Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

02/10/2010 - 07:39

Regra Eleitoral é Como Nuvem

Nesse dia 3 de outubro, o cidadão brasileiro terá novamente a oportunidade de decidir quem serão os próximos representantes políticos desse país. Apesar disso, ainda não sabemos em quem poderemos de fato votar e, até há algumas horas, não havia a definição dos documentos que o eleitor deverá levar no dia de votação.

Às vésperas das eleições, o povo brasileiro está à margem das decisões e inseguro com a decisão tomada por seus representantes – ou, no caso do Supremo Tribunal Federal (STF), a falta ou reticência em decidir. Na recente história de nossa política eleitoral, durante o período da República Velha, a Política dos Governadores e o Coronelismo ditavam a candidatura e os cargos eletivos a serem ocupados na Federação. Ao mesmo tempo, a Política do Café-com-Leite alternou o controle do Executivo entre os dois mais poderosos Estados à época: Minas Gerais e São Paulo.

O que chama a atenção no caso recente é que o cidadão se dirigirá às urnas no próximo domingo intranqüilo e inseguro, embotado de interrogações e dúvidas em razão de discussões jurídicas difíceis de entender e que não transmitem uma mensagem clara do que pode e do que não pode, do que vale e do que não vale.

É curioso: às vésperas de um passo importante para o fortalecimento das instituições, há mais informação, mas a notícia trazida é que as regras para as eleições ainda não estão definidas.

Nos casos do passado, como no de D. Pedro I na independência e, depois, na Regência, com a atuação do Movimento Liberal, ou no do Estado Novo por Getúlio Vargas, ou, ainda, mais tarde, com o Golpe de 1964 que deu início a última ditadura no Brasil, não houve participação popular na escolha de seus governantes.

Passados os tempos, mesmo hoje, apesar do dito governo democrático consolidado, ainda estamos inertes ao intemperismo de nuances discricionárias de parcelas que controlam o poder. Em quem posso votar? Como votar? São perguntas que os fatos recentes demonstram que estão sem resposta.

A Lei de Ficha Limpa, introduzida no cenário legislativo desde ano passado, procurou discriminar os que estariam aptos à representação do povo na política, desqualificando aqueles que tivessem maus antecedentes, isto é, que fossem incompatíveis com a necessária probidade administrativa, prevista na Constituição. Além disso, uma novidade foi posta em pauta para esse ano de eleições: além do documento de identificação com foto, o votante teria de comprovar sua identidade por meio da apresentação conjunta do título de eleitor, com o argumento de se inibir possíveis fraudes no nosso sistema eleitoral.

Faltando três dias da votação e o paradeiro das questões ainda permanece uma incógnita. Para falar a verdade, apenas na tarde de quinta-feira (30/09) conseguiu-se obter uma das respostas com algo que estava nebuloso até a noite de quarta-feira (29/09): decidindo sobre a constitucionalidade da exigência de se trazer o título de eleitor para a votação, quando o placar do julgamento já estava em 7 a 0, o ministro Gilmar Mendes pediu "vista" aos autos, adiando ainda mais uma possível solução rápida da questão. Finalmente, há pouco, sentenciou-se contra essa medida, mantendo o regime originário, da exigência de um documento oficial com foto para habilitar o eleitor a votar.

Em relação à Ficha Limpa, a indefinição permanece. Sem qualquer postura sobre o assunto, os mais de 135 milhões de brasileiros irão às urnas nesse final de semana sem saber se quase três centenas de candidatos, uma vez eleitos, serão diplomados ou exercerão seus mandatos. É esse cenário de angústia que a indefinição do STF em relação à Lei da Ficha Limpa trouxe. E se os votos forem declarados nulos? E mais: como a indefinição em relação a este importante tema influiu na corrida pelo cargo eletivo? O STF não se pronunciou sobre a celeuma e, tudo indica, nada fará, mesmo com a chegada das eleições.

O STF é a mais alta corte de Justiça desse País. Todas as demandas que atingem diretamente o âmago da nossa Constituição devem ser julgadas pela que um dia já foi também chamada de "Casa da Suplicação". Acontece que os impasses dentro do tribunal têm sido frequentes, seja pelo excesso de processos que lhe são depositados, aguardando pelo julgamento; seja pela nítida divisão dos ministros, que procuram seu espaço de poder na casa judiciária; seja, finalmente, pela politicagem dos outros Poderes da nação, que impedem a sua atuação independente.

Em entrevista a uma repórter, assim foram as palavras do ministro Ricardo Lewandowski sobre esses últimos eventos na cúpula do Poder Judiciário: "penso que existem divergências naturais, pontos de vista conflitantes, que não são ideológicos, mas abordagens distintas que se faz da Constituição Federal. Nós temos um complicador que é o fato de termos apenas dez ministros no Supremo e quando há empate, realmente, nesse caso muitas vezes chegamos a impasses, como no caso do recurso do Roriz e Lei da Ficha Limpa" (G1, quarta-feira, 29.9.2010, 15h49).

Deveras, não se desconfia que a divisão seja comum nos casos mais complexos e que a necessidade pela discussão aprofundada dos problemas seja importante para a população, que muito depende das diretrizes fornecidas pelas normas legais. Inclusive, é algo comum nos outros sistemas jurídicos, principalmente no norte-americano, que raramente chega à unanimidade nas decisões que são proferidas na Suprema Corte.

Nesse ponto, o pedido de "vista" do Ministro Gilmar Mendes demonstra bem essa vertente e, de maneira alguma, pode ser analisado como algo de errado, do ponto de vista formal. No entanto, moralmente, a demora e os percalços na tomada de uma decisão são desastrosos no âmbito da defesa dos princípios e das regras erigidos na Constituição de um Estado Democrático de Direito. Ainda, quanto à Ficha Limpa, o que significa acreditar que não sabemos quem de fato será eleito com o voto depositado pelos eleitores à urna? No mínimo, uma quebra nítida do mais precioso baluarte do sistema democrático: a eleição.

A indefinição a respeito desses assuntos confunde o eleitor. Tanto a falta de decisão como a decisão depois de fechadas as urnas são nefastas para o cidadão e para o fortalecimento das instituições.

Até o momento que sejam definitivamente resolvidos tais problemas, só restará ao cidadão "suplicar" para que o STF decida. Até lá, os episódios recentes envolvendo as regras do jogo eleitoral, que deveriam estar claras e sedimentadas com antecedência na mente do cidadão, vão dar ensejo à atualização do famoso ditado de que política é como nuvem: cada momento está de um jeito. No Brasil de hoje, às vésperas de uma eleição importante, a mesma observação se aplica, infelizmente, às regras eleitorais.

. Por: José Daniel Gatti Vergna e Marco Antonio Garcia Lopes Lorencini são da área Contenciosa do L.O. Baptista Advogados.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira