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08/12/2011 - 10:49

Uma nova via para salvar vidas

Chega ao Brasil novo tratamento contra derrames em aneurismas cerebrais.

Em julho do ano passado, a dona de casa Hetty Brasser, 49 anos, estava assistindo com amigos o jogo Brasil x Holanda, pela Copa do Mundo da África do Sul. Seu coração estava dividido: apesar de brasileira, essa moradora de Olinda (PE) orgulha-se de sua ascendência holandesa, comum naquela região. Empolgada, Hetty pôs-se a soprar uma vuvuzela durante a partida. Sentiu uma dor forte na nuca e na cabeça, mas, como era algo “suportável”, foi para casa. Uma semana depois, a dor continuava e ela procurou o médico. Só então soube que havia sofrido um derrame provocado pelo rompimento de um aneurisma cerebral. Felizmente, sem maiores sequelas, mas nem sempre é assim.

A mesma sorte teve a paranaense Ilisangela Ribeiro, em 2005, quando trabalhava como empregada doméstica em Portugal. Depois de um dia de serviço, sentiu fortes dores de cabeça em casa e ligou para o marido, que chegou a tempo de socorrê-la. Era também um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico.

Hetty e Ilisangela passaram pelos procedimentos disponíveis na ocasião em que sofreram os derrames. Mas o que une essas duas mulheres agora é que elas receberam há poucas semanas um novo tratamento que muda suas perspectivas de vida. Seus casos se enquadravam entre os aneurismas grandes (com mais de 10 milímetros de diâmetro) ou gigantes (com mais de 25 mm) para os quais não havia solução definitiva. Mais de 80% dos aneurismas gigantes se rompem novamente em até cinco anos, levando à morte do paciente.

Um novo dispositivo, chamado Pipeline (que, em inglês, significa tubulação), composto por uma finíssima malha de ligas metálicas (cromo, cobalto e tungstênio), é implantado sem cirurgia na artéria cerebral, desviando o fluxo sanguíneo de volta para seu curso natural e esvaziando o aneurisma.

Para entender o processo, imagine que as artérias que irrigam o cérebro são como uma rede de tubulações. Em algumas pessoas, a pressão do sangue batendo nas curvas desses tubos vai tornando a parede da artéria cada vez mais fina, até que esse pedaço se transforme em uma bolha (aneurisma), que vai enchendo de sangue e crescendo até romper. Isso é o derrame, ou AVC hemorrágico, que, em grande parte dos casos leva à invalidez ou à morte.

A técnica mais antiga ainda em uso para tratar um aneurisma cerebral é a cirurgia para implantação de um clipe na base do aneurisma. Mas, além de maior risco pela manipulação do cérebro e da recuperação mais lenta, esse procedimento não pode ser feito em aneurismas localizados em artérias de difícil acesso manual.

Nos últimos anos, passou-se a adotar mais frequentemente a técnica da embolização, que consiste em preencher o aneurisma com micro-molas, implantadas através de um catéter, sem cirurgia. Esse procedimento tem sido eficaz na maioria dos casos, com riscos bem menores e recuperação muito rápida (apenas um dia de internação). Entretanto, nos casos de aneurismas grandes, as molas podem sair da bolha ou ser compactadas pela pressão do sangue no fundo deste saco, liberando espaço para mais circulação sanguínea e, consequentemente, provocando um novo aumento da bolha e risco de derrame.

Os aneurismas grandes e gigantes correspondem a aproximadamente 20% de todos os casos. Eles são mais comuns em mulheres (70% a 75%), com mais de 50 anos e em pacientes com histórico familiar da doença. Outros fatores de risco são obesidade, pressão alta e ser fumante.

A pernambucana Hetty se enquadrava nesse perfil. Ela passou pela implantação de molas no ano passado, mas, seis meses depois, a equipe do Dr. Carlos Abath, chefe do Departamento de Neuroradiologia Intervencionista do IMIP (Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira), de Recife, constatou que o aneurisma voltara a crescer e recorreu agora ao tratamento recém-chegado ao Brasil.

Já no caso de Ilisangela, o primeiro procedimento com molas, em Portugal, foi um sucesso, mas, de volta ao Brasil, ela descobriu, em um exame, ter outro aneurisma maior e, desta vez, a embolização não conseguiu conter o crescimento da bolha.

Ilisangela foi a primeira paciente a receber o Pipeline no Brasil. O procedimento foi feito pelo Dr. Alexander Corvello, no Hospital Santa Cruz, de Curitiba. “A vantagem deste dispositivo é ser, ao mesmo tempo, flexível o bastante para se ajustar à conformação da artéria, resistente o suficiente para desviar o fluxo sanguíneo para fora do aneurisma, e poroso para garantir que o sangue irrigue os vasos secundários ao redor da artéria”, explica Corvello, que é presidente da Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista, especialidade que realiza procedimentos endovasculares.

Depois de três a seis meses da aplicação, o Pipeline é recoberto por uma nova camada da parede da artéria, que volta ao estado anterior ao aneurisma. O dispositivo já é implantado há cinco anos nos Estados Unidos e Argentina, e há mais de dois anos na Europa. Em mais de 3 mil casos, não houve nenhuma ocorrência de sangramento do aneurisma. No Brasil, a aprovação do tratamento pelo Ministério da Saúde ocorreu em abril de 2011, mas, por enquanto, apenas alguns planos de saúde fazem a cobertura deste procedimento.

“Esse novo dispositivo muda o conceito do tratamento de aneurismas, não só para os grandes e de difícil acesso. Vale lembrar que 5% da população tem algum tipo de aneurisma cerebral, que pode apresentar sintomas ou não. O risco de hemorragia, mesmo sem sintomas, aumenta 2% a cada ano em um paciente”, diz o Dr. Paulo Passos, presidente da Sociedade Brasileira de Radiologia Neurointervencionista, que reúne os médicos especializados em procedimentos endovasculares no cérebro.

Ele foi o responsável pelo segundo procedimento com o Pipeline no Brasil, realizado no Hospital Divina Providência, de Porto Alegre. Seu paciente, um homem de 55 anos, também já havia passado por outros serviços médicos, sem obter um tratamento para um aneurisma grande e inacessível com outras técnicas. A aplicação do novo dispositivo durou pouco mais de uma hora e o paciente estava em casa dois dias depois.

Os casos de Ilisangela e Hetty foram resolvidos em 20 minutos. “Impressionante! Não acreditei que tinha passado por um procedimento no cérebro”, relata a paranaense. “A minha dor de cabeça sumiu no dia seguinte”, afirma a pernambucana. “A simplicidade é outra vantagem deste procedimento. A manipulação do dispositivo, apesar de delicada, é mais fácil, mais rápida e mais segura que outras técnicas”, ressalta o Dr. Carlos Abath, do IMIP (Recife).

“Esperamos que o SUS venha oferecer esse tratamento. Afinal, além de ser indicado para casos que não tinham solução adequada, a relação custo-benefício também é favorável para o sistema de saúde”, pondera, levando em conta a redução do tempo de internação e dos riscos aos pacientes.

No Hospital Santa Cruz, de Curitiba, Ilisangela recebe a notícia de que poderá voltar a trabalhar nos próximos dias. Hoje, aos 30 anos, ela é vigilante patrimonial numa indústria da capital paranaense. E pergunta ao Dr. Corvello: “Também vou poder, finalmente, realizar meu sonho de ser mãe?”. Diante da afirmativa do médico, ela sorri emocionada. E o médico, depois de se despedir da paciente, reflete: “Não me sinto tratando de um aneurisma, mas ajudando alguém que quer viver a criar a sua nova história de vida”.

Em Recife, Hetty planeja ter emoções ainda maiores na próxima Copa do Mundo, em 2014, que terá alguns jogos na sua cidade. “Se Deus quiser, estarei torcendo no estádio. Mas não vou levar a vuvuzela”, se diverte, com uma gostosa gargalhada.

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