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17/11/2010 - 10:21

O Mito das “Reformas-Já”

Para crescer 5% ao ano, nos próximos 4 anos, a economia brasileira não precisa das tão propaladas reformas tributária, política, previdenciária e fiscal. Se elas vierem, dependendo da sua qualidade, pode ser bom como pode ser ruim.

Analisemos cada área separadamente:Reforma Tributária

Hoje a carga tributária brasileira está em torno de 37% do PIB. Esta é uma carga tributária necessária para um país em desenvolvimento que quer universalizar o acesso ao ensino básico, ao sistema público de saúde e à previdência pública. Além de garantir um patamar mínimo de renda para todos.

O problema do sistema tributário brasileiro é sua alta regressividade (proporcionalmente à sua renda, os pobres pagam mais tributos que os ricos), a concentração dos recursos tributários na esfera da União (gerando perda de autonomia às demais esferas federativas) e sua baixa eficiência (os serviços recebidos em troca são de baixa qualidade).

Todos esses problemas, no entanto, podem ser minimizados por projetos de lei ou medidas administrativas, sem necessidade de Reformas Constitucionais. Se o futuro governo instalar na Secretaria do Tesouro um grupo de representantes da sociedade, para acompanhar diariamente o fluxo de caixa do sistema tributário nacional e propor mudanças de alíquotas dos tributos, de forma a não perder arrecadação e a reduzir suas disfunções, acredito que boa parte dos problemas poderá ser resolvido. Muitos tributos ineficientes podem ser mortos por inanição, por meio de reduções contínuas de alíquota até zerá-las. Outros tributos menos ineficientes devem ter alíquotas reduzidas dentro da sua margem de elasticidade alíquota/arrecadação (quedas nas alíquotas podem gerar aumento na arrecadação).

Na área tributária, portanto, o que o novo governo poderia fazer imediatamente, é fixar uma meta de arrecadação e dar liberdade ao grupo de acompanhamento do sistema tributário para mexer nas alíquotas, com a condição de não perder arrecadação. Ao fim de 4 anos será possível tornar o sistema tornando-o bem mais justo e eficiente.

Quanto à reforma fiscal, tem-se dito que é necessário reduzir as despesas correntes do governo para baixar taxa de juros e pressão inflacionária ao mesmo tempo. Atualmente, grosso modo, os números dos dispêndios do setor público no Brasil são os seguintes:

Arrecadação = 37% do PIB, distribuída da seguinte forma: Gastos Correntes + Transferências = 32% do PIB; Pagamento de Juros da Dívida Pública = 5,3% do PIB, Investimentos Públicos Diretos = 1,7% do PIB e Déficit Nominal = 2% do PIB. Se o setor público se comprometer com o aumento dos investimentos, passando de 1,7% do PIB para 3,5% do PIB até 2014, certamente haverá elevação dos investimentos privados, aumento da taxa de investimentos do país, expansão da oferta, redução da pressão inflacionária e redução dos juros. Com juros mais baixos, o custo da dívida pública cai e sobram mais recursos para investimentos. Não é necessário reduzir gastos para aumentar investimentos público, basta que o crescimento dos gastos correntes não supere o crescimento da arrecadação tributária. Por outro lado, é necessário que os dispêndios com investimentos cresçam a uma velocidade superior ao crescimento da arrecadação.

Quanto à questão da previdência, é necessário: Primeiro, separar o que é previdência do que é assistência social. Após a Constituição de 88, grandes grupos foram incorporados ao sistema previdenciário, sem nunca ter contribuído para isto. Além disso, vários gastos com assistência social, propriamente dita, foram incorporados às contas da Previdência. Sem estes anexos, os resultados da previdência seriam, atualmente, equilibrados. Segundo, deve-se levar em conta que quase metade da mão de obra empregada no Brasil está na informalidade. Estas pessoas acabam recebendo algum benefício da previdência, sem contribuir diretamente para tal. A redução dos custos tributários da contratação formal (tarefa do grupo mencionado anteriormente) incentivaria a formalização do trabalho e aumentaria a receita da previdência. Terceiro, devemos levar em conta que o Brasil entra, agora, na fase de bônus demográfico (a soma dos trabalhadores na ativa será maior do que dos inativos – crianças e idosos). Quarto, não podemos esquecer que seria muito importante criar um fundo para o custeio da previdência no futuro, quando o bônus demográfico acabar. Tais recursos podem vir do pré-sal, por exemplo.

Finalmente, quanto à reforma política, o assunto passa, de desnecessário a preocupante. O atual sistema eleitoral brasileiro tem muitos defeitos, mas os concorrentes têm ainda mais. O voto distrital (apenas um deputado por distrito) tem a vantagem de aproximar os eleitores do eleito, no entanto, distorce toda a lógica do poder legislativo. As minorias jamais seriam representadas, uma vez que elas não conseguem ser maioria em nenhum distrito. Estabelece ai, o que Tocqueville (Democracia na América), define como “Tirania da Maioria”. Além disso, paroquializa-se a pauta dos deputados. Ninguém vai mais pensar nas grandes questões nacionais e sim na solução dos problemas do distrito. Quanto ao financiamento público de campanha, ele pode ajudar aqueles candidatos com menos recursos, mais não impede aqueles que hoje utilizam caixa-dois de continuarem utilizando. Acredito que com alguns aperfeiçoamentos, o atual sistema de voto proporcional para vereadores e deputados e majoritário para senador, prefeito, governador e presidente, seja ainda o melhor sistema. Medidas como: fidelidade partidária (o mandato pertence ao partido e não ao parlamentar. Quem mudar de partido perde o mandato), cláusula de barreira (partidos sem o mínimo de votos em todo o território nacional não teria direito a horário gratuito de rádio e televisão, verbas partidárias e assento no colégio de líderes no Congresso) que evitaria a proliferação de partidecos de aluguel. Outros aspectos, como a solução da desproporcionalidade entre um eleitor de São Paulo e eleitores de estados pouco povoados (se a proporção, cada eleitor um voto, fosse mantida, São Paulo passaria a contar com mais de 110 deputados e alguns estados da região norte, com menos que os atuais oito deputados) também deveriam ser corrigidos.

A reforma política passa a ser preocupante, pois pode tornar-se o “ovo da serpente”. Aqueles que a propõe pode se aproveitar dessas mudanças para enfiar goela a baixo do povo brasileiro questões como a da reeleição indefinida ou manipulação de verbas eleitorais. Lembremo-nos que as maiores ditaduras nasceram de mudanças na legislação eleitoral.

Em suma: Invés de fazermos as tais reformas estruturantes, seria muito melhor fazermos, no nível da legislação infra-constitucional, contínuas micro-reformas. Elas seriam mais eficientes e seus resultados viriam mais rápido. Além de que, sua realização é viável, enquanto a das grandes reformas patinam.

. Por: Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios. | E-mail: [email protected].

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