Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

25/04/2012 - 10:10

Encontro fortuito de provas em interceptação telefônica

Ao contrário das alegações feitas pelos advogados do empresário Carlinhos Cachoeira, a Operação Monte Carlo dispõe de inteira idoneidade e as provas coletadas por meio de interceptações telefônicas são lícitas, ainda que tenham, fortuitamente, revelado diálogos com parlamentares.

Em um cenário em que a criminalidade - crescentemente complexa e organizada- conta, muitas vezes, com a participação de membros do Poder Público para influenciar e direcionar políticas e recursos públicos ao serviço de atividades ilícitas, exige-se dos órgãos responsáveis pela persecução penal expertise, ao menos, equivalente, a fim de gerar resposta estatal proporcional à gravidade dos ilícitos perpetrados.

Daí a importância de medidas como as interceptações telefônicas e as quebras de sigilo bancário e fiscal. Tais sigilos, de cunho constitucional, uma vez cumpridos os requisitos legais, não podem ser invocados como escusa ou forma de garantir a liberdade daqueles que praticam condutas ilícitas e desestabilizam a ordem pública. É a própria Constituição que autoriza a limitação da intimidade nesses casos.

A interceptação telefônica é, pois, indispensável instrumento para a obtenção de provas, no curso de inquérito ou de processo penal. Presta-se, principalmente, a partir de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, a revelar o modus operandi e as diversas ramificações de um grupo criminoso. Não raras vezes, é possível que se tome conhecimento de fatos distintos daqueles que deram ensejo a decretação judicial da medida e que, em princípio, não se encontram conexos com o objeto do trabalho investigativo. É o chamado fenômeno da serendipidade (do Inglês Serendipity, “acidente feliz” ou “agradável surpresa”) ou encontro fortuito.

Essas descobertas fortuitas são admitidas – amplamente na jurisprudência, na doutrina e no direito comparado – como fonte de prova, aptas a ensejar o início de um trabalho investigativo. Ou seja, novos indícios criminosos advindos do curso de determinada investigação podem ser utilizados pela autoridade competente para subsidiar futura ação penal.

O Supremo, inclusive, já chancelou a validade de provas ou indícios fortuitamente encontrados.

“O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção1”.

Além disso, recentemente, o mesmo STF reafirmou a validade de provas fortuitamente descobertas, ainda que contra detentores de foro por prerrogativa de função:

“(…) Rechaçou-se, ainda, a alegação de invalidade da primeira interceptação telefônica. Registrou-se que, na situação em apreço, a autoridade judiciária competente teria autorizado o aludido monitoramento dos telefones de outros envolvidos em supostas irregularidades em execuções de convênios firmados entre determinada prefeitura e órgãos do governo federal. Ocorre que a impetrante teria mantido contatos, principalmente, com o secretário municipal de governo, cujo número também seria objeto da interceptação. Assim, quando das degravações das conversas, teriam sido verificadas condutas da impetrante consideradas, em princípio, eticamente duvidosas — recebimento de vantagens provenientes da prefeitura —, o que ensejara a instauração do processo administrativo disciplinar. Acresceu-se que a descoberta fortuita ou casual do possível envolvimento da impetrante não teria o condão de qualificar essa prova como ilícita (...)2”.

Fica claro, portanto, que não é franqueado ao Estado ignorar notícia de crime e que não há qualquer abuso ou intenção no conhecimento fortuito de fatos criminosos. A informação – quando não conexa ao fato investigado – será considerada como legítima notícia crime e, se for o caso, provocará nova investigação, não se tratando de prova ilícita ou derivada de ilícita.

A Operação Monte Carlo tinha por objeto a desarticulação de um esquema de máquinas de jogos, que no curso das investigações descobriu-se acobertado por uma rede de agentes de segurança pública que, em troca de propina, conferiam suporte a seu funcionamento. Ressalte-se que a investigação não se orientou para a apuração de fatos em relação aos detentores de prerrogativa de foro. No curso da interceptação das comunicações telefônicas, devidamente autorizadas, tomou-se conhecimento de fatos distintos daqueles que deram ensejo à decretação da medida e que, em princípio, não guardavam conexão com o objeto do trabalho investigativo.

Não há que se questionar, portanto, a competência do juiz federal que autorizou as escutas que flagraram fortuitamente pessoa que, por sua função, detinha prerrogativa de foro. Se a investigação dirigia-se a pessoa sem foro e, ocasionalmente, chegou-se a alguém com tal prerrogativa, esses elementos colhidos são aptos a autorizar o início de uma nova investigação, promovida, agora, pelo órgão competente para processar a autoridade supostamente envolvida.

. Por: Alexandre Camanho de Assis é procurador regional da República e presidente da ANPR [1STF - AI 626214 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010. | 2 STF - MS 28.003/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/o acórdão Min. Luiz Fuz, 8.2.2012.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira