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13/05/2011 - 10:59

A Lei, a justiça e a vontade popular

Pelo fato de não sermos militantes do direito, nos sentimos à vontade para tecer alguns comentários sobre a decisão da senhora juíza Elizabeth Louro, do Quarto Tribunal do Júri no Rio de Janeiro. Pelo que os veículos de comunicação, bem como a internet divulgam, a magistrada deu ordem de soltura ao assassino confesso Luiz Carlos Oliveira.

Oliveira trabalhava como pedreiro e servente em uma escola na qual lecionava uma jovem de 21 anos chamada Mariana. Movido por paixão não correspondida, e talvez nem conhecida, o pedreiro matou a jovem. O caso foi esclarecido, pois Oliveira confessou o crime. Contudo, sua permanência prisional não logrou em virtude da interpretação que a juíza fez do ocorrido. Não é necessário reproduzir aqui o parecer da magistrada, uma vez que ele já deve ser conhecido.

Por isso, vamos aos argumentos. É sabido que, tradicionalmente, as decisões judiciais, ainda mais as criminais, costumam ser bastante complexas, às vezes polemicas. Os juízes procuram adotar decisões que sejam as mais diretamente ligadas à letra da lei, o que se costuma chamar de “tecnicismo”. Em outras palavras, o magistrado segura-se amplamente no código sem dar azo a interpretações de outra ordem, de interesse particular ou setorial. Ao menos é isso que se imagina.

Nesse caso, temos exemplos que fazem parte da história e fornecem argumentos para aqueles que desejam fazer interpretações da justiça, como se ela fosse movida também por sentimentos e valores de classe social, como o caso dos assassinos do índio Galdino, em 1996, e da corrupção de Salvatore Cacciola, em 1999. Os réus foram soltos, apesar da gravidade de seus crimes. Os primeiros eram membros da classe média alta da capital federal; o segundo, banqueiro.

Por isso, somos da opinião de que a conduta jurídica tem se manifestado amplamente para dentro, considerando somente a letra do código e sem levar em conta questões sociais e políticas que não podem ser descuidadas, apesar da preeminência da doutrina penal. Na nossa leitura, o que ocorreu no Quarto Tribunal no Rio de Janeiro não foi uma interpretação ligada exclusivamente à lei, mas sim a algo de teor lírico da juíza Louro. A interpretação lírica é aquela que diz respeito ao superior direito de liberdade, ainda que condicional, e de credibilidade que seres como o pedreiro Oliveira podem obter, mesmo sob crime confesso e sobre dúvidas de seu caráter. Não foi uma interpretação de classe, certamente, mas uma visão romântica da vida.

Há um bom número de profissionais da jurisprudência que não corroboram os denominados sentimentos populares, geralmente ampliados pela emoção, que pode beirar ao “irracional”. Porém, o que se tem assistido nos últimos tempos é a um desligamento quase total da vontade popular, talvez por temer que ela sugira medidas radicais para se fazer justiça. Assim, boa parte das decisões judiciais tem preferido amainar as aplicações da lei, o que contribui para gerar sentimento de impunidade e ausência total de justiça. E aqui se deve citar que esse sentimento de frustração ocorre não somente pela pouca aplicabilidade a ricos e poderosos, mas também a crimes que advêm das classes mais pobres do Brasil – isso sem falar naqueles cometidos por grupos considerados progressistas, como o MST, movimento que, geralmente, conta com a simpatia de alguns senadores e deputados da ala esquerda do Congresso.

Já é lugar comum dizer que a sociedade é um meio dinâmico em constante transformação, o que vale também para o direito. Se considerarmos a sociedade como corpo orgânico, consideraremos também que ela faz adaptar-se a si aqueles fenômenos que encontram grandes dificuldades para se realizar; a sociedade sobrepõe-se a tais dificuldades. Vale dizer: se a justiça, por meio dos canais racionais do Estado, não é feita a contento, a sociedade chamará para si essa tarefa. Se a justiça feita pelos instrumentos de coerção do poder público encontra dificuldades de se realizar em virtude de interpretações tecnicistas ou líricas, isso contribuirá para que a sociedade, ou parte dela, faça justiça com seus próprios modos. Quer dizer, a justiça acaba sendo feita, de um modo ou de outro, mas nesse ponto emerge uma crise substancial.

Essa crise substancial é o malogro da autoridade do Estado e de seus fundamentos. Aquele tradicional debate que nos vincula ao Leviatã, de Thomas Hobbes, não se esgotou e solicita novo debate, ao menos no Brasil. Se a grande conquista jurídica e social dos séculos XIX e XX foi a estruturação do poder público na área da justiça, agora esse avanço histórico parece entrar em crise. E é bom salientar que esse impasse nada tem a ver com a globalização ou forças internacionais.

Por fim, como mencionados no início, pelo fato de não militarmos na justiça, temos “licença” para adentrarmos em tema que supostamente os advogados não corroboram por força da doutrina. Assim, podemos dizer que o excesso de interpretações que os magistrados fazem no caso de poderosos economicamente, de influentes socialmente e nos desgraçados angariará não somente mal estar na Justiça propriamente dita, mas também na democracia como valor em si, já que a vontade popular não ganha espaço em virtude de algo considerado racional e superior. Sabemos muito bem que a questão deve ser mais bem refletida e ganhar mais tempo, mas fica nossa contribuição para o debate.

. Por: José Alexandre Altahyde Hage, professor de Relações Internacionais da Trevisan Escola de Negócios.

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