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01/03/2011 - 12:57

Arte árabe, a ponte entre os povos


Quando as palavras muçulmano, islã ou islamismo são pronunciadas, a primeira imagem que vem à mente do brasileiro – ou de quase todo ocidental – é a figura do sujeito de tez trigueira, olhar feroz, sobrancelhas grossas, nariz adunco e, geralmente, envolto no turbante árabe característico. À visão que se apresenta ao ocidental, não faltam os fuzis Kalashnikov ou os explosivos na cintura. É o terrorista. Esse juízo tomou proporções maiores depois do 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, com a destruição das duas torres do World Trade Center, parte do Pentágono e de um avião abatido. Mesmo os cidadãos nascidos nos países ocidentais eram detidos nos aeroportos e repatriados só porque tinham algum nome ou sobrenome que sugerisse ser muçulmano. Quantos brasileiros, inclusive homens de negócio, com nomes de Mohamed, Abdalla, Hussein e Ali passavam pelo constrangimento de serem detidos e embarcados no mesmo avião de volta ao país? E o que dizer dos que, com nome muçulmano, pleiteavam visto de entrada para os Estados Unidos? Inútil ficar na fila do consulado americano…

Todos os quatorze séculos de cultura e arte islâmicas foram atirados ao léu. Repentinamente, nós brasileiros, esquecemos a enorme contribuição árabe-muçulmana que nos foi legada através dos quase oito séculos de presença islâmica na Ibéria, influenciando o próprio idioma que falamos. Esquecemos, em um estalar de dedos, o aporte que os árabes muçulmanos deram à humanidade na química, física, matemática, geografia, navegação, medicina e outras ciências. Diante desse estigma, muito raramente vem à mente do ocidental o muçulmano poeta; o muçulmano escritor; o muçulmano artista plástico; o muçulmano ligado às artes cênicas; o muçulmano que se comunique com outro ser humano por meio de qualquer tipo de arte.

De repente, porém, somos surpreendidos com mostras de arte que vêm do Oriente Médio para resgatar a importância da arte muçulmana; importância e valor que jamais deveriam ter sido esquecidos ou negligenciados. Graças a Deus – ou a Alá, como queiram –, essas mostras trazem o que há de mais expressivo dentro da arte islâmica. Algumas peças pertencem à História. Outras, entretanto, foram brilhantemente executadas por artistas contemporâneos, ainda vivos e ativos.

Uma das exibições de maior interesse é a mostra Islã: Arte e Civilização, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. São trezentas magníficas peças que narram e ilustram os mil e quatrocentos anos de História Islâmica. Por meio das obras expostas, acompanhamos o percurso artístico da civilização islâmica. Você estará em uma bem elaborada sala temática que, por si só, conduz o admirador a uma sensação de travessia histórica. Há tapeçaria, vasos, punhais, luminárias, objetos de cerâmica e de metal. Todos vindos dos museus da Síria e do Irã. Convém observar cada item, em silêncio e longamente, e deixar-se levar pela imaginação para ver onde aquele artefato de arte poderá levar você.

Só essa mostra já bastaria para nos indicar que estamos diante de um povo criativo, sensível, com alma poeta e que, nós brasileiros, temos muito em comum com ele. Conseguimos entender a mensagem que o artista muçulmano quer nos transmitir com muita clareza e eloquência. A linguagem da arte não precisa de tradução. É um diálogo universal entre almas. O artista muçulmano, entretanto, é capaz de fazer uma autocrítica ou censurar a própria cultura e até a própria condição de muçulmano. Na exposição Miragens – Arte Contemporânea no Mundo Islâmico, os artistas vêm do Egito, Irã, Turquia, Paquistão, Palestina ocupada e de outros países muçulmanos. Aqui, o artista muçulmano expõe sua dor, seu sofrimento, seu desencanto. Mas, mostra seu orgulho de ser muçulmano, sem medo. Escancara o seu passaporte sem temer ser repatriado ou impedido de entrar. Você permite que ele entre, porque o entende. Ele fala árabe, turco, pachtun, urdu ou persa. Não importa. Você o entende porque ele fala com a alma. Ele sai de si, atravessa a ponte e vem até você. E você, ocidental, faz o mesmo com a sua arte. Atravessa a ponte e vai até ele. E, maravilha das maravilhas, você descobre que ele não é nenhum terrorista; sim, um homem universal.

Na cidade de São Paulo, precisamente na Rua Augusta 1.053, há uma forte e determinada arquiteta que ilustra a ponte que liga os povos – a senhora Mjda al Shara preside o Centro de Cultura Árabe-Sírio desde janeiro. Ela trabalha com afinco, divulgando a cultura e a arte síria, que é árabe e predominantemente muçulmana. De lambuja, dá aulas de árabe clássico a brasileiros interessados na língua do Alcorão. Valioso trabalho está a senhora Mjda executando. Graças a pessoas como ela, ainda chegará o dia em que haveremos de ler, em português, os poetas clássicos do Islã. Quem sabe ainda veremos brasileiros escrevendo teses sobre al Mutanabbi, cujos versos eram considerados – registro aqui, a mãe de todas as heresias! – mais profundos que os versículos do próprio Alcorão, que é a palavra de Alá? Ou, quem sabe, estaremos estudando, nas cadeiras de literatura, os poemas de al Farazdaq cujas palavras eram tão eruditas que poderiam ser esculpidas sobre rocha. Ah, sim! Chegará o dia em que teremos mais artistas plásticos muçulmanos atravessando a ponte até nós. Pois a arte é uma ponte entre os povos, franqueada, sem check point, sem impedimentos.

. Por: Gilberto Abrão, de origem árabe, Gilberto Abrão – autor do livro Mohamed, o latoeiro, lançado pela Primavera Editorial em 2009 – foi educado em um bairro simples de Curitiba, habitado por imigrantes poloneses, ucranianos, italianos, alemães e alguns sírio-libaneses. Aos 10 anos foi enviado pelo pai ao Líbano com a missão de aprender o idioma árabe, a cultura e a religião muçulmana. Aos 14 anos voltou ao Brasil e anos depois, em 1962, alistou-se como voluntário das Forças de Emergência das Nações Unidas para guarnecer as fileiras de soldados que atuavam na fronteira entre o Egito e Israel. Por ser fluente em árabe e inglês, permaneceu por 14 meses na Faixa de Gaza. Apaixonado por uma gaúcha, retornou ao Brasil em janeiro de 1965 para lecionar inglês em uma escola de idiomas. No ano seguinte, após obter o licenciamento para abrir uma franquia dessa escola de inglês, migrou para a cidade de Novo Hamburgo (RS). Na década de 1970 colaborou com o jornal Zero Hora, no qual publicava crônicas e contos na coluna Sol e Chuva.

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