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18/11/2011 - 10:20

Crise moral

As notícias se sucedem dia a dia. É um ministro que cai, após acusações de corrupção em sua pasta. É um deputado que acusa os colegas de vender emendas. É um detento que consegue regalias na prisão por meio de facilidades concedidas por algum carcereiro. É uma obra concluída com base em documentos de autorização forjados. É um estabelecimento comercial que conseguiu alvará por meio de propina.

A esta altura, os cidadãos brasileiros se perguntam como pode um país se desenvolver com base na tão disseminada cultura das transgressões. Isso mesmo, cultura das transgressões. Essa expressão que, no nosso entender, designa de forma clara o conjunto de ideias e atitudes que não respeitam a ética, pondo o interesse pessoal acima do interesse coletivo e das leis.

Se queremos mudar essa cultura, precisamos todos entender que o único caminho para chegarmos a um Brasil desenvolvido econômica e socialmente é respeitando as leis, não corrompendo nem sendo corrompido, pagando impostos e combatendo a pirataria, a falsificação e o contrabando.

Para começar, precisamos exigir de nossos governantes que ajam sempre dentro dos padrões éticos. E, por que não dizer, dos mais elevados padrões éticos? Afinal, a corrupção instalada na base da sociedade é mais fácil de ser combatida do que a corrupção que permeia esferas elevadas de poder.

Já passamos por momentos históricos em que parecia que os brasileiros iam perceber o prejuízo generalizado que a corrupção provoca. Chegamos até a aprovar um impeachment contra um presidente da República, em uma onda de civismo que parecia nos estar levando a uma nova Nação, de cidadãos conscientes e éticos.

Mas, quase 20 anos depois do impeachment, pouco mudou. O historiador José Murilo de Carvalho, professor titular de História do Brasil da UFRJ, distingue bem o medo e o respeito à lei. Só uma sociedade que tenha respeito às suas leis pode se alçar a um patamar destacado de desenvolvimento. Enquanto a lei só for cumprida por medo, sem que os valores que a nortearam sejam compreendidos pela população, não conseguiremos modificar a cultura de leniência e até conivência com as transgressões.

Estudos e pesquisas mostram que os sonegadores recorrem ao argumento de que não adianta pagar impostos se as autoridades responsáveis por lhes dar o destino previsto acabam por desviá-los. Ou seja, se não há confiança de que os recursos serão aplicados para o bem geral – na saúde, na educação, na infraestrutura, na habitação – por que ser um cidadão ético?

Sempre insistimos em que uma coisa não depende da outra. Se formos esperar o modelo ideal do governante, não construiremos nada. Temos de pagar os impostos previstos em lei e exigir que eles sejam aplicados onde devem. E é isso o que estamos fazendo agora: exigimos que os governantes brasileiros se imbuam de seu dever maior como cidadãos e deem o exemplo de boa conduta para toda a população.

Há tempos, dizemos que a crise no Brasil não é econômica. Ela é social, não há dúvida. Mas, mais do que tudo, ela é uma crise moral. Chegamos a um ponto em que empresários comentam que as regras do jogo são essas mesmo e que, sem “molhar a mão” de quem concede licenças e autorizações, nada se consegue. Na medida em que a iniciativa privada acaba por se mancomunar com as autoridades de várias instâncias, fica difícil desatar o nó da corrupção.

Isso se aplica a negociações entre poderosos e entre pequenos. Grandes conglomerados de empresas acabam se enredando em ligações perigosas com quem tem o poder de autorizar obras e empreendimentos, de conceder licenças ou autorizações. Da mesma forma, seguindo o mesmo rito, ela se dá entre um fiscal municipal e um camelô. Não é de hoje que, nas ruas do centro de grandes cidades, um veículo de fiscalização passa devagar anunciando-se ostensivamente para que os camelôs tenham tempo de recolher sua mercadoria irregular. É o fiscal fingindo que fiscaliza.

Por isso, não só políticos e administradores em geral, como fiscais e gestores do que deveria ser a Coisa Pública, têm sido alvo de denúncias de corrupção. As discussões chegaram ao Poder Judiciário, que, por definição, deveria estar acima e a distância de qualquer suspeita de irregularidade ou malversação. As divergências entre a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, e alguns integrantes do Poder Judiciário são impensáveis em qualquer país que preze pela imaculabilidade de seus juízes.

Com um PIB de R$ 3,6 trilhões, o Brasil deveria ter um atendimento à saúde decente, uma educação pública exemplar, aeroportos à altura dos eventos internacionais previstos para os próximos anos, sem falar de ferrovias e rodovias (estas mostram como parcerias podem ter bons resultados, já que as rodovias concedidas à iniciativa privada são as melhores do País).

A corrupção não deve ser tolerada em nenhum nível. Se ela chega a dimensões tão escancaradas quanto hoje no País, é impossível se calar. É impossível aceitar esse fingir que as leis são cumpridas, pois isso envenena as entranhas da sociedade e provoca, lentamente, sua destruição.

A esperança de mudar essa cultura vem com a estabilidade da economia (após 17 anos de Plano Real), o respeito às regras democráticas e a ascensão da classe C. Não poderia haver melhor momento para o Brasil fazer uma profunda análise comportamental e mudar sua cultura no que diz respeito a transgressões. É o momento de incentivar campanhas para que esqueçamos, de vez por todas, que no passado alguns de nós valorizavam a Lei de Gerson, pensando em tirar vantagem de tudo.

É o momento histórico de construir uma sociedade em que o caminho seja impérvio para a corrupção. É o momento perfeito para pensarmos coletivamente em como construir uma sociedade da qual todos possamos nos orgulhar.

.Por: Roberto Abdenur ,Diplomata e presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO)

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