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17/02/2011 - 10:43

A crise no Egito: particularidades e cenários

A crise no Egito tem ocupado um importante espaço midiático entre os principais meios de comunicação brasileiros. Chegou a ofuscar uma série de episódios da política nacional que, em circunstâncias normais, receberiam atenção total da grande imprensa. Se a relevância das manifestações no Cairo parece surpreendente à primeira vista, devemos repensá-la à luz do seu significado mais amplo. Trata-se de um chamado por democracia e prosperidade, numa clara contestação a uma ordem política obsoleta que ainda prevalece em partes significativas do mundo árabe.

Basta lembrarmos que as recentes revoltas populares não começaram no Egito, e provavelmente não terminarão nele. A Tunísia foi o primeiro palco das atuais manifestações, que foram capazes de remover Ben Ali de mais de duas décadas no poder. O exemplo egípcio, impulsionado pelo ocorrido no país vizinho, levou o povo às ruas na Jordânia, Iêmen e Omã. Mesmo que o resultado da contestação popular tenha sido diverso em cada um dos países, o “efeito dominó” observado denota a fragilidade dos regimes autoritários fincados na região.

O caso egípcio, é claro, apresenta suas particularidades. A primeira delas é o peso que a dimensão econômica teve sobre as manifestações populares. Desemprego e concentração de renda são fenômenos corriqueiros num país que, paradoxalmente, cresce a taxas relativamente altas. O governo de Mubarak já vinha sendo associado a práticas de corrupção há tempos. Os jovens egípcios, numerosos e sem perspectiva, foram às ruas motivados claramente por uma demanda por melhores condições materiais.

A religião também exerce papel crucial na sociedade. O Egito é um país de maioria muçulmana sunita, e o exercício da religião tem se tornado símbolo de status social. A Irmandade Muçulmana, grupo político radical mantido na ilegalidade nas últimas três décadas, transformou-se num importante interlocutor de oposição. O estabelecimento de um Estado islâmico, nos moldes iranianos (que, ao contrário do Egito, possuem maioria xiita), é uma hipótese aventada especialmente dentro de Israel. A maioria dos analistas, contudo, descarta esta possibilidade.

Os dois cenários mais prováveis de um Egito pós-Mubarak remetem à terceira particularidade desta crise: o papel do Exército. Desde o início das manifestações, as Forças Armadas egípcias buscaram manter a ordem, mas sem tomar parte no confronto. Isso permitiu que uma Junta Militar assumisse, diante da queda do presidente, com o assentimento da oposição. Daí é possível vislumbrarmos um cenário de retorno progressivo ao autoritarismo, caso as oposições se neutralizem e a transição, no limite, dê errado. Talvez não seja interesse do Exército que isto aconteça, motivo pelo qual a corporação deverá conduzir o país com cautela nos próximos meses.

O segundo quadro coloca, à semelhança da Turquia, o Exército como “fiel da balança” do Estado, criando uma democracia secular, mas não exatamente liberal, como no ocidente. Neste cenário, as Forças Armadas exerceriam um importante papel de moderador das tensões sociais, permitindo que se estabeleça no país, de forma relativamente legítima, um governo de oposição moderada.

Em nenhum dos dois casos, a relação com o principal centro de poder da região, Israel, e o mais valioso aliado do país, os Estados Unidos, parece estar em risco. Embora a paz com Israel, firmada em 1978, tenha sido objeto de diversas críticas tanto no Egito quanto no mundo árabe, ela ainda é um ativo importante do governo egípcio no sentido do crescimento econômico e da estabilidade política regional. E dificilmente a crise das últimas semanas colocará isto a perder.

. Por: Guilherme Stolle Paixão e Casarões, professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC).

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