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06/09/2011 - 13:41

Quando a sobrevida custa caro

A decisão de quem deve viver entre um grupo de pessoas, nos dias atuais, parece ficção. Porém, se analisarmos detalhadamente uma situação imposta pela legislação em saúde, nos deparamos nitidamente com a responsabilidade de decidir quais pacientes continuarão a receber medicamentos que mantenha sua sobrevida.

É o que está ocorrendo com a crítica estabelecida pela portaria 90 do Ministério da Saúde, de 15/03/2011, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 16/03/2011, na página 63, onde se estabelecem as porcentagens de uma classificação conceitual, nem sempre clínica, para as linhas e fases de tratamento da Leucemia Mielóide Crônica (LMC) pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Explicarei melhor. Com a introdução dos inibidores de tirosinoquinases no tratamento da LMC, essa doença deixou de ser praticamente incurável e responsável pela morte de pacientes em curto espaço de tempo, para promover a sobrevida com qualidade e longevidade, pelo menos no que pudemos observar até aqui, nestes anos de seguimento.

Estes pacientes começaram a ser tratados no exterior há mais de 12 anos. No Brasil, a inclusão do imatinibe para o tratamento da LMC pelo SUS foi através da portaria 431, de 03/10/2001, publicada no DOU em 05/10/2001, como tratamento de 2ª linha em fase crônica, passando a ser de 1ª linha somente em 2008, com a publicação da portaria 347 de 23/06/2008. Com os estudos demonstrando que modificações na molécula do medicamento poderiam melhorar a evolução dos pacientes que não respondiam adequadamente à droga convencional ou tinham intolerância, foram surgindo, e ainda estão para surgir, medicamentos que conseguem dar uma 2ª ou até 3ª chance destes pacientes continuarem se beneficiando da evolução farmacológica para se manterem vivos com qualidade. A introdução destes novos medicamentos em tratamento, definidos pelo Ministério da Saúde como de 2ª linha, veio com a portaria 649, de 11/11/2008.

Atualmente, temos no Brasil, 3 drogas liberadas pela ANVISA para o tratamento destes doentes. Pelos critérios conceituados pelo Ministério da Saúde, o Imatinibe é definido como 1ª linha e o Dasatinibe e o Nilotinibe, como 2ª linha.

Um fato importante a ser analisado, é que estes pacientes devem ser tratados continuamente com estes medicamentos, aparentemente para o resto de suas vidas, as quais, felizmente, se alongam cada vez mais e, por conseqüência, aumentam os custos para o SUS. Em outras palavras, o aforisma de que os casos novos são parcialmente compensados com os óbitos, está deixando de existir, isto é, estes pacientes não estão mais morrendo em decorrência da LMC, o que leva a aumento dos casos de LMC em progressão geométrica.

Na tentativa de balizar esta situação, foram impostas, através da já referida portaria 90, regras a serem seguidas para o tratamento destes pacientes pelo SUS, que consistem em uma classificação simultânea das fases (crônica, transformação e blástica) e linhas (controle sanguíneo, 1ª, 2ª e 3ª linhas), as quais definem, através de diretrizes, os medicamentos a serem utilizados, além de estabelecer críticas baseadas em porcentagens de fases e linhas, caucadas em estatísticas internacionais, por falta de um recenseamento adequado dos dados brasileiros. Após Aí pergunto: Qual a nossa realidade? Podemos ser adequadamente comparados a outros países no assunto em questão?

Nesta situação, 2 questões merecem ser analisadas: Primeiramente, que a introdução dos inibidores de tirosinoquinases no Brasil foi feita após vários anos em relação aos países de onde foram calculadas as porcentagens em que se justificou esta crítica, abrindo a possibilidade de que os pacientes brasileiros possam ter iniciado seu tratamento em estágios mais avançados da doença. Segundo, mas não menos importante, é o comportamento individualizado de resposta ao tratamento de cada paciente, associado à evolução que impõe a mudança de linha, ou por má resposta, ou por intolerância. Estas situações tendem a aumentar com o tempo de tratamento, tanto é que outras drogas estão surgindo na luz desta tendência.

Ficamos estarrecidos ao recebermos uma lista nominal contendo 14 pacientes com autorizações glosadas no nosso Serviço, por termos ultrapassado a crítica dos 15% para pacientes de 2ª linha. O que isto quer dizer? Que deveremos parar o tratamento destes pacientes e condená-los à morte por evolução da LMC? Como estes 14 pacientes foram “escolhidos” dentre o nosso contingente de pacientes em 2ª linha? Deveríamos nós, os médicos dos pacientes, escolhermos dentre todos os nossos pacientes em tratamento de 2ª linha, 14 que devem parar o tratamento?

Como comentado no início, pergunto se devemos, dessa maneira, cara-a-cara com os pacientes, decidir quem deve viver baseado em uma estatística economicamente fundamentada e baseada em dados coletados de outros países?

Aqui, essa crítica à crítica estabelecida e imposta, se traduz em um repúdio à transferência de responsabilidade de decidir sobre a vida de seres humanos com chance de sobrevivência, infelizmente dependente de tratamento de custo elevado e contínuo.

Não foram poucas as vezes que diversos profissionais, os mais renomados, conceituados e atuantes, alertaram, em conversas e comunicações, acerca do grande equívoco em se estabelecer regras administrativas e econômicas discrepantes das clínicas e evolutivas, para minimizar as situações que, se continuar, em nome da viabilidade das instituições que tratam estes pacientes, outras “rotas de solução” certamente serão cada mais utilizadas, como o subtratamento e a judicialização, ambas na “contra-mão” da evolução médica e social.

Infelizmente, até agora, a resposta a estas constantes solicitações e alertas foi o silêncio... Só o silêncio...

. Por: Dr .José Francisco C. Marques Jr, hematologista do Hemocentro da UNICAMP e membro da ABHH

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