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08/02/2011 - 09:52

Ataque público ao cooperativismo

“É preciso preferir a soberania da lei à (soberania) de um dos cidadãos”. O pensamento do notável filósofo grego Aristóteles (384 AC a 322 AC) traduz, à perfeição, nesse início de 2011, o sentimento de milhares de cooperados paulistanos ameaçados, de uma hora para outra, de ser excluídos de suas atividades e de ficar sem a renda que garante o sustento de suas famílias.

Sem consulta prévia às entidades representativas do cooperativismo, OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) e Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo), e ao arrepio do incentivo ao cooperativismo expresso na Constituição Brasileira e na Constituição do Estado de São Paulo, o prefeito da capital paulista, Gilberto Kassab, acaba de decretar a exclusão das cooperativas de trabalho da participação em licitações e contratações promovidas pela Administração Direta e Indireta do Município de São Paulo. O decreto 52.091, de 19 de janeiro de 2011, foi publicado no Diário Oficial do município no dia 20/1.

As cooperativas de trabalho foram excluídas de licitações e contratações nos seguintes serviços: limpeza, asseio, preservação e conservação; limpeza hospitalar; lavanderia, inclusive hospitalar; segurança, vigilância e portaria; recepção; nutrição e alimentação; copeiragem; manutenção de prédios, de equipamentos, de veículos e de instalações; manutenção e conservação de áreas verdes; e assessoria de imprensa e de relações públicas.

Trata-se da segunda investida contra a atuação de cooperativas no Estado em menos de um ano. Em 21 de junho de 2010, o ex-governador paulista Alberto Goldman publicou o decreto 55.938, de teor semelhante, mas incluindo na proibição de participação em licitações, além das cooperativas de trabalho, também as cooperativas de transporte. É no mínimo estranho que esse decreto do Kassab tenha sido publicado no momento em que a Ocesp acaba de obter do novo governador, Geraldo Alckmin, a promessa de que o decreto de Goldman será levado à apreciação da Procuradoria Geral do Estado para busca de uma solução.

Os decretos de Goldman e Kassab se escudam em uma mesma decisão do Superior Tribunal de Justiça que, nos autos do Recurso Especial nº 1.141.763-RS, decidiu que pode ser vedada a participação de sociedades cooperativas em licitações de serviços que exijam vínculo de subordinação. A investida da Prefeitura paulista, no entanto, causou ainda maior apreensão por ter ocorrido após expresso posicionamento em contrário do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Entre as justificativas do decreto, o prefeito paulistano destaca “a necessidade de se evitar que o processo de terceirização redunde em ofensa aos direitos dos trabalhadores” e “a intenção de obstar a intermediação de mão de obra por falsas cooperativas”. Essas justificativas beiram o absurdo, já que o processo de terceirização de atividades-meio é plenamente legal e por não ser possível considerar falsa, de antemão, qualquer cooperativa que dispute uma licitação. Aliás, para atestar o trabalho das cooperativas, teria bastado à Prefeitura recorrer à Ocesp que, inclusive, oferece às cooperativas a oportunidade de conquistarem um Selo de Conformidade, acreditado por empresas idôneas de auditoria.

Outra justificativa do decreto municipal refere-se à “ameaça de lesão à economia pública decorrente da possibilidade de a Administração Municipal, em contratando mão de obra de Cooperativa, vir a ser condenada, em ação trabalhista”. De acordo com José Eduardo Pastore, advogado da OCB para o Ramo Trabalho, essa justificativa já foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal. Em 24 de novembro de 2010, o STF declarou a constitucionalidade do artigo 71, Parágrafo 1o, da Lei 8666, de 1993, que prevê que a inadimplência trabalhista do contrato de prestação, firmado junto à administração pública, não se transfere a essa. Ou seja, o poder público não pode pagar a conta de uma prestadora de serviços ou cooperativa, por exemplo, em virtude de declaração de vínculo de emprego pela Justiça do Trabalho, diz Pastore.

O Congresso Nacional, por sua vez, ao aprovar em novembro passado o Projeto de Lei de Conversão 13/2010 (MP 495/10) sobre a preferência, em licitações públicas, a produtos e serviços brasileiros, ainda que tenham preços até 25% maiores do que os dos estrangeiros, explicitou que não pode haver restrições, por parte de agentes públicos, à participação de cooperativas em licitações. A OCB também lembra que “a Constituição Federal de 88 atribui à União a competência privativa para estabelecer normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios”.

A atitude de um Kassab, de um Goldman, ou de qualquer outro governante, nunca poderia ser anticooperativista. É certo que há problemas em algumas cooperativas, como há em qualquer setor econômico. Mas o maior problema, segundo resume o governador Alckmin, é a falta de entendimento do que é cooperativismo. As cooperativas, por não visarem ao lucro, distribuem melhor a renda, contribuindo para maior justiça social. Seus trabalhadores cooperados, em geral, recebem mais do que os empregados com carteira assinada. E muitos deles, por causa da idade ou outro item discriminatório, não fossem as cooperativas, estariam alijados do mercado.

No mesmo sentido, por não visarem ao lucro, as cooperativas têm uma margem maior de negociação dos seus serviços. Talvez, por isso, e não por outras questões aqui expostas, chamem tanto a atenção dos agentes de mercado. Conseguem oferecer os serviços de modo a proporcionar maior economia aos cofres públicos, além de prestarem serviços com qualidade diferenciada, uma vez que os cooperados são, ao mesmo tempo, trabalhadores e donos do empreendimento cooperativo.

Em qualquer canto do mundo, as cooperativas são respeitadas porque promovem o desenvolvimento econômico com benefícios sociais. Aqui no Brasil, com auxílio de uma pesquisa da FEA-USP, provamos que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é melhor em municípios que contam com a atuação de cooperativas. Um instrumento tão importante para o equilíbrio socioeconômico de qualquer nação não pode ser desrespeitado, como vem ocorrendo no Estado e, agora, no município de São Paulo. Não se pode negar ao trabalhador a opção e o direito, garantidos pela Constituição, de atuar no mercado como cooperado. Estou com Aristóteles: que prevaleça a soberania da lei.

. Por: Edivaldo Del Grande, Presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp).

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