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06/04/2011 - 10:21

O impacto das tragédias sobre as crianças

A sucessão de tragédias, ambientais ou não, ocorridas nos últimos anos tem trazido preocupações de diversas ordens: o número elevado de mortos e feridos, a lamentação das perdas materiais e humanas das famílias atingidas, a destruição das construções e os prejuízos econômicos decorrentes. Entretanto, um aspecto fundamental, que nem sempre recebe a devida atenção, é o que se relaciona às consequências emocionais que podem comprometer os sobreviventes e principalmente as crianças que vivenciaram o ocorrido e sofreram as angústias dos riscos de morte durante aqueles momentos, da perda de familiares e amigos e mesmo a ocorrência de lesões físicas diversas.

O episódio ambiental mais recente foi o do tsunami ocorrido no Japão, agregando-se os fatos de ter sido antecedido por um violento terremoto e sucedido por um acidente nuclear de dimensões severas. Já existem relatos dos horrores nas quais crianças estiveram envolvidas, cujas manifestações mais imediatas do trauma foram choro compulsivo, pesadelos agitados e alheamentos silenciosos. Segundo a agência do Save the Children, cerca de 100 mil crianças foram desalojadas de seus ambientes. Ian Woolverton, assessor desta ONG, relata que ao visitar um centro que acolhe pessoas resgatadas “encontramos crianças em condições desesperadoras, em torno de lampiões de querosene e enroladas em cobertores”. Elas também fizeram referência aos seus temores em relação aos efeitos da irradiação, lembrando o ocorrido em Hiroshima e Nagasaki, fatos que conheciam por meio dos seus livros escolares.

Mesmo alguns que estavam cercados de seus pais oferecendo carinho, atenção e segurança choravam e demonstravam muito medo, como um menino de dois anos que dizia não querer voltar para sua casa porque ela estava tremendo. Algumas das crianças, entretanto, mostraram uma capacidade especial em lidar com a situação, buscando informações para entender o ocorrido, e de certo modo conseguindo adaptar-se melhor aos fatos e revelando um caráter de resiliência muitas vezes observado em situações de tragédias desse tipo, ou mesmo diante de outras vicissitudes que a vida apresenta.

O estresse pelo qual as crianças passam nessas situações trágicas tem sido motivo de interesse dos profissionais de diversas áreas devido às prováveis repercussões em seu desenvolvimento psíquico. Trata-se do chamado “Estresse Pós-Traumático”, cuja vivência poderá alterar o comportamento individual, determinando psicopatologias de gravidade variada que se apresentam com manifestações de ansiedade acentuada, depressão, dificuldades de interação social, entre outras.

É importante levar-se em conta a idade da criança, pois os registros em sua memória poderão ser diferentes, dependendo do seu período etário. As crianças mais velhas registrarão esse sofrimento, porém o registro se estabelecerá como uma memória catalogada, isto é, elas terão a possibilidade de relacionar seus sentimentos de ameaça a um fato específico vivenciado, seja um acidente ou outra fatalidade. Já as de menor idade, lactantes por exemplo, terão vivido as mesmas situações, cercadas de familiares apavorados e muito desgastados, às vezes com ferimentos e internações com procedimentos dolorosos, sem ter a competência de catalogar esses fatos de forma isolada, ficando em sua memória o sentimento difuso da terrível ameaça. Nessa última circunstância, os riscos de psicopatologias posteriores serão maiores.

Desse modo, é fundamental ter-se um cuidado especial com crianças nessas situações de tragédia. Mesmo albergadas, seja em espaços públicos improvisados, estádios ou até em campos de refugiados, como verificamos em países em condição de guerra, será importante um cuidadoso esforço para se criarem momentos e atividades que lhes ofereçam carinho e prazer. Os pais, parentes e outros com os quais estarão convivendo (muitas perderam seus pais) deverão ser esclarecidos sobre esses riscos para melhor poderem acolhê-las afetivamente, oferecendo-lhes segurança e proteção essenciais para a sua futura saúde psicológica.

. Por: Saul Cypel, neuropediatra, professor pela USP e consultor da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

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