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22/09/2007 - 11:34

Patrimônio líquido nacional

No artigo anterior falamos sobre "A magia dos números", que possibilita aos governos colorirem do modo que lhes convenha a imagem sócio-econômica do País. A mudança de critério de cálculos -especialmente do PIB - sem a transparência que possibilitaria, pela análise comparada, ver a inclusão de variáveis nem sempre consistentes ou justificáveis, bem como a modificação ou exclusão de dados da fria realidade e tantos outros recursos facilitam a criação de cenários customizados. Um mínimo de seriedade seria, por razoável período, publicar os resultados pelos dois critérios: novo e antigo.

Ao Governo e aos políticos afinados interessam os dados que impulsionem sua presença, se possível fosse eterna, no comando do País. Porém, mais sensato seria a estruturação de dados e a construção de cenários realistas, fundamentados na consistência, na transparência e na ética. Para um governo honesto, consciente e capaz não seria difícil levar as empresas, os cidadãos e a sociedade a entenderem quando a realidade se apresentasse menos favorável, pois existiria confiança e não se desconhece a presença dos ciclos e dos desafios emergentes.

Muitas vezes o governo credita-se pelo mérito do crescimento interno gerado pelas demandas do crescimento externo ou pela brutal exaustão dos recursos naturais. Às vezes até associados esses dois fatores como nas atuais circunstâncias da economia brasileira. Aliás, o Brasil, desde seu descobrimento, tem sido um celeiro mineral do mundo. Antes foi o ouro, depois a prata, mais tarde o carvão, o petróleo, o ferro, o chumbo, o tungstênio, outros minerais e as florestas.

Incutida a mentalidade de que "recursos não são riquezas"(**), estimula-se, para suprir os mercados demandantes e fazer caixa ou número, a exploração até irracional dessas reservas que, na realidade, também pertencem às gerações futuras. Ampliando as exportações, elas melhoram a posição das estatísticas nacionais, o que é bom. Também enriquecem empresas ou grupos, o que também não seria ruim.

Todavia, num balanço imparcial, deveríamos analisar também o lado negativo. Não sendo renováveis, a exploração irracional e desenfreada desses recursos pode levar à exaustão e, com frequência, deixando a poluição, a paisagem fantasma e trabalhadores enfermos sem o desenvolvimento da região e da sociedade. Desfrutamos e deixamos a conta a pagar para as gerações futuras.

Como bem demonstrou o Instituto Blacksmith, verifica-se que os lugares mais poluídos do mundo situam-se nas regiões de mineração. Assim, tendo, de um lado a pressão da demanda comercial de extração/exaustão desses recursos e, de outro, a necessidade de converter recurso em riqueza, com responsabilidade social e respeito às gerações futuras, deveriam os governantes praticar a geopolítica e a geoestratégia, o que obrigaria a pensar também no horizonte em longo prazo. Ingenuidades e/ou irresponsabilidades atuais serão severamente punidas no futuro.

Não é gratuito que, depois de Portugal, da Inglaterra e dos Estados Unidos, da França, hoje a China e a Índia estejam desesperadas em busca de territórios minerais ingênuos. Cabe, então, aqui ressaltar a importância do objetivo deste artigo, ao tratar do Patrimônio líquido nacional ou soberano.

A idéia, lançada pelo Fundo Monetário Internacional no início deste século, prevê que as contas nacionais transcendam ao simples apanhado de receitas e despesas, isto é, as contas diferenciais da contabilidade convencional. Sugere, então, que se criem também as contas integrais do ativo e do passivo, como numa empresa.

Evidentemente, neste ativo teríamos, além das contas do disponível e realizável, as contas do imobilizado. sem entrar nos detalhas do plano de contas, teriam destaque as contas do patrimônio construído e do patrimônio naturaL.

Do Patrimônio natural constaria o valor desses recursos naturais claramente identificados e dimensionados. Estes, à medida que fossem sendo explorados, seriam baixados, reduzindo o valor dos recursos naturais, se esses valores não forem convertidos em outras contas - do Ativo construído, por exemplo -, representariam, então, uma redução do patrimônio público. Logo, não são recursos gratuitos aos exploradores minerais, sejam internos ou externos. Quem ganha e quem paga por essa redução do patrimônio público?

Sem entrar no mérito se a exploração de recursos naturais deve ou não ser privatizada, com base nesses conceitos, é racional que: a) São necessários critérios especiais que compensem/ remunerem a união pela exaustão; b) Os valores exauridos sejam baixados nos demonstrativos de desempenho do governo. Assim, se consideradas essas ponderações, verificar-se-ia que grande parte do que se considerou crescimento do País foi, na realidade, brutal exploração dos recursos naturais sem qualquer contabilização no balanço público.

Cabe ressaltar que, na maioria, além de explorados de forma privada, até bem pouco tempo, esses recursos eram exportados "in natura" ou semi-elaborados a preços irrisórios, tanto é que em 2004 houve aumento de preço de 71%, de 2005 a 2006 105% e continuam sendo exportados. Para o próximo ano é esperado reajuste de 30%. Então, exauríamos brutalmente as reservas sem justa compensação. Para os mineradores, que não tinham custo da matéria-prima, mesmo a baixo preço eram rentáveis. Reajustados, trarão lucros extraordinários aos cofres públicos ou privados?

Seríamos contra a privatização? Não. Não é isto que pensamos. Entendemos que o setor privado deve ser um importante parceiro do desenvolvimento do País. Mas, nesses casos especiais de recursos naturais não renováveis, são necessários critérios e normas que conduzam à exploração com responsabilidade, alinhada aos interesses da nação e da sociedade atual e futura, não devendo, em hipótese alguma, pressa para exauri-los. Não se deveria confundir a remuneração desses recur-sos naturais com carga tributária, que está em dimensão intolerável para as empresas e para os cida-dãos. Aqui são matérias-primas que vão do patrimônio público para o patrimônio privado.

Encontrar uma metodologia operacional segura e confiável para estruturar o patrimônio líquido nacional isento de interesses particulares é um desafio. mas é um desafio valioso. Para aceitar melhor essas idéias, a sugestão aos discordantes é fazer uma visita às regiões mineiradas exauridas, principalmente em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, ver a paisagem e falar com os residentes conhecedores do assunto e perceber a realidade. Com certeza aí só concordariam exaurir esse patrimônio em troca de um desenvolvimento sustentável da região e da sociedade, o que é, na realidade, um brutal desafio. Fora disso é apropriação indébita dos bens das gerações futuras.

Não desejamos retrocessos no processo de crescimento. Mas desejamos que vá além do simples crescimento e ingresse no conceito responsável de desenvolvimento, bem definido por Rostow, W.W.: "Desenvolvimento é um processo inédito e irreversível de mudança social, através do qual se instaura numa região um mecanismo endógeno de crescimento econômico cumulativo e diferenciado".

. Por: Humberto Dalsasso, economista, consultor empresarial de Alta Gestão/Cofecon

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