de 1965, ora indicaram mudanças perigosas para a conservação da natureza no Brasil. O substitutivo que segue para a análise da câmara traz, ao menos, as alterações anunciadas há uma semana pelo relator do projeto, o deputado Aldo Rebelo. A mais substancial diz respeito à obrigatoriedade das reservas legais em propriedades com até quatro módulos rurais, mas, por outro lado, elas só serão exigidas nas áreas onde ainda há vegetação remanescente. As propriedades que já eliminaram a vegetação nativa estão dispensadas de recompor as reservas legais.

Apesar de o texto aprovado trazer modificações importantes, traz também diversos equívocos. O fato de os produtores que já devastaram suas reservas não precisarem recompô-las é um deles. A anistia proposta privilegia quem descumpriu a lei e penaliza quem sempre investiu tempo e dinheiro na conservação. Se for aprovada desta forma, mais uma vez assistiremos à conquista de quem destrói com aquela sensação de que, no Brasil, não há punição para quem descumpre a lei, principalmente a ambiental.

O deputado Aldo Rebelo já admitiu ter dado voz aos ruralistas. Ao afirmar isso, ele atesta o fato de que ainda prevalece no Brasil uma política voltada a interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos. Infelizmente, com as atuais propostas – com a previsão de redução das Áreas de Preservação Permanente (APP) e reservas legais – não vamos superá-la. Quem as defende não mede as conseqüências delas para a manutenção dos ciclos ecológicos, que garantem não só a vida no planeta, mas também, a curto e médio prazos, as atividades econômicas que são as justificativas para essas mesmas alterações. Um exemplo claro disso é que a falta de cobertura vegetal natural diminui os nutrientes do solo e o deixa vulnerável a processos erosivos, o que o empobrece e inviabiliza a atividade agrícola em pouco tempo. A qualidade da água também é afetada. Com o solo mais exposto, ela fica mais suja, pois recebe maior quantidade de sedimentos, restos de culturas agrícolas e agrotóxicos, provocando, inclusive, o aumento dos custos de tratamento.

Ao contrário do que se tem afirmado, o Código Florestal brasileiro tem um incontestável embasamento científico. Suas indicações de tamanhos de área de reserva legal e APP que precisam ser mantidas para conservar a biodiversidade eram válidas em 1965, quando entrou em vigor, e são pertinentes até hoje. Estudos recentes validam a legislação e indicam, inclusive, que se fosse para alterá-la, a mudança deveria ser feita ampliando as áreas mínimas de preservação, jamais as diminuindo.

Outra proposta de alteração é a sobreposição das reservas legais às APPs, o que também seria um equívoco, pois são complementares em termos de conservação. A primeira propicia importantes serviços ecossistêmicos, como o controle de pragas e aumento da polinização e da produtividade de algumas culturas. Já as APPs têm como função ambiental preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, conforme especificado no artigo primeiro do Código Florestal.

Incorporar as propostas de redução das áreas naturais seria uma demonstração clara de que ainda nos falta a consciência de que dependemos da natureza para garantir o fornecimento de água doce, a regulação do clima, a qualidade do ar e a produção de alimentos. Em outras palavras, seria o próprio retrocesso na direção do qual demos um passo no início do mês. A esperança volta a ser reforçada para que o caminho para as mudanças não avance. Tanto a legislação como nós precisamos ter limites. Respeitá-los é fundamental para vivermos em equilíbrio e preservarmos a vida na Terra.

. Por: Maria de Lourdes Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. | Fundação O Boticário – A Fundação O Boticário de Proteção à Natureza é uma organização sem fins lucrativos, cuja missão é promover e realizar ações de conservação da natureza. Criada em 1990 por iniciativa do fundador do Boticário, a atuação da Fundação O Boticário é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de outras instituições e disseminação de conhecimento. Desde a sua criação, a Fundação O Boticário já apoiou já doou U$ 9,3 milhões para 1.218 projetos de 390 instituições em todo o Brasil. A instituição mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado, os dois biomas mais ameaçados do país. Outra iniciativa é um projeto pioneiro de pagamento por serviços ecossistêmicos em regiões de manancial, o Projeto Oásis. Na internet: www.fundacaoboticario.org.br

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