Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

31/01/2012 - 12:18

Próximos capítulos da corrida à Casa Branca

O tema central da corrida presidencial nos Estados Unidos (EUA) é a crise econômica que assola aquele país desde 2008. Mais do que discussões no pleito da maior economia do mundo, o que está em xeque é a própria capacidade de sobrevivência do sistema econômico mundial na forma como está estruturado após o fim de Bretton-Woods. O próprio Fórum Econômico Mundial em Davos discute a necessidade de profundas mudanças no capitalismo, algo impensável há cinco anos.

A origem da crise está no que é conhecido em Economia como “lei da escassez”: os recursos têm limite, logo, a alocação desses recursos está sujeita a restrições. Parece estranho falar em escassez no momento em que cada vez mais bens de consumo estão à nossa disposição. Só para usar o exemplo do Brasil, há quinze anos o maior problema alimentar era a desnutrição; hoje, é a obesidade. Nos EUA, a meca da fartura, o número de milionários e bilionários aumentou significativamente nos últimos vinte anos. Então, como é possível falar em escassez?

A resposta é simples e até óbvia: só há multimilionários nos EUA porque há pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza na África, Ásia e na América Latina. Os recursos naturais chegam baratos às fábricas hoje instaladas principalmente na China e Índia, para depois chegarem – também baratos – na forma de bens de consumo aos países ricos. Na origem desta “pechincha” está a degradação do meio ambiente, primeiro na extração dos recursos naturais para a obtenção de matérias-primas, passando pela poluição causada pelo processo de produção, até o depósito dos resíduos do ato do consumo. Portanto, a “lei da escassez” hoje pode ser resumida na seguinte frase: concentração de riqueza e renda de um lado, devastação do meio ambiente de outro.

Mesmo no paraíso do consumismo, nos EUA, o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou consideravelmente nos últimos anos. A ponto de os próprios estadunidenses começarem a questionar o sistema capitalista e a legitimidade de tanta opulência em meio à crescente pauperização. E, principalmente, questionar o porquê de trilhões de dólares pagos pelos contribuintes terem sido usados para salvar banqueiros e demais agentes do sistema financeiro, que operavam acima do limite da razoabilidade, beirando e, às vezes, ultrapassando a ilegalidade. É essa percepção que explica o movimento “Ocupe Wall Street”, talvez a mais intensa manifestação popular nos EUA desde os protestos contra a Guerra do Vietnã no final da década de 1960.

Obama foi eleito em 2008 como a grande esperança de corrigir essas distorções. E também como o oposto daquilo que representou a sombria “Era Bush” de intensificação da economia de guerra, manipulação de relatórios científicos sobre a degradação do meio ambiente, além da condução de algumas políticas sociais baseadas em preceitos religiosos, como a inacreditável “abstinência” para combater doenças sexualmente transmissíveis e evitar a gravidez precoce. Curiosamente, apesar de tantos malefícios advindos da Era Bush, as benesses aos mais ricos e ônus à classe média americana são os temas que passaram a ser o foco do eleitorado nos EUA.

Mitt Romney, um dos prováveis candidatos republicanos à presidência dos EUA, terá uma tarefa difícil, senão impossível: como justificar a manutenção dos privilégios aos multimilionários, que pagam impostos proporcionalmente muito menores do que a classe média estadunidense. Ele mesmo, Romney, tem uma fortuna estimada em US$250 milhões. O principal oponente a Romney, o também milionário Newt Gingrich, recentemente declarou que pagou 15,4% de imposto de renda, razão pela qual classifica como “estúpida” a acertada proposta de Barack Obama de aumentar os impostos aos mais ricos. É o que nós, brasileiros, conhecemos como “advogar em causa própria”, hábito corriqueiro dos políticos tupiniquins.

O fato é que a solução para a crise do sistema econômico mundial passa necessariamente pela quebra de dois tabus. O primeiro é exatamente o aumento das alíquotas de imposto de renda para as classes mais ricas. Afinal, estas são sempre beneficiadas pelo uso do solo e de outros recursos naturais, da força de trabalho e pelas vantagens sociais e políticas oferecidas pelos respectivos países – sejam eles quais forem. Em toda a história da humanidade, as classes mais ricas contribuíram proporcionalmente menos do que as mais pobres. Agora, é chegada a hora de os mais ricos oferecerem maior cota de contribuição. Diga-se de passagem: continuarão multimilionários, apenas contribuirão mais.

O segundo tabu é o uso mais efetivo das políticas fiscais para solucionar problemas estruturais, como aquecimento global, poluição e uso de fontes renováveis de obtenção de energia. E talvez a quebra desse tabu passe pela constituição de empresas estatais destinadas a programas como resíduo zero e reciclagem total, geração de energia eólica e solar e otimização de transportes coletivos de massa para minimizar as emissões dos gases de efeito-estufa.

Por absurda que possa soar a ideia, é bom lembrar que a NASA é uma empresa estatal. Não fosse pela constituição da NASA, os EUA certamente teriam perdido a corrida espacial e o mundo talvez não tivesse bens de consumo hoje comuns, desde alguns eletrodomésticos, passando por óculos de sol, até a própria internet. À época, nenhum investidor se arriscaria em um empreendimento do tamanho da NASA: os riscos eram altos e os ganhos, além de incertos, não possibilitavam o retorno sobre o investimento em intervalo de tempo satisfatório. Assim como hoje são altos os riscos e baixos os retornos sobre qualquer “investimento verde” – daí a necessidade de o Estado ocupar esse espaço. Lembrando que os empregos gerados por empreendimentos dessa natureza poderiam tirar a economia dos EUA e da Europa da estagnação.

É pouco provável que a quebra do segundo tabu seja tema dos próximos capítulos da corrida à Casa Branca. Mas o primeiro definitivamente entrou na pauta. Obama inteligentemente tocou em uma questão que aflige o eleitor norte-americano mais do que qualquer coisa: o bolso. A classe média estadunidense começa a se perguntar: por que eu tenho de pagar por todos os erros cometidos por Wall Street? E, principalmente: por que Wall Street não pode pagar mais? Pode ser o início de uma mudança no sistema econômico mundial, a grande transformação que se torna cada vez mais urgente.

.Por: Fabrício Pessato Ferreira – mestre em Economia e coordenador dos cursos de Ciências Contábeis e Gestão Financeira da Veris Faculdades – Grupo Ibmec Educacional.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira