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11/08/2010 - 10:32

Em defesa do voto obrigatório – enquanto ausente a reforma política

Sem muito alarde, o senador Marco Maciel aprovou no plenário da Comissão de Constituição e Justiça, projeto de lei de sua autoria reduzindo de nove para duas as penalidades para os eleitores faltosos nas eleições que serão realizadas doravante no país.

Referido projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal – CCJ sem muito alarde, inclusive passou despercebida pela imprensa em geral, mas não dos defensores de uma ampla reforma política no Brasil e daqueles que defendem a manutenção da obrigatoriedade do voto.

Não vamos aqui discutir a “flexibilização” das penas no projeto do senador, mas sim o caminho que se abre para tornar o voto facultativo, defendido por muitos (principalmente pelos maus políticos).

Assim, merece profunda análise o projeto de lei, pois nos leva a acreditar que estamos caminhando de forma acelerada para tornar facultativo o exercício da cidadania que é o direito de votar em seus representantes. Ou seja, novamente estamos diante do jeitinho brasileiro, pois como não interessa ao Poder Executivo e tampouco ao Poder Legislativo discutir seriamente uma ampla reforma política no país, há muito desejada pela sociedade.

O voto obrigatório foi implantado no Brasil, após a Revolução de 1930, com a introdução do Código Eleitoral de 1932 e transformado em norma constitucional a partir de 1934. Regulamentado em um período de transformações institucionais que objetivavam dar credibilidade ao processo eleitoral, foi justificado como uma necessidade para garantir a presença dos eleitores nas eleições. Sobre o tema Assis Brasil dizia: "é conveniente ao interesse social que todos os cidadãos capazes se inscrevam eleitores e votem", completando em seguida que "não são inócuas nem desprezíveis certas providências legais, tendentes a fazer com que a totalidade dos cidadãos se aliste e vote".

A principal motivação para adoção do voto obrigatório deveu-se ao pelo desinteresse da população no processo eleitoral em razão das dificuldades, da falta de conhecimento, dos impedimentos legais e principalmente pelo alto índice do analfabetismo. Assim, o Brasil contava na época um colégio eleitoral bastante reduzido colocando em dúvida sua legitimidade. Todavia, com o crescimento do país, a instalação do regime democrático e o advento da Constituição Federal de 1988, esse quadro mudaram radicalmente no Brasil. Nas eleições de 1998, o país já possuía mais de 100 milhões de eleitores inscritos.

Mas tais mudanças trouxeram a baila a discussão da adoção do sistema do voto facultativo, fundamentando argumentação exatamente na essência do regime democrático, onde o cidadão é livre para exercer ou não o seu direito de votar.

Portanto, o projeto do Senador Marco Maciel representa uma consistente preocupação, o que nos leva a perguntar: O Brasil está preparado para adoção do voto facultativo?

O voto, além de um direito duramente conquistado, deve ser considerado um dever cívico, sem o exercício do qual aquele direito se descaracteriza ou se perde, afinal liberdade e democracia são fins e não apenas meios. Quem vive numa comunidade política não pode estar desobrigado de opinar sobre os seus rumos. Nada contra a desobediência civil, recurso legítimo para o protesto cidadão que, no caso eleitoral, pode se expressar no voto nulo. A questão, no caso, é outra. Com o voto facultativo, o direito de votar e o de não votar ficam inscritos, em pé de igualdade, no corpo legal. Uma parte do eleitorado deixará voluntariamente de opinar sobre a constituição do poder político.

O desinteresse pela política e a descrença nos nossos políticos (extremamente elevada) representada pelo voto serão registrados como mera “escolha”, sequer como desobediência civil ou protesto. A consagração da alienação política como um direito legal interessa aos conservadores, reduz o peso da soberania popular e desconstitui o sufrágio como universal.

A adoção do voto facultativo tem como maior interessado o político corrupto (a lei do Projeto “Ficha Limpa” deve diminuir a quantidade), pois sepultará de vez o anseio da sociedade por uma reforma política ampla geral e irrestrita que discuta de forma séria a adoção do voto distrital, o financiamento de campanha, a inelegibilidade de políticos com ficha suja, a cassação imediata de mandatos de políticos que não respeitem e honrem o voto depositado pela eleitores dentre outras providências.

Assim, defendemos com todo vigor a manutenção do voto obrigatório enquanto perdurar o atual sistema eleitoral, pois, ainda, é a única forma de a sociedade mandar para casa os maus representantes. E tal providência só será efetivada com o efetivo exercício da cidadania traduzido pelo voto.

É imperiosa a discussão de um projeto de reforma política, dentre tantas reformas necessárias – a tributária só para citar -, demos um primeiro passo com a aprovação do Projeto Lei Ficha Limpa, convertida Lei Complementar n.135/2010 iniciativa única e exclusivamente da sociedade organizada que recolheu quase dois milhões de assinaturas, utilizando-se de um direito constitucional de promover um projeto de lei de iniciativa popular, praticamente obrigando o Congresso Nacional e o Poder Executivo pela transformação em lei que proíbe a participação no processo eleitoral de candidatos que já tenham condenação judicial por um órgão colegiado do Poder Judiciário.

Aqui é apropriado e bastante atual citar trecho da obra de Friedrich Nietzsche: “O povo não conquistou o sufrágio universal; onde quer que este esteja em vigor atualmente, ele o recebeu e o aceitou provisoriamente: em todo caso, se tem o direito de retirá-lo quando ela já não satisfaz a expectativa. É isto que parece ocorrer agora em todos os lugares, pois, quando se vai às urnas, nas ocasiões em que o sufrágio universal é utilizado, apenas dois terços dos eleitores, ou frequentemente nem mesmo a maioria deles, comparecem; e este fato enfim constitui um voto contra todo o sistema eleitoral. – Aqui, é preciso julgar com uma severidade ainda maior. Uma lei que determina que a maioria, em última instância, é que se deve decidir sobre o bem de todos não pode absolutamente estar assentada sobre a base exatamente desta mesma lei;é preciso uma base mais ampla, e esta base é a unanimidade. O sufrágio universal não pode ser somente a expressão da vontade da maioria, mas todo os país deve querê-lo. Além disso, a oposição de uma pequena minoria que seja é já suficiente para descartá-lo como impraticável; e a abstenção de um só voto é já também uma contradição que derruba todo o sistema eleitoral. O “veto absoluto” do indivíduo ou, para não ficar apenas no detalhe, o veto de alguns milhares de eleitores, está suspenso sobre este sistema, e esta é a lógica da justiça: toda vez que se utiliza esse expediente, se está obrigado, segundo o tipo de participação, a demonstrar em primeiro lugar que a existência se funda ainda no direito.” (Escritos sobre política/ Friedrich Nietzsche; organização, tradução, apresentação e notas Noéli Correia de Melo Sobrinho. –Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2007. págs.196)

A sociedade organizada, repetindo a iniciativa do projeto Ficha Limpa, não deve permitir o avanço de iniciativas que levem a tornar o voto facultativo sem que tenhamos uma ampla, geral e irrestrita reforma política no Brasil.

. Por: Arcênio Rodrigues da Silva, mestre em Direito, com especialização em Direito Público e Tributário; Administrador de Empresas, com pós-graduação em controladoria; Consultor jurídico de Entidades, Fundações, Associações, Institutos e Organizações não-governamentais e professor universitário.

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