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17/12/2010 - 11:42

O Centro é a questão

O ser humano tem verdadeiro fascínio por questões relativas ao conceito de “centro”. De forma geral, ele expressa a ideia de fonte irradiadora, de âmago, de eixo, quiçá de temperança. Há as “questões centrais” de vários temas. Exemplo célebre, já se matou e morreu, há tempos, para se defender a posição central da Terra no Universo em detrimento da então moderna corrente heliocentrista. Pois é: na dicotomia Terra-Sol ninguém se salvou ou teve razão ninguém.

Também nessa linha religiosa, parte relevante da crença de milhões de fiéis é exercida em centros de peregrinação, espíritas, de umbanda etc. Dada essa posição de tamanho destaque, não é de se admirar o desconforto geral que nos causa o estado lastimável dos centros de nossas metrópoles. No contexto urbano, a imagem dos nossos centros e periferias (essas ficam para a próxima) não é das melhores.

Os centros urbanos são, por excelência, a gênese das cidades, localidades onde nasceu, cresceu e amadureceu o espírito do carioca, do paulista, do mineiro e do gaúcho, por exemplo. Pobres dos velhinhos que viram o espetáculo da decadência dos charmosos centros. Aliás, pobres, nada! Foi sob as barbas ainda não grisalhas deles que – enquanto alegremente dirigiam seus fuscas, kombis e calhambeques que eram a “maior brasa” – tomou conta do país uma turminha atrapalhada que, por sua vez, cedeu espaço para outra, de farda. E dá-lhe 90 milhões sem ação. É que esse pessoal tinha verdadeira tara por progresso e desenvolvimento a qualquer preço, ignorando solenemente o conceito de planejamento urbano competente. Enquanto isso, a bandeira nacional gritava para plateia vazia: “Ei cambada! É ordem e progresso, não o contrário!”

Quando passamos pelos centros degradados, temos a primeira impressão de que eles transmitem ao sujeito mal avisado, que tudo neles contido é repleto de uma cor cinza agourenta, composta de fortes tons de violência, sujeira, decadência, subumanidade e indecência. As sensações visuais e olfativas que nos provoca entorpecem e acabam por nos conduzir a um estado primitivo, quase feral. Quando menos esperamos somos levados pela turba acéfala, cujos membros esfregam os sovacos uns nos outros e tiram “casquinhas” da próxima ou do próximo. Nessa condição de zumbi urbano, atravessa-se em bando sinais fechados, não se cede espaço aos mais necessitados no transporte público, joga-se lixo fresco e fezes dos totós em qualquer lugar etc.

Contudo, aos que no centro residem ou que exercem suas atividades profissionais e acadêmicas, essa constância de interação, tal qual uma esfregadela em vidro empoeirado, revela um local absolutamente apaixonante, repleto de tesouros artísticos, arquitetônicos, culturais e gastronômicos para os mais atentos. É como aquele seu amigo feioso que, por motivos que não têm explicação lógica, parece ser um imã de mulheres que, se prestarem a mínima atenção no adorável quasímodo, caem de amores por ele.

Diante do significado (e potencial, vide o exemplo dos centros europeus, como o de Londres, que foram admiravelmente revitalizados) que sempre teve o centro urbano, todos os movimentos em defesa dos centros são louváveis, servindo para tirar o cidadão do estado de letargia para com um de seus patrimônios mais preciosos, enquanto membro da coletividade. É que o pior não são os viciados em crack que nele “habitam”, mas sim nossos mandatários que fumaram boa parte das pedras que compõem suas fachadas históricas. Fumar “pedra tombada” dá o maior barato!

Para variar um pouco, só um pouquinho, a iniciativa privada tem que novamente se esquecer de que paga impostos escorchantes e arregaçar as mangas em prol dessa cruzada rumo ao centro ideal, tratando-o com mais carinho e, ao mesmo tempo, exigindo posições e atos mais “centrados” por parte do Poder Público. Em tempo: falando em “cruzada”, o plano religioso não deve ser descartado, pois, dado o estado lastimável de alguns centros urbanos, um pouquinho de reza brava também não faria nada mal!

. Por: Carlos Eduardo Moreira Valentim, advogado, especialista em Direito Administrativo, mestrando em Direito do Estado pela PUC-SP – [email protected]

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