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22/05/2012 - 18:06

Tendências, padrões e fast food

Como uma Abordagem mais leve e informal pode levar a ganhos operacionais.

Algumas pessoas associam as ações de inteligência empresarial a procedimentos formais de análise quantitativa de dados. Contudo, em muitas situações é possível conseguir resultados expressivos por meio de abordagens mais “leves”. Para ilustrar esse fato, relato uma experiência ocorrida no final da década de 80 no abastecimento de açúcar cristal em uma refinaria de açúcar na cidade de São Paulo.

O açúcar cristal, embalado em sacos de 50 kg, saía de usinas no interior do Estado em caminhões e carretas contratados pela refinaria. A carga era pesada na saída e na entrada da usina, quando era descarregada. Por vezes, ocorriam diferenças entre as duas pesagens e o responsável pelo abastecimento tinha de identificar quem era o responsável: a usina ou o transportador. Para tanto, ele se trancava em uma sala com os relatórios impressos tentando identificar padrões nos desvios. Veículos ou usinas com desvios frequentes eram considerados os responsáveis pelas diferenças encontradas. Isso, é claro, gerava reclamações tanto de usineiros como transportadores, já que a subjetividade intrínseca da análise não podia ser considerada como prova para apontar as responsabilidades pelos desvios.

Ao procurar uma forma de gerar evidências pelo responsável pela diferença das pesagens (usineiro ou transportador), um estagiário propôs quê, para cada caminhão que chegasse, uma amostra de sacos de açúcar fosse pesada, o que permitiria criar um intervalo de tolerância (neste caso, o intervalo é de tolerância e não de confiança) para a carga do caminhão. Apesar de o procedimento ser correto, havia vários problemas operacionais que o estagiário ignorou. Naquela época, as pessoas, mesmo as da gerência, não eram muito afeitas a análises estatísticas de dados. Além disso, era necessário que, dentro da equipe que descarregava os caminhões, fosse introduzida uma rotina: colher amostras das cargas e pesar os sacos um a um. A rotina de trabalho da área de carga e descarga era “brutal” e a coleta e análise dos dados exigiam um certo nível de sutileza que não estava disponível. Dessa forma, a proposta do estagiário não foi implantada. Ele ficou muito chateado e na primeira oportunidade mudou de estágio.

Ninguém da gerência considerou usar certas informações disponíveis com o pessoal da operação para identificar eventuais desvios de parte da carga pelos transportadores. Em um dos três turnos, havia um encarregado da descarga dos caminhões que tinha o hábito de repreender os caminhoneiros quando percebia uma alteração na carga, como sacos que não estavam cheios ou algum vazio nas pilhas de sacos de açúcar (um sinal inequívoco de que um saco tinha sido retirado e outros arranjados para cobrir esse vazio). Esse encarregado possuía modos pouco refinados que se refletiam na forma de conversar com as pessoas. Era de conhecimento público que alguns caminhoneiros preferiam ficar um pouco mais no estacionamento, na fila para descarregamento, esperando a mudança de turno do que ter contato com ele. Havia dentro da usina um conhecimento tácito, muito eficaz, para a identificação de desvios no abastecimento da usina que não era utilizado. Esse fato ocorreu há mais de 20 anos, mas ainda existem situações desse tipo.

Para dar um exemplo pessoal, por vezes, tenho de almoçar logo e fora de hora. Por isso, em geral, acabo utilizando algum fast food. É razoável supor que a meteorologia afeta a demanda de um restaurante – poucos são os que tomam a iniciativa de pedir uma feijoada completa num dia quente de verão. Os registros históricos sobre o clima (temperatura e umidade) e as vendas (dos diferentes pratos de um restaurante) estão disponíveis, nas grandes redes de fast food. Não seria um trabalho difícil tentar construir um modelo de explicação da demanda de curto (ou curtíssimo) prazo em função do clima e continuar atendendo os clientes com a rapidez característica desse setor.

Um dias desses, entrei num fast food de massas no meio da tarde. Como era o único cliente, recebi um tratamento do atendente que não teria no horário de pico. Ele me explicou como a chuva ou a mudança na temperatura afeta os pedidos dos clientes. Quais pratos, molhos ou acompanhamentos saem mais em dias ensolarados e como a demanda aumenta quando o clima esfria. Tinha certeza que ele conhecia pouco ou quase nada de estatística e ou de análise de dados mas fiquei impressionado com a atenção dedicada ao comportamento das pessoas que atendia.

A identificação de tendências pode abrir mão de procedimentos estatísticos de análise de dados. Havendo condições para isso, a organização poderá obter ganhos significativos. Técnicas de gestão que capturem e incorporem o conhecimento implícito das pessoas aos processos de decisão podem aumentar a eficácia do atendimento. É importante conhecer, além do contexto que estamos inseridos, as características – vantagens e limitações – das diferentes abordagens disponíveis.

.Por: Renato de Oliveira Moraes, é professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) e coordenador de projetos da Fundação Vanzolini (www.vanzolini.org.br), instituição gerida por professores do departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo. Possui graduação em Engenharia de Produção e doutorado em Administração, ambos pela Universidade de São Paulo. Com 20 anos de experiência no ensino superior, na graduação leciona Estatística e Gestão de Projetos e na pós-graduação stricto sensu, Inteligência Competitiva. As áreas de interesse incluem gestão da TI, gestão da inovação e análise multivariada de dados. É vice-coordenador de dois cursos de pós-graduação lato sensu na Fundação Vanzolini: MBA em Gestão de Inteligência Competitiva e Especialização em Gestão de Projetos. contato: [email protected]

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