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15/08/2007 - 10:34

Reuso de produtos médicos e a legislação

Já faz mais de um ano que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou resoluções permitindo a reutilização de produtos médicos descartáveis. Apesar de estudar o assunto durante anos, a Agência continua enfrentando problemas pra solucionar o reaproveitamento de produtos de saúde. O tema gera polêmica, tendo em vista as controvérsias que envolvem seu duvidoso benefício econômico e o risco de contaminação e perda de eficiência dos produtos reprocessados, que atenta contra a vida e a saúde da população Brasileira.

Agora, a Anvisa prorrogou recentemente o prazo para que serviços de saúde e empresas elaborem, validem e implantem protocolos de reprocessamento de produtos médicos. Essa medida mantém em risco a população que está sujeita sem seu conhecimento a ser atendida com a utilização de produtos reutilizados, que foram originalmente fabricados para uso único. A ampliação do prazo para a implantação de protocolos mínimos indica que os serviços de saúde fazem o reprocessamento sem estarem preparados para tanto e a Anvisa, ao invés de manter o prazo dado obrigando os estabelecimentos a se adequarem ao mínimo ou pararem de fazer o reprocessamento até que se adeqüem, privilegia os aspectos financeiros em prol dos estabelecimentos de saúde em prejuízo da saúde da população.

A regulamentação realizada pela Anvisa começou em fevereiro de 2006, quando foram publicadas as resoluções RDC 30 e RE 515, que definiram os artigos de uso único cujo reprocessamento não é permitido, além de regras claras para a reutilização daqueles que apresentam possibilidade de reaproveitamento. Essa legislação foi atualizada no mesmo ano, com a publicação das resoluções RDC 156, RE 2605 e RE 2606. Essas normas definem os parâmetros que os estabelecimentos devem adotar para garantir a segurança e a eficácia dos produtos reutilizados.

No Brasil, o tema é muito discutido por todos aqueles envolvidos com a saúde. Do lado dos que são favoráveis temos os hospitais e clínicas, operadoras de planos de saúde, seguradores, o SUS e as Secretárias de Saúde Estaduais e Municipais, bem como a própria ANS e algumas correntes da Anvisa. Estes que são favoráveis ao reuso de produtos descartáveis argumentam que a reutilização traz maior economia e melhor aproveitamento dos escassos recursos da saúde.

Já os que são contrários ao reuso de produtos descartáveis são os fabricantes e importadores destes produtos e uma parcela dos médicos, enfermeiros, administradores públicos e privados, bem como outras correntes da Anvisa, que questionam as medidas tomadas até este momento e o aumento dos riscos para os pacientes. Existe também uma grande preocupação com a indústria de indenizações que podem surgir pelos danos causados aos pacientes por produtos reutilizados.

Mesmo para aqueles que fazem uma análise puramente monetária da questão, nos parece que a medida não faz sentido posto que a economia feita no curto prazo será perdida quando o sistema tiver que suportar o pagamento de todas as indenizações, que advirão da prática do reaproveitamento dos produtos descartáveis. Depois dos procedimentos realizados será muito difícil localizar a causa do dano ao paciente, até porque a norma da Anvisa não tem qualquer previsão para a rastreabilidade do produto reutilizado ou seu registro no prontuário dos pacientes, de modo que todos os envolvidos na cadeia de fornecimento dos produtos utilizados e serviços prestados serão alvos destas ações.

Infelizmente as regras atuais permitem que o reprocessamento de produtos médicos seja feito por empresas terceirizadas que não são fiscalizadas nem pela Anvisa nem pelas vigilâncias sanitárias locais. Ela não limita a quantidade de reutilizações permitidas para o produto. Melhor ser o segundo paciente a usar o produto do que o décimo. Bom mesmo seria ser o primeiro não? Mas qual a probabilidade?

A Anvisa está renunciando ao princípio da prevenção e combate ao risco sanitário o que, além das questões éticas, tem conseqüências jurídicas importantes. Na Constituição Federal de 1988, temos garantido o direito à vida, que inclusive é à base do pacto social, uma vez que se o Estado não garante, não protege, não luta contra aqueles que querem ferir o direito, mais básico, que é a vida de seus cidadãos, certamente perde a razão de sua existência.

A regulamentação do tema afronta também o que foi concretizado pela Lei 9.782/99 que criou a própria Anvisa No seu artigo 6º, a lei diz que a Agência terá por finalidade promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

As atuais regras também trazem uma grave incongruência, pois proíbem a comercialização de produtos descartáveis reprocessados, o que em si é muito bom, entretanto, deixa de observar que como sua venda está embutida na cobrança pela realização do procedimento sempre se estará vendendo estes produtos ao se utilizá-los, salvo em procedimentos realizados de maneira benemérita, sem cobrança ou reembolso.

Especificamente quanto à comercialização dos itens de uso único, após sua reutilização, temos uma ilegalidade patente por contrariedade ao próprio registro destes produtos, senão vejamos: O Artigo 25 da Lei 6360/76 determina que os produtos denominados correlatos, segundo sua nomenclatura, estarão sujeitos ao registro ou sua dispensa, conforme manifestação regulamentar que atualmente é expedida pela Anvisa.

Finalmente, as normas criadas para regulamentar o reprocessamento contrariam o direito de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor, que garante a este o dever irrestrito de informação e o protege contra o consumo de produtos defeituosos ou com eficácia contida e duvidosa. E chocam, frontalmente, com a norma de segurança do trabalhador em estabelecimentos de saúde, NR-32, pois os expõem aos riscos de contaminação, tanto na utilização do produto reprocessado, quanto na própria atividade de reprocessamento e deslocamento do produto reprocessado.

. Por: Rodrigo Alberto Correia da Silva, sócio e advogado especializado em saúde do escritório Correia da Silva e Mendonça do Amaral Advogados ([email protected])

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