Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

21/06/2011 - 12:10

Decisão de pronúncia no Tribunal do Júri

Há um grande embate doutrinário e, principalmente, jurisprudencial, sobre qual dos dois princípios (in dubio pro reo ou in dubio pro societate) deverá ser aplicado quando, mesmo após a instrução da primeira fase do procedimento do júri, houver razoáveis dúvidas quanto à autoria ou a participação do acusado.

É oportuno aqui esclarecer que in dubio pro reo, também conhecido como favor rei, favor inocentiae ou favor libertatis, é um princípio constitucional implícito ao processo penal.

Segundo esse princípio, quando, na relação processual, houver conflito entre a inocência do réu, e sua liberdade, e o direito/dever do Estado de punir, havendo dúvida razoável, deve o juiz decidir em favor do acusado. O mesmo ocorre no tocante à interpretação de dispositivos processuais penais, pois, havendo dúvida razoável quanto ao seu real alcance e sentido, deve o magistrado optar pelo entendimento mais favorável ao réu.

Um exemplo concreto da aplicação desse princípio no Código de Processo Penal é encontrado em seu artigo 386, VII, referente à absolvição do acusado quando não existir nos autos provas suficientes da imputação formulada pela Acusação.

“Art. 386. O juiz absorverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: VII – não existir prova suficiente para a condenação”

Nesse contexto, o acusado é presumido inocente até que se demonstre o contrário. O princípio do in dubio pro reo situa-se dentre aqueles vinculados ao indivíduo. Na realidade, ele tem estreita relação com o princípio da não culpabilidade (art. 5º, LLVII, CF), o qual define que todos os seres humanos nascem livres e em estado de inocência, sendo permitida a alteração desta situação somente quando houver prova idônea produzida por meio do devido processo legal.

Não existindo tais provas idôneas ou havendo dúvidas sobre a ocorrência do fato e os seus possíveis autores, o magistrado deverá optar por uma decisão favorável ao réu, preservando-se assim o seu estado natural de inocência.

Até mesmo, porque, em regra, compete ao órgão acusatório a prova da materialidade e da autoria delitiva (art. 156, caput, CPP); se a Acusação não foi hábil a comprovar o alegado contra o indivíduo, este não pode ser condenado com base em provas circunstanciais e temerárias, resguardando-se, além do mais, o Estado Democrático de Direito e a dignidade humana.

In dubio pro societate, por sua vez, embora muitos o considerem como sendo um princípio inerente ao direito processual penal, mais especificadamente ao procedimento especial do júri, ele não passa de um brocardo jurídico criado por vias doutrinárias, cujo significado é “na dúvida, em favor da sociedade”.

Trata-se de um “princípio” antagônico ao do in dubio pro reo, eis que, ao contrário deste, não havendo nos autos elementos probatórios firmes e livres de risco a indicar a provável autoria ou participação do crime, prefere adotar uma medida mais gravosa ao réu.

Atualmente, a grande maioria dos magistrados atuantes nas diversas varas do júri espalhadas por todo o país prefere remeter o acusado a julgamento perante o Tribunal Popular mesmo havendo significantes dúvidas no tocante à sua autoria. Tais juízes argumentam que, como o objetivo da fase do judicium accusationis é meramente a realização de um juízo de admissibilidade da acusação, não é necessário, para a pronúncia do réu, que exista certeza sobre a sua autoria ou participação, bastando meramente indícios nesse sentido, independentemente se o conjunto probatório, analisado como um todo, gere dúvidas sobre esse assunto. Daí que não vige o princípio do in dubio pro reo, mas sim o in dubio pro societate, resolvendo em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova.

Os adeptos desse entendimento, para reforçar as suas convicções, utilizam como argumento o fato de que como a competência para julgar os crimes dolosos contra vida, sejam eles consumados ou tentados, é fixada constitucionalmente, somente os jurados podem dirimir quaisquer dúvidas, não podendo aqueles adentrarem ao mérito da causa. Consideram essa medida a mais adequada, uma vez que, não remetendo tais casos a julgamento perante o seu juiz natural, estariam usurpando essa competência constitucional do júri. Sendo assim, entregam o acusado ao Tribunal Popular, tendo os jurados o papel de resolver as dúvidas, prevalecendo-se assim as suas vontades, que, no caso, será a vontade da sociedade. É daí que surge o nome in dubio pro societate.

Outrossim, outro argumento frequentemente utilizado é concernente ao fato desses adeptos acreditarem que, mesmo após a pronúncia do acusado e até a sessão do plenário, há a possibilidade de surgirem novas provas que esclarecerão as presentes dúvidas.

Entretanto, em conclusão, constata-se que os argumentos a favor da incidência do brocardo jurídico in dubio pro societate são insuficientes, não possuindo, tal brocardo, qualquer relação de parentesco com o ordenamento jurídico pátrio.

Deste modo, conclui-se que perdurando dúvidas após a instrução processual realizada na primeira fase do júri, sejam elas referentes à materialidade ou à autoria delitiva, deve o magistrado optar pela impronúncia do acusado, aguardando-se provas mais aptas antes de remetê-lo a um Tribunal leigo e soberano, evitando-se assim que qualquer inocente seja condenado, resguardando o princípio da dignidade da pessoa humana.

. Por: advogado do escritório Fernando Quércia Advogados Associados, Gabriel Henrique Pisciotta, e pela estagiária Laís Caldeira Pegoraro.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira