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19/11/2010 - 08:13

Lobato e Loyola já estão lá. Será que Deus escapa?

Recentemente, uma notícia tomou conta das manchetes: o Conselho Nacional da Educação recomendou a retirada do livro “Caçadas de Pedrinho” das escolas do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, alegando que a obra apresenta conteúdo racista.

A mim, chamou atenção o fato de que o livro “Caçadas de Pedrinho”, alvo da censura do Conselho Nacional de Educação, foi escrito pelo maior autor infantil de nosso país: Monteiro Lobato.

Que me perdoem Ruth Rocha, Ziraldo e tantos outros ícones da literatura infantil brasileira, mas Lobato é, e sempre será, o maior entre seus pares. Isso porque sua obra, além de contemplar a fértil imaginação, característica da puerilidade, também conseguiu trazer conteúdos políticos e sociais importantes de seu tempo à tona, formando e informando os pequenos leitores por gerações.

Reconheço que minha indignação é fruto de um intenso envolvimento emocional que tenho com Lobato, e explico o porque: meu primeiro contato com a leitura foi através de uma edição de 1950 do livro “Reinações de Narizinho”, que ganhei de minha avó paterna, professora, que a usava para contar histórias para seus filhos (meu pai e seus três irmãos) e alunos. Esta mesma edição foi o primeiro presente que dei à minha afilhada Valentina, quando ela ainda estava na barriga de sua mãe.

E agora vem uma fulana dizer que devemos “banir” Lobato das escolas? O que é isso? Não é possível! Vejam o peso da palavra: banir! Sob a alegação de que o livro induz ao racismo, começaremos uma nova inquisição? Que outros autores farão parte da lista negra?

Anteriormente, o alvo foi Ignácio de Loyola Brandão, autor de um belíssimo conto que, apesar de ter sido escolhido para integrar a antologia dos cem melhores contos brasileiros do século 20, foi considerado inapropriado para os jovens do ensino médio, sob alegação de pornografia e uso de palavras de baixo calão. Agora, Lobato é racista. Onde vamos parar? Até onde permitiremos? Será que a Bíblia escapa da lista ou o Velho Testamento será acusado de incitar a violência por pregar “olho por olho, dente por dente”?

Lembro-me de um episódio que aconteceu durante um congresso científico, na universidade, quando fui, ansiosa, assistir a uma palestra com uma das maiores autoridades na área de pesquisas acerca do uso da subliminaridade na Comunicação Social. Era uma chance única para nós, estudantes: ouvir do próprio autor as informações que sugávamos nos livros! Quanta decepção! O respeitado palestrante perdeu a audiência de cerca de 70 por cento da platéia ainda no início, quando disse que Maurício de Souza era contra o MST, pois as histórias do Chico Bento sempre mostravam o travesso caipira levando “tiros de sal” ao tentar invadir as terras do Nho Lau para roubar goiabas, o que, segundo ele, caracterizava uma mensagem de apoio aos ruralistas que colocam jagunços armados para defender suas terras. Saí imediatamente da sala, acompanhada de muitos de meus colegas, tão indignados quanto eu!

Acusar Maurício de Souza de defender os ruralistas, Loyola de ser pornográfico e Lobato de racista?!

Por Voltaire! Defendo imensamente o direito que as pessoas têm de dizer o que bem quiserem, mas esses exemplos me fazem refletir se devo realmente morrer em defesa desse direito!

Que direito tem uma pessoa, ou um Conselho, que deveria zelar pela Educação em nosso país, de decidir que livros podem ou não ser lidos por nossos filhos? O papel deste Conselho não deveria ser justamente o de formar nossas crianças para que elas sejam capazes de ter contato com informações de diversas fontes e tirar desse contato o conteúdo necessário para sua formação como cidadãos conscientes e críticos, aptos a fazer as importantes escolhas que serão necessárias a elas durante suas vidas?

Essa tentativa de censura me apavora, mas deveria apavorar e ofender nosso país. Não podemos, como Nação, permitir que grandes nomes da nossa cultura sejam avacalhados por uma avaliação leviana e inconseqüente de uma senhora, cujo nome faço questão de não citar neste texto, pois espero que seja brevemente esquecido e enterrado junto com sua lamentável e, esperamos, infrutífera tentativa contra o patrimônio cultural brasileiro.

Vou agora mesmo comprar um exemplar de “Chico Bento” e outro de “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século” para juntarem-se ao “Reinações de Narizinho” na estante da Valentina. E espero, sinceramente, que ela e muitas outras crianças e jovens sejam influenciados por eles, por muitas e muitas gerações.

. Por: Mariana Zinni, formada em Comunicação Social, funcionária pública há 10 anos e mora em São Pedro, interior de São Paulo, onde atua como diretora de eventos.

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