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14/12/2010 - 08:51

Empresas e o valor das auditorias

Desde que o homem aprendeu a controlar os recursos naturais – para subsistência ou obtenção de outros itens através do escambo –, a contabilidade tornou-se essencial como instrumento para registrar tais recursos. Conforme evoluía a humanidade, a contabilidade também se desenvolvia. Até como forma de se adaptar às necessidades trazidas pelas mudanças econômicas. Essa evolução teve como divisor de águas o século XV. Nele, o italiano Luca Pacioli, mais precisamente em 1494, desenvolveu, em seu trabalho matemático Summa de Arithmetica, o método contábil conhecido como partidas dobradas, que é a base da contabilidade moderna. Naquele tempo, o objetivo era atender aos interesses de mercadores e exploradores do novo mundo – a América recém-descoberta.

Na esteira desses acontecimentos, surgiu a necessidade de desenvolver a atividade de controle. No início, a contabilidade rudimentar era um instrumento de uso interno. As informações extraídas a partir dela interessavam somente ao administrador e ao dono dos recursos controlados. Isso começou a mudar com o surgimento dos grandes impérios, como o Império Romano. Ainda que o objetivo principal permanecesse o mesmo, o aumento da distância geográfica entre os donos e seus bens intensificou a necessidade da atividade de controle, a partir da aplicação de métodos e sistemas que permitissem extrair informações sobre a utilização de tais recursos.

E foi justamente essa contabilidade rudimentar, como um instrumento de administração dos recursos, que permitiu a expansão econômica mundial ocorrida no século XVI, tendo como base a exploração dos recursos naturais das Américas pelos europeus. Dessa necessidade desenvolveram-se os três pilares sobre os quais se assenta a função de auditoria: atividade de controle, análise desses controles e reporte das tarefas realizadas.

No início do século XX, um acontecimento em especial – o crash da bolsa de valores de Nova York em 1929 – fez a auditoria ganhar importância. A crise de 1929, que interrompeu o boom de crescimento da economia norte-americana, foi causada principalmente por falhas no controle e na análise das informações contábeis das companhias, que abriram brecha para o acontecimento de fraudes. A partir daí, o mercado financeiro percebeu a necessidade de fortalecer os controles internos das organizações e também passou a dar mais importância aos usuários externos como destinatários das informações financeiras divulgadas pelas empresas. Todo esse processo culminou na criação da Securities and Exchange Comission (SEC), em 1934, que é o órgão regulador do mercado financeiro norte-americano. A SEC, por sua vez, fortaleceu o papel do auditor e consolidou a atividade de auditoria nos moldes como a conhecemos hoje.

O crescimento das organizações em todo o mundo, a partir do processo de globalização geral da economia, promoveu a expansão das atividades financeiras, industriais e de serviços de uma forma nunca antes vista. Nesse contexto, a auditoria foi obrigada a se desenvolver para acompanhar a velocidade e o volume das transações desse novo mundo. Outro aliado foi o avanço tecnológico. A aplicação de metodologias mais avançadas e a criação de ferramentas de trabalhos em sistemas eletrônicos cada vez mais sofisticados permitiram que a atividade de auditoria acompanhasse as necessidades dos mercados.

Mas nada disso tem mais importância do que a capacidade do auditor. O treinamento do capital humano ainda é o principal investimento para a manutenção contínua da qualidade dos serviços de auditoria. Ainda mais no cenário brasileiro atual, no qual, infelizmente, as faculdades estão falhando na formação dos profissionais. Para piorar, ensino sem qualidade custa muito caro. O treinamento e a formação de auditores, bem como o investimento em recursos tecnológicos, são essenciais para assegurar a qualidade do trabalho e têm um preço alto – que será pago pelas empresas e repassado à sociedade como um todo.

No início da década de 1990, principalmente nos Estados Unidos, deu-se uma concorrência feroz entre as oito maiores firmas de auditoria, conhecidas como big 8. Como consequência, o valor do fee pago pelos serviços despencou, o que obrigou essas empresas a reduzir os benefícios dados a seus profissionais. Isso levou a um processo de migração dos melhores profissionais para o outro lado: as empresas auditadas. Restou às big 8 uma mão de obra apenas mediana e de autogiro, o que acabou por comprometer o nível geral dos serviços de auditoria.

Atualmente, as big 8 foram reduzidas a apenas quatro, devido à derrocada de algumas e à união de outras, provocada pela necessidade de redução de custos trazida pela competição selvagem. Não há dúvida de que a concorrência é salutar. Ela separa os bons dos medíocres. Mas deve ser feita de forma responsável, para se evitar a queda no nível dos trabalhos oferecidos.

Assistimos, hoje, a esse cenário de competição desmedida no mercado de serviços contábeis, onde a guerra de preços supera, em muitos casos, a qualidade dos serviços prestados. Uma saída para isso é o estabelecimento de uma fiscalização mais intensa por parte dos órgãos reguladores. Outra é a aplicação dos testes de suficiência técnica para os novos profissionais. É preciso encontrar soluções. Os serviços de auditoria precisam ser remunerados à altura dos recursos empregados e da importância que têm para a economia dos países. A guerra irresponsável de preços pode levar esses mercados à autodestruição, com a ocorrência de erros ou de fraudes decorrentes da limitação técnica dos profissionais e da dependência financeira de determinados trabalhos de consultoria, o que causa conflitos de interesses.

Cabe uma análise minuciosa por parte de nossos órgãos fiscalizadores da relação existente entre responsabilidade técnica, recursos humanos e tecnologia em comparação aos honorários cobrados. Isso serve para assegurar que o que está sendo remunerado é a prestação de um serviço de auditoria de qualidade. E não somente a emissão de um relatório de auditor independente. A auditoria é imprescindível para a existência de um sistema financeiro sólido. Exatamente por isso, ela deve ser responsável. Afinal, tudo que é importante tem seu valor.

. Por: Luciano De Biasi, sócio-diretor da firma de auditoria e consultoria De Biasi

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