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17/08/2007 - 10:46

O corte da cabeça

Há alguns anos, quando eu trabalhava como gerente comercial de uma empresa de displays promocionais, fiz uma grande venda: mais de trinta peças de um painel que era revestido com carpete. A equipe de produção teve que revestir a maior parte usando cola de contato, mais conhecida como cola de sapateiro.

Entre os funcionários dessa equipe estava Daniel, rebelde e muito falante, mas também bastante habilidoso e criativo. Sua rebeldia se revelava principalmente no que diz respeito aos procedimentos de segurança. Recusava-se a usar a máscara que o impediria de respirar os vapores da cola e convenceu seu colega de departamento a lhe fazer companhia na recusa no uso do equipamento.

Resultado: no fim do dia, durante uma reunião com o diretor da empresa em uma sala próxima, ouvimos os dois funcionários comentando alto e alegremente frases irônicas sobre ele, que escutou tudo. Quando constatei que estavam alterados e sem o equipamento de segurança, percebi o que ocorrera e mandei-os embora mais cedo. No dia seguinte, os adverti verbalmente e exigi que usassem o equipamento.

Dias depois, o mesmo diretor da reunião pede que Daniel vá ao banco descontar um cheque para fazer o pagamento dos funcionários. Como a empresa era pequena, os funcionários da produção tinham alguns momentos ociosos e faziam também alguns serviços gerais, como ir ao banco e entregar mercadorias.

Após algum tempo, Daniel voltou alegando que fora assaltado. Ao sair do banco, percebeu que estava sendo seguido por um motoqueiro e entrou em um fliperama para se refugiar. O assaltante não se intimidou e entrou no local, rendendo-o ali mesmo e levando todo o dinheiro.

O diretor não disse nada. Mandou que ele fosse embora e retornasse para uma conversa no dia seguinte. Em seguida, me chamou na sala e, ao fechar a porta, já percebi qual seria o desfecho da história: - Está claro que me roubou! Esse rapaz é muito problemático! Já o agüentei tempo demais.

- O que pretende fazer?

- Não posso ficar com ele. Vou demiti-lo!

Logo em seguida, um dos nossos vendedores bate na porta da sala e me chama:

- Olha, só pra constar, fui até o fliperama e falei com algumas pessoas. A história dele confere.

Meu diretor ouviu. Quando fechei novamente a porta ele concluiu: - É um rapaz muito simples, mora na favela. Deve ter combinado o golpe com o motoqueiro e entrou no fliperama para ter testemunhas.

- Pode ser, mas nós não temos qualquer prova.

- Que pensa de tudo isso?

- Penso que você deve ter muita certeza do que vai fazer. Depois que se corta uma cabeça, não dá pra colar de volta. Pode parecer piegas o que vou dizer, mas: consulte o seu coração.

Em seguida saí da sala, deixando meu chefe pensativo. E assim terminou nosso dia.

No dia seguinte, Daniel conversou longamente com o patrão, que fez uma avaliação do comportamento dele, comentou o incidente da cola de sapateiro e deixou claro que toda ação tem uma conseqüência. No final da conversa, os dois se entenderam. Daniel mudou seu comportamento rebelde e se “enquadrou” nos moldes da empresa na medida do possível, sem perder o seu toque pessoal.

Um ano e meio depois, quando me desliguei da empresa para montar meu próprio negócio, esse funcionário já era o chefe da produção, encarregado de comandar uma equipe de quatro funcionários que viam nele um exemplo.

“É preferível arriscar-se a salvar um culpado, que condenar um inocente”,Voltaire.

. Por: Emílio Gama é formado como Arte Educador pela Febasp – Faculdade Belas Artes de São Paulo, em Dramaturgia pelo CPT – Centro de Pesquisas Teatrais do Sesc – e em Teatro pelo Instituto de Artes e Ciências. Atualmente é diretor comercial da PPCult - Parnaso Promoções Culturais – um empresa que utiliza a linguagem teatral como ferramenta didática. Emílio é também ator, diretor de teatro, dramaturgo, palestrante desde 1993, professor de oratória e professor de Kung Fu.

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