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10/02/2011 - 10:08

Anatocismo e a aplicação da repetição em dobro nas relações bancárias de consumo

É prática usual no âmbito da Justiça Fluminense a propositura de ações revisionais de cláusulas contratuais por clientes de instituições financeiras, principalmente em contratos de mútuo, sob a alegação de exagero no percentual de juros cobrados ou, de que estes mesmos juros sofrem capitalização em periodicidade mensal (anatocismo), o que seria ilícito, em razão do Enunciado de nº 121 da Súmula do STF ou da vedação imposta pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) ou, pelo mais atual dos argumentos, que o art. 5º, caput, da MP 2170-36/01, que permite às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a cobrança de juros capitalizados mensalmente, foi considerado Inconstitucional quando do julgamento pelo órgão especial do TJ/RJ da Arguição de Inconstitucionalidade nº 2004.017.00005.

E mais usual ainda em ações desta espécie, é o pedido do consumidor para que, constatada a prática do anatocismo e determinado o seu expurgo da cobrança, que os valores eventualmente pagos a este título, lhe sejam restituídos em dobro, com base no que dispõe o artigo 42, Parágrafo Único, do Código de Defesa do Consumidor.

A título meramente ilustrativo transcreve-se o mencionado dispositivo do Estatuto Consumeirista: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Entretanto, a sanção do art. 42, parágrafo único do CDC, rege-se por três pressupostos objetivos, a saber: a existência de uma dívida; a sua cobrança de forma extrajudicial; e que a dívida seja proveniente de uma relação de consumo; além de um pressuposto de caráter subjetivo, qual seja, o engano não justificável, que seria equivalente a má-fé e/ou a culpa. Nesta esteira, mister transcrevermos as lições emanadas da pena brilhante de uma inequívoca autoridade na matéria, o festejado professor e Ministro do Excelso Superior Tribunal de Justiça Antonio Herman V. Benjamin, em seu Manual de Direito do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 235: “Se o engano é justificável, não cabe a repetição. No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição. O engano é justificável exatamente quando não decorre de dolo ou de culpa (...)”

Quer-se colocar sob os holofotes o fato de que, nos casos específicos em que for considerada ilícita a capitalização mensal de juros pela instituição financeira, seja qual for o argumento, ainda assim não haveria que se falar em dolo ou culpa. Esta afirmação se faz, pois, a capitalização mensal de juros, quando devidamente pactuada, foi permitida pelo art. 5º, caput, da Medida Provisória 1963-17/00, posteriormente reeditada sob o nº 2170-36/01, que permanece em vigor atualmente em face do que dispõe o art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, publicada no D.O.U. em 12 de setembro de 2001, in verbis: "Art. 2º. As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional."

Some-se a isto o fato de que, não obstante haver decisões isoladas em sentido contrário, a esmagadora maioria da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a capitalização de juros em periodicidade inferior a anual, desde que esteja devidamente pactuada, e que a contratação tenha sido posterior a 31 de março de 2000.

Portanto, sendo permitida a capitalização mensal dos juros pelas Instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional por disposição legal absolutamente em vigor, não se pode falar que este método de cobrança seja pautado em conduta dolosa ou culposa dos bancos e financeiras. Logo, ausente o pressuposto subjetivo consubstanciado no “engano não justificável”, impossível a restituição de valores de forma dobrada em tais casos, restando, inaplicável, o Parágrafo Único do art. 42, do CDC.

Por outro ângulo de abordagem, o Tribunal de Justiça Fluminense têm se posicionado no sentido de que, inexiste má-fé na cobrança de juros capitalizados em periodicidade inferior a um ano pelas instituições financeiras, uma vez que a possibilidade ou não da prática do chamado anatocismo é matéria amplamente controvertida no cenário jurídico nacional, o que caracteriza o engano justificável, que, como vimos anteriormente, desautoriza a repetição do indébito de forma dobrada.

Confira-se o aresto a seguir: “Ação revisional de cláusulas contratuais cumulada com pedido de exibição de documentos e indenização por dano moral. Cartão de crédito. Impossibilidade de capitalização mensal de juros. Proibição contida na Lei de Usura que, neste particular se aplica as administradoras de cartões de crédito. Medida provisória n. 2.170-36, de 23/08/2001, declarada inconstitucional por decisão do órgão especial do Tribunal de Justiça deste Estado. Repetição do Indébito de forma simples, ante a controvérsia existente sobre o tema, caracterizando o engano justificável. Provimento parcial do recurso, por maioria.” (2006.001.69528 – apelação cível des. Carlos Santos de Oliveira - Julgamento: 13/03/2007 –Quinta Câmara Cível).

Por todos os ângulos que se analise a questão, vislumbra-se que a cobrança dos juros capitalizados em periodicidade mensal, o chamado anatocismo, por si só, não configura má-fé da instituição financeira que os pratica, de modo que, se no caso concreto for determinado o seu expurgo e a restituição de valores eventualmente cobrados a maior do consumidor, esta devolução deverá se dar de forma simples, e não em dobro.

Ademais, não se pode olvidar que, a questão nodal quando falamos em repetição de indébito, é o efetivo pagamento indevido, e não a mera cobrança extrajudicial da dívida. O pagamento injustificado é o primeiro requisito que deve ser observado para que se caracterize ou não o dever de restituição em dobro.

Assim sendo, antes mesmo de se verificar a conduta das instituições financeiras, ou seja, se houve ou não a má-fé, necessário se faz apurar se o consumidor efetivamente pagou o que pretende lhe seja restituído em dobro, o que, na imensa maioria dos casos que chegam ao judiciário, não ocorreu, posto que, quando chegam a buscar a tutela jurisdicional do Estado, a inadimplência de há muito, já se instalou.

Concluindo-se, a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano, ou anatocismo, como queiram denominar, por si só não constitui a má-fé que justifica a repetição em dobro nas ações de cunho revisional cujo contrato materializa relação jurídica de consumo, seja em razão da existência de norma expressa que a autoriza (MP 2170-36/2001), seja em razão da matéria ser absolutamente controvertida no cenário jurídico nacional, seja porque, sequer, houve o efetivo pagamento.

. Por: Marcio Alves da Paz, especialista em Direito do Consumidor, Pós Graduando em Direito Privado e Civil pela Universidade Cândido Mendes e advogado do Núcleo de Ações Especiais do Escritório C. Martins & Advogados Associados.

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