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06/09/2007 - 08:49

Três sabores de protecionismo

A dependência da economia chinesa da demanda externa atinge hoje um patamar sem precedentes nas últimas três décadas. Tal dependência torna a China vulnerável ao protecionismo de mercados-chave, como dos Estados Unidos? De fato, não. Apesar da forte importância do comércio exterior, a economia chinesa é impulsionada, como sempre foi, especialmente por fatores domésticos. Ademais, o protecionismo tradicional, orientado para bens, está paulatinamente se tornando menos comum nas economias avançadas.

Este artigo analisa o impacto potencial sobre a China de três variedades de protecionismo: protecionismo tradicional, orientado aos produtores; protecionismo dirigido ao consumidor, gerado por preocupações de ordem de segurança alimentar e qualidade dos produtos; e protecionismo de investimentos. Nossa conclusão é que apenas o protecionismo de investimento tem chances de emergir com força, mas mesmo esta variedade teria, caso ocorresse, efeito limitado sobre a China.

O risco real criado pela nova dependência comercial chinesa não se refere ao protecionismo, mas a erros políticos de um governo pouco acostumado a um alto grau de interdependência entre as economias doméstica e global.

Crescimento chinês: feito em casa – Leitores freqüentemente perguntam se protecionismo comercial representa uma ameaça à economia chinesa “orientada à exportação”, e sempre dizemos que não, por três motivos. Primeiro, a economia chinesa não é orientada à exportação. Segundo, a demanda pela tradicional proteção a produtores dos países ricos está diminuindo. Terceiro, é difícil imaginar qual o impacto de qualquer legislação protecionista sobre a demanda e a produção chinesas.

Exportações têm sido claramente importantes para a China, mas por razões majoritariamente indiretas. A migração de fábricas receptoras de investimento estrangeiro para a China desde a década de 1980 resultou em transferência de muita tecnologia e know-how, e criou muito emprego. Se as fábricas de exportação fossem todas embora amanhã, a China estaria claramente em apuros. Mas estas fábricas não vão a lugar algum. Enquanto isso, como o gráfico seguinte demonstra, a contribuição direta do superávit comercial para o crescimento do PIB tem sido modesta. Na maioria dos anos entre 1991 e 2004, variou entre 10% positivos e negativos, isto é, no máximo um ponto de dez do crescimento real do PIB de um ano típico. As grandes exceções, 1997 e 1999, foram aberrações. O ano de 1999 foi o resultado do insustentável boom de investimentos do começo dos anos 90, que terminou com uma acentuada contração da liquidez e colapso nas importações. Houve também um efeito exagerado sobre as estatísticas causado pelo contrabando desenfreado, que teve auge em 1997 e fez o superávit comercial aparentar ser maior do que realmente fora. Dois anos depois, em 1999, após grande investigação, as importações clandestinas começaram a aparecer novamente em dados oficiais – em um ano no qual o crescimento das exportações fora particularmente fraco graças à perda de mercado para os países que haviam desvalorizado severamente suas moedas na crise asiática. Essa correção cancelou o superávit gigantesco de dois anos antes, e pelos cinco anos seguintes a contribuição do comércio exterior permaneceu dentro dos parâmetros históricos.

Algo novo – O padrão mudou abruptamente em 2005. Desde então, a cada ano as exportações líquidas têm respondido por cerca de 20% do crescimento do PIB – ou dois pontos de cada dez. O maior risco dessa alteração, sob nossa ótica, não se refere às implicações de um ato protecionista estrangeiro, mas à criação de novas possibilidades de erros de política doméstica. Isso será tratado mais extensamente no final do artigo. Por ora, atentemos para a figura 2, que ilustra o crescimento das exportações e importações em contraste com o superávit comercial. Análise atenta mostra que os picos do superávit coincidem com as quedas do crescimento das importações e vice-versa: o superávit comercial encolhe quando o crescimento das importações acelera. A correlação com o crescimento das exportações é consideravelmente mais fraca. A atual explosão do superávit começou em 2005, ano no qual o crescimento das exportações caiu – mas no qual o crescimento das importações caiu ainda mais.

A implicação é óbvia. O superávit comercial chinês é função, muito mais, das variações no crescimento das importações – em função das mudanças na estrutura da demanda doméstica – do que de fatores externos. Os maiores contribuintes ao superávit dos dois últimos anos são intermediários industriais (como aço) e bens de capital, nos dois casos produtos nos quais a China tem desenvolvido extensa capacidade doméstica de substituir importações (ver figura 3). No improvável caso da imposição de tarifas por países ricos, estrangulando as exportações dos excedentes de produtos metalúrgicos e maquinários – improvável porque grande parte dessas exportações tem por destino países de renda baixa e média, não os EUA e Europa –, o que aconteceria? Os produtores chineses menos eficientes seriam tirados do mercado, e as indústrias seriam consolidadas pelos produtores mais eficientes (como a Baosteel). A demanda por estes produtos e o crescimento chinês de maneira mais ampla não seriam afetados.

Não porá a casa abaixo - Em qualquer caso, acreditamos que apesar de todo o soprar e bufar em andamento no Capitólio, medidas sérias de proteção comercial provavelmente não estão por emergir. A razão básica é que não se pode extrair votos disto. Como a figura 4 mostra, o emprego no setor manufatureiro nos Estados Unidos tem declinado, enquanto porção do emprego não-rural, desde o final da Segunda Guerra Mundial em um ritmo regular de aproximadamente quatro pontos percentuais por década. Em termos absolutos, o emprego em manufaturas declinou, um tanto menos regularmente, de um auge de 19 milhões em 1979 para cerca de 14 milhões hoje.

A realidade é tal que a maioria da força de trabalho norte-americana não está exposta ao risco de perda de empregos por competição com a Ásia. Ademais, um grande contingente de empresas americanas está agora bem estabelecido na China e ganhando uma bela quantia de dinheiro lá. Em ambos os sentidos, a situação difere notavelmente da relação entre EUA e Japão no início dos anos 80, quando corporações escleróticas americanas enfrentavam severa pressão de um país cujo mercado elas eram incapazes de penetrar, e quando o número absoluto de empregos em manufatura nos EUA (então equivalente a quase um quarto do emprego total no país) estava apenas começando seu primeiro declínio de longo prazo. Naquele período, havia ganhos políticos significativos a serem extraídos de medidas comerciais contra o Japão; resultados incluíram (praticamente inúteis) restrições quantitativas impostas sobre exportações japonesas e o Acordo Plaza de 1985 para fortalecimento do iene. Hoje, líderes democratas hábeis tentando forjar uma maioria no governo, capaz de manter-se no longo prazo, têm poucos incentivos para apostar seus futuros em protecionismo old-style. Populismo protecionista será uma ferramenta eleitoreira útil entre agora e a próxima eleição presidencial, mas não será uma característica da política de governo mesmo sob administração democrata.

Os indesejáveis - No segundo trimestre, um ingrediente inesperado foi adicionado ao caldeirão comercial: sustos sobre a segurança de produtos chineses. Produtores chineses têm exportado remédios contaminados com etileno glicol venenoso, ração animal batizada com melanina, e brinquedos cobertos de tinta com altas concentrações de chumbo. Tais eventos colocaram em dúvida a capacidade chinesa de exportar para mercados ricos, o que, na prática, parece improvável. O verdadeiro problema, que já foi reconhecido como tal pelos altos escalões da mídia americana, é o estrangulamento por parte do Governo Bush de agências regulatórias importantes, tais quais a Administração de Alimentos e Drogas (Food and Drug Administration, FDA) e a Comissão de Segurança de Bens de Consumo (Consumer Products Safety Comission, CPSC), tornando impossível para estas o exercício efetivo de supervisão de produtos, quer domésticos quer importados. Melhor monitoramento deve resolver o problema, com pouco impacto no fluxo de mercadorias.

O alarme soado por esta situação é mais significativo por sua dimensão política. Ele marca a China como fonte de perigo, fortalecendo a escola paranóica da “segurança nacional”, que mantém a China como uma ameaça econômica, política e militar aos Estados Unidos. Uma possível conseqüência econômica da emergência dessa escola paranóica é um terceiro sabor de protecionismo: limites ao investimento chinês nos Estados Unidos. Isso poderia se tornar parte de um esforço mais amplo de países ricos voltado à prevenção de fluxos de investimento direto de firmas com origem em países “indesejáveis”, tais como China, Rússia e autocracias petrolíferas do Oriente Médio.

A geração de imensos – e aparentemente intermináveis – superávits de conta corrente nestes países “indesejáveis” significa que grandes fluxos de investimento advindos destes para os países ricos são inevitáveis. Sinais de resistência já têm aparecido nos Estados Unidos. Primeiro, em 2005, houve a ácida reação congressional à proposta da estatal petrolífera chinesa CNOOC de aquisição majoritária da Unocal (que foi rejeitada) e da aquisição de ativos portuários por parte da Dubai Ports, por meio da compra da P&O (que resultou no desinvestimento desses ativos). Na semana passada, assistimos a um desenrolar potencialmente negativo desse mesmo tema: a aprovação de legislação fortalecendo o Comitê para Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS, na sigla em inglês). O CFIUS, que tem por responsabilidade a avaliação dos impactos de investimentos estrangeiros sobre a segurança nacional do país, foi criado em 1988 em reação à invasão de investimentos japoneses; a maré japonesa recuou pouco depois e o comitê caiu na obscuridade. A nova legislação coloca o comitê de volta à atividade, ampliando seu escopo de atuação de forma a incluir grandes ativos do setor de energia e quaisquer “sistemas e ativos, virtuais ou físicos” considerados vitais à segurança nacional do país. A CFIUS não pode bloquear uma transação, mas pode torná-la tão difícil para as partes que elas podem desistir.

Quão resistentes os EUA se provarão aos investimentos dos “indesejáveis” não é certo. Americanos nos anos 80 detestavam a idéia de um takeover japonês, mas ficaram contentes, nos anos 90, com a realidade das fábricas de automóveis de controle japonês. A CNOOC foi afastada da Unocal, que não possuía presença no atacado americano; mas a russa Lukoil comprou a petrolífera de segundo nível Getty, e pôs seu nome em todos os antigos postos de gasolina Getty, com nenhuma reação negativa aparente por parte do consumidor. Talvez após uma década, mais ou menos, para se acostumar com a idéia, os americanos consigam aturar investimentos chineses também.

No fim das contas – Para resumir: protecionismos tradicionais relativos a bens têm demanda em erosão nos EUA e não impõem ameaça significativa à economia chinesa. Acreditamos que, salvo alguma diferença, o mesmo é válido também para a Europa. Protecionismo de investimento é um problema mais sério, mas o desenvolvimento de restrições ao fluxo internacional de capitais será lento e a economia da China, que tem por propulsor majoritário a demanda doméstica, não seria necessariamente tão prejudicada. A questão mais importante é que a proteção contra investimentos, precipitada em parte pela emergência da China na economia global poderia levar à adoção de políticas inconseqüentes pelos países ricos, desacelerando o crescimento global. Isso é preocupante, mas ainda há tempo de sobra para que o bom senso prevaleça. Protecionismo não será, portanto, um fator significante para os próximos três a cinco anos da economia chinesa. Sugerimos que a questão correta a ser levantada pela dependência comercial chinesa não é se isso a torna mais vulnerável a protecionismos, mas se as novas regras do jogo macroeconômico aumentam os riscos de erros por parte do governo chinês. Como notado acima, de 1978 a 2004, tomadores de decisão na política econômica chinesa puderam se dar ao luxo de praticamente ignorar o resto do mundo. Agora, com dois de cada dez pontos do crescimento do PIB advindo da balança comercial, políticas precisam ser mais sensíveis a variações na demanda global. Com um número maior de variáveis e um instrumental macroeconômico moderadamente rudimentar, o risco de erros claramente aumentou.

Até agora os sinais são razoavelmente benignos. Nossas previsões sugerem que, apesar de alta, a dependência sobre a balança comercial está decrescendo lentamente (de 21% do crescimento do PIB em 2005, para 19% no ano de 2007). Esse processo deve ser auxiliado pelas extensas reduções das restituições de impostos sobre valor agregado para exportação, que entraram em funcionamento em primeiro de julho de 2007. Tais reduções – que equivalem a um aumento de impostos sobre a exportação – são dirigidas especialmente à parte menos sustentável do superávit comercial chinês: produtos de aço e ferro de baixo valor agregado, e produtos de baixo preço como têxteis, calçados e plásticos, nos quais a China já perde competitividade de qualquer forma. Outras políticas em andamento são a gradual apreciação do renminbi em relação ao dólar, política monetária levemente mais rígida, e esforços para incentivar o consumo.

Dado um ambiente externo estável, esse coquetel de políticas deve contribuir para, ao longo dos próximos anos, um acréscimo moderado no consumo, uma queda modesta na taxa de investimento e uma desaceleração do crescimento do superávit comercial. A dependência sobre a balança comercial cairá cerca de 10%, e a vulnerabilidade do país a choques externos será reduzida. Um problema poderá surgir, no entanto, se um choque externo (recessão global ou crise financeira) aparecer mais cedo do que tarde, atrapalhando os planos cuidadosos da China. Esta sofreria menos que seus vizinhos asiáticos, que dependem muito mais da demanda externa. Mas tal choque poderia acionar uma reação política exagerada: provavelmente uma expansão monetária excessivamente agressiva e inflacionária para contrabalancear a perda de demanda externa. Nós avaliamos a probabilidade de um erro desse tipo em menos de um em cinco. Mas Pequim ainda há de provar conclusivamente que pode administrar uma economia globalmente integrada tão bem quanto administrou uma economia autárquica.

. Por: Artur Kroeber2 -© Dragonomics Research & Advisory | CEBC

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