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23/06/2007 - 11:41

Direito subvertido

Lei do desarmamento e, em especial, a norma de recadastramento, foram juridicamente extintas pelo voto no Referendo de 3 de outubro de 2005.

O Ministério da Justiça publicou, nos principais jornais do País, anúncio de meia página concitando cidadãos detentores de armas de fogo legalmente adquiridas e registradas a renovar o cadastro, sob pena de, por omissão, enquadrar-se no crime previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. A pena é de um a três anos de detenção, além de multa. Trata-se do mais abominável terrorismo oficial, destinado a fazer com que pessoas de bem, por medo, submetam-se à violação de direitos constitucionalmente assegurados.

A tal lei do desarmamento, aliás, contém formidável repositório de inconstitucionalidades. Dentre estas, talvez a mais grave seja a questão da renovação do registro. Cabe esclarecer que não apenas as antigas licenças (regularmente feitas com base na lei então vigente) terão de ser renovadas, mas também as novas, expedidas sob a legislação atual. A periodicidade desse recadastramento é de três anos. Com tal atitude, o Governo Federal subverte o princípio mais elementar do direito, que é estabilidade das relações jurídicas, e instaura a insegurança jurídica.

É preponderante entender que a compra legal de uma arma de fogo não significa autorização para portá-la, mas sim de mantê-la em domicílio. Considerando essa distinção, é fundamental que se compreenda, do ponto de vista jurídico, o absurdo da periodicidade do registro, pois o ato de aquisição ocorre apenas uma vez e a manutenção da arma na posse do adquirente, em seu domicílio, é mera decorrência da compra lícita. Assim, é um disparate falar em renovação da licença para aquisição, que se extingue no ato de efetivação da compra.

No entanto, o recadastramento imposto à sociedade e aos cidadãos que desejam ter uma arma de fogo é análogo à situação do recolhimento de tributos. Quem sonega não paga e, se tiver algum problema, basta esperar por uma anistia. Porém, o contribuinte que queira pagar os impostos devidos tem de sofrer as penas do inferno com as obrigações acessórias, para as quais a legislação cria todos os empecilhos, dificuldades e problemas. Ou seja, pune-se quem paga. O mesmo acontece no caso das armas. Quem se encontra na informalidade está tranqüilo; quem quiser cumprir a lei sofrerá uma penitência burocrática e gastará muito dinheiro.

Outro aspecto preponderante deve ser considerado: não pode ser ignorado o resultado do Referendo sobre a proibição total do comércio e posse de armas pelas pessoas de bem. A população brasileira, apesar da enorme e massiva propaganda enganosa oficial, entendeu que se estava pretendendo desarmar as vítimas e, como efeito colateral, dar melhores condições de atuação aos delinqüentes. O resultado foi acachapante: quase 70% dos eleitores repudiaram o já referido artigo 35 da Lei nº 10.826/03. O povo defendeu nas urnas o direito de comprar uma arma.

O que se pretende agora, com a absurda exigência de renovação do registro, é restabelecer, com desvio de poder, aquilo que se perdeu nas urnas. O povo manifestou-se num determinado sentido. A orientação geral da lei foi baseada no artigo 35, que caiu no Referendo; não existe mais; foi retirado da ordem jurídica em razão do resultado soberano dos votos! Quando a Constituição, no artigo 1º, parágrafo único, diz que todo o poder emana do povo, que pode exercê-lo diretamente, como é o caso do Referendo, isso somente pode significar que essa vontade deva ser respeitada. Atenta contra o princípio democrático a criação de meios para burlar a vontade das urnas. Nem se diga, num arroubo de hipocrisia, que se está pretendendo assegurar ao cidadão o controle de suas armas, dificultando a comercialização de peças roubadas. Para isso, não há necessidade de recadastramento, bastando que os órgãos policiais estaduais repassem seus arquivos à Polícia Federal.

Na verdade, o Governo Federal está claramente tentando aterrorizar as pessoas de bem, para que estas, zelando por sua dignidade pessoal e temerosas de serem consideradas criminosas, se submetam à vulneração de seus direitos constitucionais. O governo sabe como é difícil e caro recorrer ao Poder Judiciário e, além disso, conta com a complacência do Ministério Público. Contudo, resta ainda a esperança de que o Congresso Nacional, sensível à demonstração de vontade dos brasileiros, manifestada no Referendo, revogue de modo definitivo a Lei nº 10.826/03, ou, pelo menos, a exigência da renovação do registro.

. Por: Adilson Abreu Dallari é professor titular de Direito Administrativo da PUC/SP.

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