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01/09/2010 - 10:06

A Ditadura pela via legal

Enganam-se os que pensam em regimes totalitários como aqueles exclusivamente resultantes de golpes pirotécnicos e revoluções sanguinárias. Ditaduras também podem ser urdidas e construídas de forma sorrateira, dentro de processos legislativos ordinários, ainda que contrários a preceitos constitucionais e a princípios democráticos.

A construção insidiosa de um regime de força pela via legal se dá pela estruturação de um arcabouço jurídico que retira quase todo o espaço de autonomia da vontade em prol da tutela do Estado sobre o indivíduo.

Não por acaso, esse processo de superdimensionamento do Poder Público - cujos tentáculos vão paulatinamente avançando sobre a esfera do particular, sufocando o cidadão - estrutura-se, falaciosamente, sob a justificativa de defesa de um “bem” maior, de suposto interesse da coletividade.

Progressivamente, o Estado passa a controlar cada ação do cidadão, orientando suas escolhas, definindo seus projetos, coibindo suas decisões. E tudo isso de acordo com leis regularmente votadas, aprovadas e promulgadas.

Trata-se de artificialismo consensual. Ora, cooptar a classe política e o Legislativo não é tarefa das mais árduas, como temos observado. Principalmente num país onde o voto livre ainda não foi capaz de qualificar o eleito e o governante.

Em nome do interesse coletivo, podem-se, por exemplo, criar regras que “disciplinem” a atuação dos meios de comunicação e estipular punições administrativas para jornais, rádios e TVs que não produzam programação em consonância com os Direitos Humanos. A partir daí a liberdade de expressão existirá na forma da Lei, apenas. Na prática jornalística será mera ficção.

Aliás, eis aí uma das diretrizes do Programa Nacional dos Direitos Humanos, instituído pelo Decreto número 7.037, no apagar das luzes do ano passado (21/12/2009), e que também procura orientar a escolha de livros didáticos e a expressão da cultura, entre outros muitos arroubos intervencionistas que serão brevemente disciplinados em Lei – ao que tudo indica.

Compulsão legislativa ou normativa é algo a se combater. Quanto maior a produção de normas, maior é o risco de totalitarismo. Vale ressaltar: o que faz, de fato, uma sociedade ser democrática e justa não é o número de leis que produz, ou o rigor das mesmas, mas sim o respeito incondicional às leis que já existem – uma postura que está muito mais relacionada ao exemplo dado por governantes e à educação da população.

Por sinal, quanto mais insensatas forem as normas, maior será o risco de cidadãos honestos virem a desrespeitá-las. Neste sentido, temos o novo Estatuto do Torcedor, que coíbe até palavrões nos estádios, como um monumento ao ridículo.

O Estatuto foi urdido no bojo do referido espírito do “bem coletivo”, da conduta politicamente correta que deve, de acordo com a doutrina ora predominante no Brasil, orientar uma sociedade “igualitária”. A mesma mentalidade produziu a Lei Seca, festejada pela redução dos acidentes no trânsito. Mas a redução não teria sido resultado do aumento da fiscalização, e não do caráter tutelar da Lei? E, no que toca a Lei Seca, não convém também questionar se as grandes operações de fiscalização, que praticamente paralisam o trânsito nas grandes cidades, estão de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem reger as ações do Poder Público?

Afinal, não parece razoável engessar o trânsito de uma cidade para punir meia dúzia de motoristas. O bom senso recomendaria que a fiscalização fosse feita regularmente, de forma seletiva, como ocorre, em regra, na Europa e nos Estados Unidos. O que está claro é que o aumento do aparato coercitivo, como os equipamentos de fiscalização eletrônica, tem sido inversamente proporcional às condições de segurança, de sinalização, de iluminação e de pavimentação das vias públicas.

Esse Estado que tudo cobra – em nome do bem-estar coletivo – está, na verdade, de mal com o povo e nada dá em troca. Ainda que o contribuinte trabalhe cinco meses por ano para pagar tributos.

Em países com maior grau de desenvolvimento, o contexto de supressão da individualidade, com o correspondente aumento da tutela estatal, já seria sufocante. Num país como o Brasil, em que o Estado trata o cidadão-eleitor como súdito, o horizonte passa a ser desesperador. Sobretudo porque é possível prever um aprofundamento dessa tutela, em detrimento das liberdades individuais. O próprio Decreto dos Direitos Humanos já aponta neste sentido.

Cabe refletir sobre o ridículo dessa postura tutelar do Estado da próxima vez que, num estádio de futebol, constrangidos pela proximidade de um policial, nos dirigirmos ao juiz acusando-o de ser “bobo” ou de ser “feio”. É nessa atmosfera coercitiva, digna de um romance de Kafka ou Orwell, que devemos avaliar nossas escolhas políticas, tendo em vista a eleição que se aproxima.

. Por: Nilson Mello, diretor da Meta Consultoria e Comunicação Ltda

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