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É preciso rever a rotulagem dos transgênicos

As dificuldades que se alegam para o cumprimento de determinadas leis podem advir de seu próprio conteúdo. Conceitos dúbios e critérios conflitantes, sem possibilidade de coexistência, não só podem induzir a erros, bem como podem dificultar a fiscalização, quando não inviabilizar seu cumprimento. São situações típicas onde a dubiedade legislativa conduz ao descumprimento involuntário da norma, pelo simples fato de não ser possível compreendê-la adequadamente, dando ensejo ao erro escusável. Como deve se comportar o fiscalizador que se defronta com uma lei dessa natureza? E o cidadão?

O Decreto 4680/03, que regulamenta a rotulagem para alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados (OGMs), com a presença acima do limite de 1% do produto, padece dessa dubiedade legislativa. E aqui não nos deteremos nas questões políticas e comerciais que circundam o assunto, mas tão-somente nas incongruências dessa regulamentação.

Essa legislação foi debatida durante uma manhã inteira, neste final de outubro, em São Paulo, durante workshop intitulado “Transgênicos nos Supermercados”, realizado em parceria por quatro entidades vinculadas à cadeia de alimentos, a Associação Paulista dos Supermercados (APAS), Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos e Para Fins Especiais (ABIAD), Sindicato Nacional da Indústria de Rações Animais (Sindirações) e a entidade que venho presidindo há três anos, o IBCA - Instituto Brasileiro de Educação para o Consumo de Alimentos e Congêneres.

Como o debate sobre biossegurança dos transgênicos está superado, pelo simples fato de que o consumo ocorre há mais de 10 anos sem qualquer problema alimentar, e como esses alimentos também estão aprovados no Brasil e já chegaram as gôndulas dos supermercados, a cadeia produtiva (fabricantes e varejo) querem agora adequar-se à legislação. E este foi o objetivo desse encontro realizado na sede da APAS: ambientar a cadeia de alimentos à realidade dos transgênicos no Brasil e, principalmente, esclarecer suas dúvidas sobre a rotulagem dos alimentos industrializados que contenham mais de 1% de ingredientes transgênicos, lembrando que os alimentos a granel e in natura, na mesma condição, também devem ser rotulados.

A nosso ver, existem quatro ilegalidades e impropriedades técnicas no Decreto 4680/03: 1) Confunde critérios de detecção e de rastreabilidade; 2) Exige informações inúteis para consumidor exercer direito de escolha, tais como o nome do gene doador.Qual a utilidade para o consumidor em saber que o gene doador da soja RR é o agrobacteruin sp; 3) Determina aposição de símbolo que induz a juizo de valor negativo sobre o produto, o que é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor; e 4) Determina rotulagem de animais alimentados com ração contendo ingrediente transgênico, exigência que não tem precedente em nenhuma legislação existente no mundo, uma vez que o animal alimentado com ração transgênica não se torna transgênico nem tampouco é derivado de organismo geneticamente modificado.

Uma reavaliação dessas inconsistências, no entanto, precisará partir do reconhecimento de duas premissas fundamentais, sem cujo entendimento jamais se chegará a uma revisão acertada. São elas: 1) “Segurança de alimentos e ingredientes contendo organismos geneticamente modificados não deve ser confundida com direito à informação”; e 2) A avaliação de segurança do alimento e ingredientes precede sua colocação no mercado e, portanto, precede a rotulagem”.

Para cada uma das ilegalidades e impropriedades detectadas nesse Decreto, existem alternativas que podem solucionar o problema, tornando a legislação como deve ser, clara e sem contradições. De nossa parte, propomos mudanças simples mas de alto alcance de benefício e, para sermos didáticos, vamos enumerá-las também: 1) para a confusão de critérios, sugerimos escolher o critério único da detecção; 2) para a exigência de informação sobre gene doador, sugerimos sua exclusão pura e simples; 3) para a aposição de símbolo, consideramos que deve ser extinto porque é ilegal e fere o Código de Defesa do Consumidor; e 4) para a rotulagem de animais alimentados com ração contendo OGM, consideramos que também deve ser uma exigência a ser excluída do Decreto 4680/03 por ser ilegal, uma vez que o Artigo 40 da lei de Biossegurança delimita o âmbito de alcance da rotulagem, ou seja, devem ser rotulados produtos obtidos de OGM ou que contenham derivados de OGM, certo que os animais alimentados com ração animal transgênica não se enquadram em nenhuma das duas situações.

Essa necessária revisão, se bem conduzida, facilitará a vida dos que querem cumprir a lei da rotulagem dos alimentos transgênicos e também a dos precisam exercer a fiscalização sobre essa rotulagem. É preciso que os legisladores se desarmem de ideologismos e se debrucem sobre os argumentos técnicos. Não se está discutindo biossegurança, isso é da competência da Comissão Técnica de Biossegurança – CTNBio. Se ela determinou que um alimento é seguro para ser consumido por pessoas e animais e que, portanto, pode ser comercializado, cabe ao legislador da regulamentação da rotulagem apenas deixar claras as informações a que o consumidor brasileiro tem direito para poder exercer seu direito de escolha.

. Patrícia Fukuma é advogada e presidente do IBCA - Instituto Brasileiro de Educação para o Consumo de Alimentos e Congêneres.

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