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07/03/2012 - 11:30

Depressão pós-parto: desvendando as dores de ser mãe


Não por acaso a expressão “dar à luz” é carregada de múltiplos significados. Ao analisarmos a origem da expressão – ou o significado oculto do termo –, podemos trazer à tona possibilidades psiquícas, inclusive, a que associa o ato à saída da luz do útero materno, deixando o interior da mãe sombrio. Esta primeira versão de dar à luz condiz com a dor que sentimos quando algo sai de dentro de nós, seja psiquicamente ou emocionalmente. É comum dizer, quando o amor acabou, que nos sentimos como se algo tivesse sido arrancado de nós. Assim, dar à luz alude a perdas que uma mulher tem ao parir. Quando o bebê sai de dentro da mãe, ela perde o status de grávida – por mais pesada que a barriga seja, estar grávida é uma maneira privilegiada de vivenciar a existência. A percepção da gestante, no olhar dos outros, é a de uma mulher revestida de ternura, cuidado, admiração e esperança. A gestante carrega dentro do útero o futuro!

Diante da idealização da maternidade, notícias sobre mães que atentam contra a vida de seus próprios filhos chocam muito a sociedade. Recentemente, a mídia noticiou um caso sobre uma mãe que colocou veneno para carrapato na mamadeira do filho; há, ainda, uma infinidade de matérias jornalísticas sobre mães que abandonam os seus rebentos em latas de lixo, supermercados, em rios. A despeito de todo horror que essas atitudes possam causar, cabe uma reflexão apurada sobre o tema. O resultado da compreensão das reais causas da depressão pós-parto nos auxilia a identificar até que ponto o quadro depressivo é capaz de interferir em situações dramáticas como essas. A informação nos oferece uma visão real e crítica sobre essa doença que é tão contemporânea. Um estudo conduzido pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) – em parceria com outras universidades brasileiras; financiado pela Fapesp e pelo CNPq – apontou que 27,55% das mães usuárias do sistema público de saúde de São Paulo apresentaram o problema. Entre as dos hospitais particulares, 7% registraram a doença.

Ao dar à luz, o fato de não ser mais vista como uma grávida pelos olhos alheios leva algumas mulheres a perderem a alegria da expectativa do nascimento. Esperar é uma palavra relacionada à esperança; quando nasce um bebê, a esperança do nascimento desmancha-se. Em vez disso, a parturiente entra em contato com a difícil realidade de cuidar das necessidades de um recém-nascido. Quando o nenê ainda estava dentro da barriga, a própria existência da futura mamãe garantia todas as necessidades do bebê: oxigenação, alimentação, bem-estar. A condição de gestante era suficiente para a vida que carregava em si; a gestante sentia a sua potência à flor da pele, porque a mulher grávida sente-se poderosa. Ao engravidar, ela confirmou que possui capacidade e recursos para a reprodução; para a manutenção do bebê dentro de si.

Embora não se aborde muito esse tema, o nascimento de um bebê não transforma automaticamente uma mulher em uma mãe; não há um passe de mágica para isso. Dar à luz lança a mulher em uma existência complexa. E o que acontece? O bebê chora e a mãe não dá conta de decifrar esse choro; ela cai do estado de onipotência – suficiente e capaz de lidar com as demandas da gestação – para a de impotência. Por que? Em sua imaginação, essa mulher idealizou ser uma mãe maravilhosa e ter um filhinho perfeito. Essa idealização confronta-se com a realidade de um bebê normal, ou seja, um bebê que chora, acorda a mãe e muitas vezes machuca o seio materno ao mamar. Na fantasia prévia ao nascimento, a mãe, por sua vez, teria muita calma; seria paciente; estaria sempre disponível. No mundo real, ela perde a calma, fica nervosa e, muitas vezes, não está disponível. É por isso que o bebê faz, por inúmeras vezes, com que a mãe se sinta péssima consigo mesma. Ao mesmo tempo, ela tem sentimentos negativos em relação ao bebê, por fazê-la sentir-se dessa forma.

O ato de dar à luz faz com que a mulher tenha contato com questões complexas apresentadas bem antes do tempo necessário para maturar a ideia do existir para outro – além do viver para si. De uma hora para outra, “ser, existir e viver para si mesma” não faz mais sentido; a mãe precisa se doar para outro ser, que inicialmente é um pequeno desconhecido que chora, exige e cobra. Talvez as leitoras fiquem abaladas com o termo “pequeno desconhecido”, então vou me explicar melhor… O amor entre uma mãe e o seu bebê é construído no dia a dia – requer tempo, porque amar é um processo de construção. A recém-mãe precisa se doar para um bebezinho pequenino que pode até ser fofo, mas ela ainda não desenvolveu a capacidade de amá-lo tanto quanto o necessário. Essa existência faz com que se sinta pressionada; este recém-nascido a acusa sem palavras, de uma forma bem mais intensa, por meio da comunicação emocional. Esta mulher que deu à vida é péssima pessoa quando não atende as necessidades. E, meu Deus, como é difícil atender as necessidades de um recém-nascido!

Um recém-nascido chora porque tudo é novo, assustador e difícil. Antes de nascer vivia dentro da barriga da mamãe, na água quentinha e gostosa; não sentia fome, frio ou calor; não precisava respirar. Suas necessidades eram atendidas antes de as perceber. Agora, os pequeninos órgãos precisam se adaptar à nova e dura realidade da vida. O intestino necessita evacuar, o estômago digerir, o pulmão respirar. O bebê antes de nascer estava totalmente imerso no líquido amniótico, por isso não conhecia os limites do eu; não precisava lidar com fronteiras porque bebê-mamãe eram um só. Quanto sofrimento é nascer! O choro desesperado muitas vezes conta a história do medo e do profundo desamparo que cada recém-nascido vive – com maior ou menor intensidade. Um recém-nascido sofre com a constante sensação de estar caindo em um abismo – daí o reflexo de Moro. E nem sempre quando a mãe o pega no colo, em uma desesperada tentativa de juntar-lhe os pedaços, ela consegue, porque os próprios pedaços da recém-mãe também estão desconjuntados. Ela precisa aprender a viver como mãe, da mesma maneira que o bebê necessita aprender a viver.

Parece que trago tudo isto à baila para piorar a situação que já não está fácil quando se vive a depressão pós-parto – ou algo parecido com ela. Mas, na realidade, trago estas ideias à consciência com a intenção expor um panorama amplo desse processo que, embora natural, é árduo e penoso para a recém-mãe. Assim como foi para avós, bisavós…

Quando a mulher se torna mãe, pode vir à tona o resgate do próprio abandono e a necessidade de vingança – a mulher tende a reviver as tragédias pessoais da fase de quando foi um bebê. Por essa razão, defendo que a saúde pública deve se preocupar em oferecer apoio psicológico às recém-mamães; esse serviço é tão necessário quanto o pré-natal ou quanto um médico para realizar o parto. Sem sustentação psicológica, as mães não encontram forças para sustentar a constituição física, emocional e psicológica saudável de seus bebês – e acabam cometendo crimes contra os rebentos ou criam pessoas que futuramente possam cometer graves delitos contra os próprios filhos. Ou seja, um círculo vicioso formado de negligências e maus tratos transmitidos de geração para geração, porque é muito difícil dar o que não se recebeu.

Os jornais divulgam o resultado dos atos de mães que deixaram o ódio tomar conta por falta de amparo psíquico e emocional; por falta do registro de uma boa mãe que cuidasse delas com amor quando eram apenas inocentes bebês. Ressalto que o vilão dos atentados cometidos pelas mães contra os próprios bebês é o sofrimento da recém-mamãe – e é esse aspecto que tem recebido pouca atenção dos profissionais de saúde, dos órgãos de saúde pública e da própria mídia. Afinal, como diz com grande sabedoria o cantor e compositor Chico Buarque de Holanda: (…) “A dor da gente não sai no jornal”.

.Por: Léa Michaan, psicoterapeuta e psicanalista Léa Michaan nasceu em 1965, na cidade de Porto Alegre (RS). Residiu em Israel, Nova York, Rio de Janeiro e, atualmente, mora em São Paulo. Lastreada pela vasta experiência clínica, a especialista assina artigos em publicações especializadas em Psicologia e ministra palestras em todo o Brasil. Léa Michaan atuou como professora de Hebraico e foi coordenadora do “Atelier Judaico” – escola de educação não formal, destinada a ensinar as tradições judaicas e o alfabeto hebraico para crianças. Como psicoterapeuta, atendeu meninas-mães assistidas por uma instituição paulistana. Atende em consultório particular em São Paulo. Autora do livro Maly, lançado pela Primavera Editorial, a especialista mantém o blog: http://psicologaresponde.wordpress.com

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