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27/06/2007 - 10:22

Uma doença mal diagnosticada no Brasil

Um remédio chamado informação

Um agricultor da cidade de Campo Belo, interior de Minas Gerais, passou a sentir fortes dores nas costas. Foi ao ortopedista e recebeu a informação de que estava com problemas na coluna. Tomou remédios, fez fisioterapia. Mas as dores continuavam. Um ano depois, conseguiu uma consulta em um grande hospital de São Paulo onde descobriu que tinha mieloma múltiplo, câncer pouco conhecido entre a população, mas que já se apresenta como a segunda neoplasia hematológica mais freqüente, mais até que alguns tipos de leucemia, segundo especialistas. É um tipo de câncer de medula (tecido esponjoso que preenche o centro da maioria dos ossos - o tutano) que afeta as células plasmáticas, que são um tipo de glóbulos brancos.

No Brasil estima-se o surgimento de cerca de 15 mil novos casos por ano. No início, a pessoa pode não sentir nada. Mas algum tempo depois os sintomas aparecem sob a forma de dores ósseas, anemia persistente, problemas renais e fraturas patológicas o que confunde médicos e pacientes. Infecções freqüentes também são comuns porque o sistema imunológico fica comprometido.

Como em todas as doenças, o diagnóstico precoce é fundamental para o futuro do doente. No caso do mieloma ainda não há cura, mas o tratamento correto e no estágio inicial, significa muitos anos de vida e o mais importante: qualidade de vida.

O problema é grave. Mais de 75% da população mundial tem ou terá este tipo de dor, segundo a Organização Mundial da Saúde. Neste caso, os especialistas mais procurados são os ortopedistas que, muitas vezes, sem um exame mais atento, encaminham o paciente para a fisioterapia ou recomendam simplesmente a aplicação de alguma pomada sobre a área dolorida. O que muitos não sabem é que estas dores lombares podem ser um sinal de alerta do mieloma.

Os especialistas brasileiros em doenças hematológicas estão cada vez mais preocupados com o diagnóstico tardio. Além dos ortopedistas, os fisioterapeutas e os reumatologistas precisam ser informados sobre o mieloma para solicitar os exames necessários e salvar vidas.

Para saber se um paciente tem mieloma, o médico pode solicitar um exame de sangue, a Eletroforese de Proteínas Séricas que identifica o mieloma e outras doenças.

A meta dos médicos especialistas em onco-hematologia no Brasil é fazer com que os pacientes possam ser diagnosticados com a doença em estágio inicial, como nos EUA, onde cerca de 40% dos pacientes tem o mieloma identificado por meio de exames de rotina.

Uma outra preocupação dos especialistas: a doença, que é predominante na faixa acima dos 50 anos, começa a afetar pessoas mais jovens. O lavrador mineiro citado no início do artigo tinha pouco mais de 30 anos quando foi diagnosticado. Em Tocantins, na cidade de Aliança, um rapaz de 23 anos, que é estudante de direito e trabalha como autônomo, enfrentou as mesmas dificuldades, mas na época tinha apenas 18 anos. Ele se queixou ao ortopedista sobre dor na coluna e foi cogitada a possibilidade da existência de lordose. Somente um ano depois, com as dores quase insuportáveis conseguiu um diagnóstico correto. Hoje, cinco anos depois, todo mês viaja 600 quilômetros até a cidade de Goiânia, para fazer o tratamento. Um outro caso de paciente jovem ocorreu em Petrópolis, onde um cirurgião dentista descobriu a d oença quando tinha 27 anos. Mas neste caso, o diagnóstico foi correto e precoce.

O caso do lavrador é um exemplo importante porque ele foi vítima duas vezes. Primeiro com o diagnóstico errado. Depois com o tratamento considerado inadequado. O paciente tinha todas as condições para ser submetido a um auto-transplante de medula, a melhor alternativa e a mais utilizada pelos médicos. O transplante é precedido de um tratamento com quimioterapia para reduzir o número de células cancerosas. Mas o médico do grande hospital em São Paulo, insistia em manter um tratamento há muito tempo abandonado pelos maiores especialistas em doenças do sangue, ou seja, combinava quimioterapia com radioterapia e um medicamento que só deve ser usado depois do transplante. Assim, o paciente corria sérios riscos sem necessidade.

Mas sua família começou a se informar sobre a doença e logo foi orientada para se dirigir a um renomado centro de transplante, para onde ele foi encaminhado a tempo de ser salvo.

Um dos maiores especialistas em transplante de medula óssea, o Dr. Frederico Dulley, do Hospital das Clínicas de São Paulo, destaca que praticamente não há fila para esse tipo de procedimento. A equipe do Dr. Dulley acaba de atingir a histórica marca de 1.500 transplantes.

Quando o mieloma volta, uma das opções é um novo transplante. Há pacientes que já passaram pelo terceiro transplante, como é o caso de uma dona de casa de São Paulo, que teve a doença diagnosticada há 14 anos e hoje leva uma vida normal.

É interessante considerar também a opinião do Dr. Brian Durie, diretor do programa de Mieloma do Cedars-Sinai Cancer Center na Califórnia, EUA e co-fundador da International Myeloma Foundation (IMF), que estará no Brasil no início do segundo semestre deste ano. O Dr. Durie costuma dizer que “os pacientes com mieloma estão vivendo mais. É uma doença com a qual a pessoa pode conviver por muitos anos".

Mas, se por um lado, segundo o Dr. Dulley o Brasil é o 5º maior centro de transplantes no mundo e se prepara para ocupar posições de maior destaque, por outro lado, se mantém na incômoda posição de país que pouco investe em diagnóstico precoce, cuja principal ferramenta é a informação - uma forte aliada do médico e do paciente. Casos como os do lavrador e do estudante de direito se multiplicam pelo Brasil afora.

A falta de informações sobre o mieloma é uma barreira a ser vencida. Temos recebido diariamente um grande número de mensagens de pacientes e familiares desesperados, ou por que não foram diagnosticados corretamente, ou por que receberam informações incorretas de profissionais da área da saúde não habituados com a doença.

De uma pequena cidade no interior do Paraná, por exemplo, temos o e-mail de uma paciente de 37 anos, mãe de três filhos, que estava desesperada. O clínico geral que a atendeu, via SUS, disse para ela se preparar para a morte porque tinha poucos meses de vida. Neste caso, o encaminhamento foi para um importante centro de transplante de Curitiba.

A informação que leva ao diagnóstico precoce reduz o sofrimento dos pacientes e dos familiares e colabora para a utilização racional dos reduzidos recursos destinados à saúde no Brasil. Diagnóstico tardio ou errado é dinheiro jogado fora, com previsão de maiores gastos depois de descoberta a doença em estágio avançado.

O paciente precisa estar informado sobre a doença e sobre seus direitos. O paciente bem informado tem melhor condições de discutir o tratamento com o médico; de obter esclarecimentos sobre as melhores opções para o seu caso; de ter uma segunda opinião e de contar com a orientação de grupos de apoio, entre outros.

Muitos nem sabem que têm direito a transporte especial e a medicamentos de última geração e que só são disponibilizados pelas autoridades da área da saúde por meio de ações na justiça.

Pude sentir na pele o sofrimento causado pela escassez de informações sobre a doença no País. Depois de ter acompanhado o dia-a-dia do tratamento de minha mãe que teve mieloma, resolvi me dedicar de corpo e alma à essa causa, trazendo para o Brasil a International Myeloma Foundation (www.myeloma.org.br) que tem mais de 135 mil membros em 112 países. Nosso objetivo principal é levar informação e apoio aos pacientes e familiares nos cinco continentes, enquanto se busca a cura para a doença.

. Por: Christine Jerez Telles Battistini é presidente da IMF Latin America -Fundação Internacional do Mieloma na América Latina.

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