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14/10/2010 - 09:52

A literatura brasileira clássica “traumatiza” os jovens leitores?

Existe, creio, uma espécie de consenso entre boa parte da sociedade brasileira acerca da importância da educação e do conhecimento como pilares fundamentais para o pleno desenvolvimento de uma nação. Trata-se de uma discussão antiga. Quem não se lembra de Monteiro Lobato, declarando que um país se faz com homens e livros? No entanto, apesar de toda a conscientização, até hoje não conseguimos resolver essa questão no Brasil – enquanto diversos países na Europa, Ásia e América do Norte já encontraram soluções há décadas. É inegável que tivemos avanços consideráveis ao longo dos anos, sobretudo se levarmos em conta a universalização do acesso ao ensino fundamental. Hoje, a população alfabetizada é muito superior à de, por exemplo, quarenta anos atrás; as escolas se espalharam por localidades remotas do interior, onde antes inexistiam. Mas é preciso mais.

A revista Veja – em matéria assinada por Marcelo Sakate na edição de 29 de setembro de 2010 –, dedica seis páginas à crescente e maciça afluência de estrangeiros para o mercado de trabalho no Brasil, apontando como uma das causas a carência de mão de obra qualificada entre a nossa população. E entendamos por mão de obra qualificada não apenas pessoas diplomadas, mas profissionais com real conhecimento nas suas áreas de atuação. Esse é um drama brasileiro, que tende a se agravar nos próximos anos com o esperado crescimento econômico do país e sua presença cada vez maior no cenário internacional. Hoje, o Brasil é vítima da incompetência histórica do Estado em não oferecer à população um sistema educacional público universal e de excelência; em não tratar a educação e a cultura com a atenção e o cuidado merecidos.

As consequências desse descalabro se refletem nos ainda tímidos índices de leitura entre o povo. A habilidade de assimilar e interpretar textos está diretamente ligada à educação recebida. Uma pessoa com dificuldades de ler – especialmente em um mundo no qual a informação constitui o principal capital – não apenas é um profissional com limitações. Acima de tudo, trata-se de um cidadão pela metade à medida que dificilmente conseguirá de outra forma conhecer a fundo seus direitos e obrigações; terá dificuldades de dialogar plenamente com a sociedade e as esferas do poder; estará sob o risco permanente de se ver manipulado de acordo com interesses alheios ao bem-estar coletivo. Visito escolas com regularidade – ocasião em que tenho a chance de trocar ideias com alunos e professores – e nessas oportunidades procuro sempre sublinhar que a fluência da leitura é essencial, inclusive para que todos possam compreender textos importantes para o exercício da cidadania como a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor.

É bem verdade que nascer em uma família de leitores, na qual os pais leem com os filhos e dão o exemplo na relação prazerosa com os livros, constitui um grande incentivo para despertar na criança e no adolescente o gosto pela leitura. Não podemos, entretanto, contar com isso em um país onde uma considerável parcela da população descende de famílias que mal frequentaram as salas de aula. A construção de um Brasil leitor e, portanto, mais culto, se dará na escola – em particular no Ensino Fundamental, ainda bastante negligenciado. Falta ao Brasil uma política educacional de Estado que paire acima dos interesses partidários e que seja executada com rigor, consistência e estratégia, independentemente do grupo político que estiver no poder. Do contrário, não sairemos do lugar. Como esperar, por exemplo, que o sistema de cotas para as universidades tenha real eficácia se a maioria dos que seriam beneficiados por ele sequer chega ao Ensino Médio? Do mesmo modo, de que maneira o sistema educacional poderá funcionar plenamente se não há uma devida valorização do profissional do ensino, que além da remuneração acanhada, ainda precisa lidar com alunos a cada ano mais indisciplinados, desinteressados e, em alguns casos, até violentos? São circunstâncias sérias que merecem por parte do Estado e da sociedade um esforço maior a fim de serem equacionadas.

Não tenho dúvidas que a difusão da leitura entre a população – em especial as novas gerações – é imprescindível para dar solidez ao desenvolvimento do Brasil, tornando-o mais digno e menos injusto. Não é, contudo, tarefa simples em um mundo cada vez mais tomado pelos apelos sedutores da tecnologia e do audiovisual. Para se impregnar no cotidiano de uma pessoa, o ato de ler precisa ser atraente. Só o gosto genuíno pela leitura a faz regular e forma o leitor na prática. Sou uma pessoa observadora e atenta ao mundo à minha volta. Costumo conversar com pessoas a fim de me inteirar de suas experiências de vida e, como escritor, interessa-me conhecer a relação que cada qual tem com os livros – ainda que ela inexista. O que mais percebo, mesmo entre os leitores contumazes, é, infelizmente, uma espécie de “trauma” com a literatura brasileira adotada a partir de um determinado momento que, em geral, varia entre o final do Ensino Fundamental e o início do Médio. Eles se referem quase sempre às obras clássicas, muitas de inegável valor cultural, assinadas por renomados escritores brasileiros. A leitura de clássicos, brasileiros ou não, é importante e bem-vinda. Mas, no que se relaciona especificamente à formação de leitores na adolescência a indicação pode ser contraproducente. Não creio que seja o caso de erradicá-los das salas de aula, mas, talvez, de dosá-los à leitura de obras contemporâneas.

Uma boa opção, a meu ver, é a chamada literatura de entretenimento. Historicamente escassa no Brasil, essa literatura vem ganhando, nos últimos anos, inúmeros adeptos entre os autores nacionais, muitos dos quais com obras de qualidade em vários gêneros, escritas num português correto e com tramas bem estruturadas, capazes de fisgar um leitor relutante com mais facilidade. Coisa que, aliás, começa a acontecer. Alguns desses escritores já contam com um público fiel, boa parte composta por jovens que, graças ao seu trabalho, estão descobrindo a paixão pela leitura.

Há uma revolução silenciosa em curso na literatura brasileira, tanto na constituição quanto na relação entre ela e os leitores. As perspectivas são animadoras e é preciso aproveitá-las. A ficção de entretenimento pode ser uma preciosa aliada dos professores em sala de aula para unir definitivamente alunos e livros. Pois, malgrado a baixa reputação em alguns círculos cultos, ela desempenha como nenhuma outra a tarefa de treinar a leitura, habilitando o estudante a imergir, mais tarde, em um texto mais profundo e a extrair dele o melhor.

Por: Luis Eduardo Matta - Considerado uma das vozes mais criativas e originais da nova literatura nacional, Luis Eduardo Matta iniciou a carreira literária em 1993, aos 18 anos, com a publicação do livro Conexão Beirute-Teeran (Editora Chamaeleon). A decisão de assumir por ofício a escrita pelo viés ficcional resultou na publicação das obras “Ira implacável: indícios de uma conspiração” (Razão Cultural Editora); “120 horas” (Editora Planeta); “Morte no colégio” (Editora Ática); “Roubo no Paço Imperial” (Editora Ática); “O rubi do Planalto Central” (Editora Ática) e O véu (Primavera Editorial).

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