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31/07/2007 - 09:08

Mais uma vez, com emoção

A América Latina está recebendo uma segunda chance, graças em parte à China. A região prosperou com a alta dos preços de commodities no período de 1870 a 1914 – período entre a guerra civil norte-americana e a Primeira Guerra, e fase inicial da globalização marcada pelo desenvolvimento industrial dos Estados Unidos e Alemanha.

A enorme prosperidade gerou impactos em toda a região. A renda per capita da Argentina esteve entre as maiores do mundo, o México lucrou com petróleo e outros países se beneficiaram com os preços elevados das matérias-primas. Juntamente ao progresso econômico, porém, veio o fracasso social e político: uma elite restrita absorveu a maior parte da riqueza e pouquíssimo investimento foi de fato destinado à educação (ou mesmo capital humano em geral). Quando os mercados se fecharam durante e após a Primeira Guerra Mundial, as economias latino-americanas estagnaram e a vasta desigualdade social foi responsável por diversos tipos de conflito, até mesmo guerras civis. Alguns países chegaram a registrar crescimento econômico após a Segunda Guerra, não obstante a volatilidade de preço de commodities que levou a freqüentes crises e dificultou a liquidação de dívidas externas. Além disso, problemas fundamentais de estratificação social e de capital humano subdesenvolvido nunca foram resolvidos.

A ascensão chinesa, que em alguns aspectos lembra a norte-americana ao final do século XIX, gerou uma nova onda de altos preços das commodities que deverá durar mais alguns anos. Nos últimos cinco anos, este cenário favorável garantiu à América Latina a quitação de dívidas penosas. Já nos próximos cinco anos, a região talvez possa se aproveitar de baixas taxas de juros para impulsionar investimentos. Contudo, a nova alta de preços das commodities não deve durar para sempre. A questão central para a América Latina é se a região será capaz de evitar os erros cometidos há um século atrás. Suas nações enfrentam três desafios: flexibilizar suas economias; investir o fluxo de capital oriundo da prosperidade em educação, serviços sociais e infra-estrutura; e finalmente, o mais crucial, renegociar barganhas políticas de forma a impedir que a riqueza seja toda tomada por elites industriais conservadoras ou profissionais urbanos não-produtivos. Se alcançarem estas metas poderão, então, se beneficiar amplamente do rápido crescimento da China. Caso contrário, a região será deixada para trás pela segunda era da globalização da mesma forma em que foi pela primeira2.

Não há panacéia - A discussão latino-americana sobre a China envolve duas questões. Primeiro, por que a China (e o Leste Asiático em geral) cresceu tão mais rápido? E segundo, o crescimento explosivo chinês, no geral, favorece ou prejudica o desenvolvimento da América Latina? A resposta à primeira pergunta é direta. A China – assim como ocorreu anteriormente com Japão, Coréia do Sul e Taiwan – acumulou volumosas poupanças em razão da alta produtividade agrícola; garantiu distribuição eqüitativa de terras; teve Estado tecnocrata eficiente que canalizou esta poupança através de investimentos em infra-estrutura física e educacional e ampliação da industrialização de base; e focou nas exportações como forma de conceder competitividade global à indústria nacional. Já os países latino-americanos, por outro lado, fizeram praticamente o contrário.

A segunda questão – se o crescimento chinês é um fator positivo ou não para a região – é mais problemática. A China mais que dobrou seu PIB per capita na década de 80, repetiu o feito nos dez anos seguintes, e o mesmo deve ocorrer novamente nesta década. Enquanto isto, a América Latina viu seu PIB per capita enfraquecer por meio de endividamento nos anos 80 e apresentou modesta recuperação na década seguinte. Este início de século foi marcado por severa recessão (e colapso econômico no caso da Argentina), no entanto, o curso foi revertido pela explosão do preço das commodities desencadeada pela China a partir de 2003. Assumindo que o crescimento se mantenha constante, ou decline pouco abaixo das taxas atuais até 2010, esta será uma excelente década para a América Latina. Mesmo assim, o crescimento da riqueza per capita ainda avança muito lentamente se comparado ao Leste Asiático. Os maiores beneficiados são os produtores de minérios e commodities agrícolas – setores que geram relativamente poucos empregos –, dessa forma o latino-americano médio dificilmente irá vivenciar progressos significativos em sua qualidade de vida, provenientes do sucesso econômico da China.

O que o comércio com a China efetivamente fez foi possibilitar que os países latino-americanos escapem dos déficits debilitantes que caracterizavam suas balanças de pagamentos. A dívida externa média das sete maiores economias latinas deverá declinar de 41% em 2000 para 28% em 2007, e a maioria dos países passou de déficit a superávit em conta corrente. Mesmo países que não tiveram redução significativa de suas dívidas – como Colômbia e México – se beneficiaram com o declínio das taxas de juros causado pela reciclagem global do volumoso superávit da China e dos produtores de petróleo. Em suma, o crescimento chinês até o momento produziu poucos benefícios imediatos aos cidadãos latino-americanos, porém auxiliou os países da região a alcançarem base financeira que os permite investir sabiamente no futuro. Se realizarão esses investimentos de maneira correta, dependerá de seus governos e dos próprios cidadãos.

. Estimativa Dragonomics: * A taxa de endividamento da Argentina atingiu ponto máximo de 183% em 2002. * Dados referentes à dívida do Chile são apenas do setor público. Fonte: BCB Securities Dívidas da América Latina – 2000 a 2007

Perdendo nos Estados Unidos... Muitos analistas latino-americanos – e enraizados interesses industriais de lugares como São Paulo e Monterrey – vêem a alta das commodities como um amparo apenas relativo. Cientes do passado decepcionante da região como provedora de matériasprimas aos plutocratas norte-americanos, eles temem que a nova ordem mundial signifique simplesmente um novo conjunto de plutocratas (asiáticos). Outra visão mais sofisticada é de que economias com abundância de matéria-prima irão sofrer da “doença holandesa”, em que o superávit comercial proveniente das commodities valoriza a moeda nacional de forma a comprometer a competitividade dos preços de manufaturas domésticas no mercado internacional.

Tal preocupação não carece de fundamentos.Venezuela, Chile e Peru, que atualmente apresentam amplo superávit em conta corrente baseado em petróleo e cobre, viram saltos significativos nos termos de troca (razão entre preço das exportações e preço das importações) nos últimos três anos. Se não contrabalanceado por políticas monetárias efetivas, o risco de uma apreciação prejudicial da moeda é real. Já economias mais diversificadas como Argentina, México e Brasil registraram crescimento mais modesto dos termos de troca. Aparentemente, há pouco risco de que suas manufaturas sejam derrotadas apenas pelas flutuações de preços das commodities.

Outro temor é de que a concorrência direta de manufaturas chinesas – tanto no mercado doméstico quanto em terceiros mercados – resultará no fim de várias indústrias latino-americanas. A participação dos produtos latino-americanos nas importações dos Estados Unidos foi recorde em 2001 de 16% e, desde então, tem decrescido marginalmente. No mesmo período, a participação chinesa no mercado norte-americano praticamente dobrou e alcançou 19%. De 2000 a 2006, segundo Maurício Mesquita Moreira, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a América Latina sofreu perdas equivalentes a US$ 14 bilhões, ou 4% do total de exportações, resultado da competição chinesa no mercado norte-americano (quase três quartos desta perda foi sofrida apenas pelo México).

Contudo, para a maioria dos países latino-americanos, o nível geral de competição com a China ainda é baixo. A Tabela V sumariza análise da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o quanto as exportações chinesas se sobrepuseram àquelas de países latino-americanos e asiáticos. A mensagem é evidente: para países essencialmente dependentes de manufaturas intermediárias, como os Tigres Asiáticos e o México (único país latino-americano nesta condição), a China representa grande desafio. Já para países cuja pauta de exportação é mais concentrada em recursos naturais – Argentina, Brasil e Chile – a concorrência com exportações chinesas é baixa.

Balança comercial entre China e América Latina – US$ bilhões: As balanças comerciais bilaterais, economicamente irrelevantes, porém politicamente significativas, apontam para uma situação aparentemente amedrontadora.

O México já registra déficit gigantesco com a China e, mesmo países como Brasil e Argentina que desfrutam de modesto superávit bilateral, em razão do comércio de matéria-prima, logo assistirão o saldo positivo se reverter em déficit na medida em que mercados domésticos são inundados por produtos chineses. Em 2006, a América Latina registrou déficit comercial com a China, resultado que deve se alargar nos próximos anos -mas vencendo em casa. Análise pontual na balança comercial com certeza exclui elementos cruciais.

A perda de participação da América Latina no mercado dos Estados Unidos coincide exatamente com substancial recuperação do crescimento da região. Apenas uma microscópica proporção deste crescimento pode ser atribuída diretamente ao superávit comercial de países latino-americanos com a China. Mais relevantes foram as mudanças nos termos de troca e a redução drástica das taxas de juros, que encorajou investimentos.

O aumento da prosperidade latino-americana, apesar de perdas registradas por alguns setores manufatureiros, deve colocar em questão a credibilidade da tradicional, e autodestrutiva, política protecionista. A resposta mais inteligente seria reconhecer que a ascensão da China – e depois desta, Vietnã e Índia – demonstra que a produção manufatureira intensiva em mão-de-obra será provavelmente uma Competitividade comercial da China com países selecionados característica asiática no longo prazo.

Isto não significa que a América Latina deva desistir da industrialização. No entanto, reflete a necessidade de que a industrialização deve basear-se em vantagens comparativas, ao invés de noções arbitrárias dos segmentos indústrias que um país rico “deveria” priorizar. Na maioria dos casos, isto se traduz na criação de indústrias de processamento que extraem a base dos recursos naturais. O Chile apresentou um começo aceitável nesta direção – por exemplo, ao desenvolver indústria vinícola depois que suas uvas frescas foram rejeitadas pelo mercado norte-americano. O Brasil já possui algumas indústrias de processamento agrícola bastante competitivas (como soja e etanol) e poderia desenvolver muitas outras. O México, por outro lado, tem uma longa história de industrialização mal orientada. Primeiro tentou sustentar indústrias nãocompetitivas, e depois do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA, na sigla em inglês) em 1994, acabou por alugar sua força de trabalho às multinacionais norte-americanas através das fábricas “maquiladoras”. Tal estratégia desmoronou depois que as multinacionais descobriram na China força de trabalho mais barata e produtiva. A situação foi agravada com o salto do custo da mão-de-obra mexicana em 70% entre 1994 e 2001 – a China registrou queda no preço da mão-de-obra de 10% no mesmo período.

Hora de acordar - Se um dos meios para se alcançar o crescimento sustentável é promover a industrialização com base na capacidade real dos recursos ao invés de pré-concepções, outro meio é descartar mitos obstrutivos. Uma fantasia otimista já se encontra praticamente morta: a idéia de que a China poderia milagrosamente financiar uma solução ao déficit de infra-estrutura da América Latina. Esta falsa esperança foi alimentada pelo presidente chinês Hu Jintao, que durante visita regional em 2004 distribuiu notas imaginárias de bilhões de dólares em forma de promessas futuras de investimentos em infra-estrutura. Nenhum destes investimentos foi materializado. O investimento direto chinês na região em 2005 foi de US$ 651 milhões (abaixo do valor registrado no ano anterior, de US$ 882 milhões) e contabilizado como apenas 1% do investimento estrangeiro direto (IED) aplicado na América Latina em instituições não-financeiras. Segundo a OCDE, os países latino-americanos investiram de 2% a 3% do PIB em infra-estrutura nas últimas duas décadas, pouco se comparado aos 9% da China. De qualquer forma, aumento dos investimentos no setor deve ser financiado, em sua maior parte, internamente.

Um segundo mito é que o acelerado progresso econômico da China resulta de desconsideração sistemática do temido “consenso de Washington” como modelo de crescimento, e que isso representaria uma lição para as economias latino-americanas escravizadas pelo falso Deus do neoliberalismo. Na verdade, a China é em diversos aspectos aluno exemplar do modelo neoliberal. O país mantém baixa tributação e sistema fiscal enxuto e rígido. Seu mercado de trabalho é um dos menos regulados do mundo. O que sobrou de ineficiente da economia sob o controle do Estado foi prontamente eliminado. Regulação limitada significa que o empreendedorismo floresceu no país. Estas podem ser lições positivas, mas estão bem de acordo com as prescrições ortodoxas de economistas.

Um último mito é que a competitividade chinesa seria resultado de uma política cambial conspiratória, práticas comerciais desleais, e uma traiçoeira desconsideração dos orientais por direitos trabalhistas, direitos humanos, segurança no trabalho e meio ambiente. Sem dúvida, o crescimento da China se deu ao custo de abuso do trabalhador e degradação ambiental. Entretanto, mesmo que a China começasse a internalizar tais custos amanhã e compensasse sua moeda, suas indústrias ainda seriam mais competitivas do que as latino-americanas.

A verdadeira lição do crescimento chinês é que pragmatismo político e investimento em infra-estrutura e capital humano trazem benefícios maiores do que os custos atrelados a essas medidas. Mais importante – e este é um ponto freqüentemente esquecido por economistas – é o papel do Estado na prevenção da captura da riqueza nacional por elites econômicas predatórias. Na América Latina atualmente, assim como na China, tal requerimento significa que o Estado deve simultaneamente reduzir seu papel onde obstrui a criação de riqueza e aumentá-lo para garantir ampla distribuição dos benefícios.

O remédio econômico que a América Latina precisa engolir é óbvio: maior flexibilidade e investimento em infra-estrutura, particularmente em educação. O problema consiste no fato de que nada disto pode ser alcançado sem reestruturação dos arranjos políticos que, por tanto tempo, têm favorecido certas elites. A boa notícia é que as maiores economias latino-americanas – Argentina, Brasil, Chile e México – agora possuem democracias estáveis que possibilitam que uma nova barganha política seja consolidada. Essas economias podem, ainda, obter sucesso em sua segunda chance.

. Por: Arthur Kroeber é editor-chefe da China Economic Quarterly e diretor da Dragonomics Research. Neste artigo “América Latina” se refere às principais economias da América do Sul – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela – e México. O autor está agradecido ao Dr. Walter Molano do BCP Securities e Norman Gall do Instituto Fernand Braudel em São Paulo pelas suas visões sobre história e sociedade latino-americanas; e ao Brasil-China, cuja recente conferência sobre o impacto chinês e indiano na América Latina foi uma rica e importante fonte de idéias. O autor também se desculpa de antemão aos leitores latino-americanos pelas suas generalizações que necessariamente obscurecem a diversidade da região. | www.dragonomics.net | Por: CEBC

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