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24/05/2011 - 09:33

Cuidados na abertura e condução de investigações de cartel: razoabilidade e criação de metodologias

Recentemente o CADE julgou um Processo Administrativo de suposto cartel envolvendo condutas possivelmente tipificadas nos artigos 20 e 21 da lei n. 8884/94. Esse caso (PA n.º 08012.006059/2001-73) investigou o mercado de papel higiênico cuja prática investigada consistia em suposta conduta horizontal voltada à: (i) limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado; (ii) criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente e (iii) impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição.

O caso iniciou-se em agosto de 2001, ou seja, há quase 10 anos, motivado pelo movimento das principais empresas do setor de papel higiênico que teriam reduzido o tamanho dos rolos simultaneamente sem diminuírem os preços aos fornecedores. Na ocasião da abertura da investigação foram apontados 03 elementos pela SDE/MJ que indicariam a adoção de prática concertada: (i) identidade de comportamento, (ii) ocorrência concomitante de condutas idênticas; (iii) redução da quantidade do produto oferecido no mercado sem justificativa razoável.

A justificativa principal utilizada pelas empresas investigadas apontava que a mudança havia ocorrido em razão de Portaria do INMETRO nº. 143 de 20 de junho de 2000, que regulamentou a comercialização dos rolos, sendo necessária a redução do papel para adequação.

Após longa instrução processual, a SDE/MJ entendeu (em 2010) pela insubsistência dos indícios de infração à ordem econômica quanto à ocorrência de formação de cartel. Assim, a simples similaridade de conduta não constituía prova suficiente para a caracterização de conluio, sendo que não havia elemento adicional (mais conhecido na jurisprudência internacional como “plus factor”) a indicar uma possível formação de cartel. Na sequência, esse entendimento foi seguido pela procuradoria do CADE e Ministério Público Federal, via parecer N. 021/2010 GAB/ML/CADE.

Basicamente, o caso não apresentava provas diretas de combinação de cartel, ou provas indiretas de existência de acordo (por ex. reuniões e alinhamentos comportamentais); assim como não havia evidencias robustas de simultaneidade das condutas e, ainda, existia a possibilidade das empresas racionalmente terem seguido a atitude da líder de mercado e modificado sua tecnologia para adaptar-se ao novo padrão estabelecido.

No voto que fundamentou a decisão final foi explicada a possibilidade de utilização de provas indiciárias como o CADE já fez, pois é possível haver uma série de evidências indiretas de conluio, mas conforme foi muito bem colocado pelo Relator do caso: é salutar o aprofundamento dos estudos a respeito de metodologias de inferência, análise dos eventos ou “filtros”. Com essas avaliações, obtidas a partir de dados econômicos, possibilita-se um contexto probatório ou auxilia-se a tomada de decisões baseadas em provas indiretas.

Esse entendimento do CADE exposto no voto é muito importante diante do cenário atual e pode representar um novo padrão, agora revestido de maior ponderação e razoabilidade, por parte das autoridades brasileiras de defesa da concorrência. Temos observado nos últimos 05 anos um grande crescimento da abertura de investigações de supostos cartéis pela SDE/MJ, conforme amplamente noticiado pelas autoridades. Isto culminou inclusive com o Decreto Presidencial nº. 07/2008, pelo qual se instituiu o “Dia Nacional do Combate aos Cartéis”. De acordo com o Relatório de Gestão de 2010, o número de processos administrativos e averiguações preliminares em estoque no DPDE totalizavam 253, em 30 de setembro de 2010, sendo que no período foram enviados ao CADE, para julgamento, 65 processos administrativos e averiguações preliminares (totalizando mais de 300 investigações em curso).

Contudo, em uma situação como a do presente caso, em que as principais concorrentes do mercado foram investigadas por praticamente 10 anos, além dos impactos econômicos diretos que a abertura da investigação de cartel gera para as empresas, não podem ser negados os efeitos para a imagem dos executivos e agentes econômicos envolvidos.

Assim, em que pese ser importante a investigação de indícios de práticas anticompetitivas, não menos importante é a adoção de metodologias e “filtros” razoáveis a fim de que se evitem longas e desnecessárias investigações. Isso é especialmente relevante no atual contexto, em que parte das investigações decorre de acordos de leniência firmados entre as autoridades e denunciantes supostamente envolvidos na prática ilícita. Ou seja, é fundamental avaliar a veracidade e cabimento das denúncias antes de expor os denunciados a investigações com ampla cobertura da mídia e, ao final, não se concluir os casos em tempo econômico.

Certamente a abertura de investigações é importante, mas, como prescreve do princípio da presunção da inocência, previsto na Constituição de 1988 (Art. 5o, LVII), quando baseadas em “indícios” é muito importante o tratamento cuidadoso das informações que circulam a fim de se evitar uma exposição desnecessária das empresas que ao final poderão ser absolvidas, tal como acorreu no caso comentado, que ficou em curso por quase uma década.

. Por: Juliana Oliveira Domingues, Doutora em Direito pela PUC/SP, autora do livro “Direito Antitruste: O combate aos Cartéis. 2 ed. Saraiva: São Paulo” vencedor do Troféu Cultura Econômica em 2008. Coordenadora da área de Antitruste do Escritório LO Baptista Advogados.

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