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22/05/2012 - 18:06

Sobre a linguagem e alguns cuidados

Chega a ser divertido como pessoas supostamente letradas podem carregar um analfabetismo científico tão profundo. Explico: pelo menos uma vez por semana na grande imprensa brasileira se invoca Albert Einstein, atribuindo-lhe frases estapafúrdias e provocando tremores em seu túmulo.

A pior delas é propagar que a Teoria da Relatividade demonstra que tudo é relativo, quando isso é justamente o que ela não diz. Einstein mostrou que as leis da Física, mais precisamente as Equações do Eletromagnetismo, são invariantes para os diversos referenciais.

Aí o articulista diz: não tenho a obrigação de saber Física. É verdade, saber Física não é tarefa das mais simples, mas um pouco de cultura geral não faz mal. Pior, usar mal e incorretamente conceitos e atribuí-los a outrem, é desonestidade intelectual.

Compreendo, entretanto, que a linguagem e o senso comum são cheios de armadilhas. Por exemplo, imagino que quando se diz, cotidianamente, que alguém é um idealista, trata-se de uma respeitosa maneira de transmitir admiração. Entende-se que se fala de pessoa movida por ideais, que persegue, independentemente das possíveis adversidades.

Algumas vezes, quando a expressão materialista é utilizada para qualificar um ser humano, pode haver uma conotação negativa, como se o personagem da conversa fosse alguém totalmente voltado para o acúmulo de bens, não sendo afetado por qualquer tipo de sentimento.

Do ponto da vista da Filosofia da Ciência, o idealismo é a corrente que não acredita na existência de um Universo material independente. Isto é, as coisas existem porque são percebidas por entidades humanas e são processadas e entendidas pela ação da parte espiritual dos viventes.

Assim, o idealismo é dualista, acreditando que corpo e alma são entidades distintas. Além disso, nega o atomismo, isto é, nega que toda matéria seja composta por átomos.

O materialismo, ao contrário, é a corrente filosófica que parte do pressuposto ontológico de que o Universo material existe independente de estar ou não sendo observado. Enxerga o ser humano de maneira monista, isto é, corpo e mente constituem uma única entidade, subordinada ao sistema nervoso central. Para eles, o átomo existe por si só, podendo, até mesmo, ser pesado.

Quando se faz Ciência, não há como não ser materialista. As evidências estão aí: o ser humano sintetiza novos medicamentos, todos os dias, ajudando a prolongar a vida e melhorar o conforto das pessoas.

A energia produzida por reações nucleares no Sol é irradiada, alimentando a Terra e tudo que há nela. O homem dominou a tecnologia do átomo e, com ela, cura o câncer, mal que até hoje assusta a todos.

Alguns religiosos, inocentemente, assumem a postura idealista: nada nos é dado a conhecer como seres humanos. Temos que esperar pela vida eterna ou outras formas de ressurreição. Há, até, grupos religiosos que não seguem prescrições médicas em casos graves, permitindo que seus entes queridos apressem sua ida para o suposto mundo melhor.

Acredita-se em entidades imateriais, que vagam entre nós como fluidos invisíveis e que, encontrando situações favoráveis, embarcam em nossos corpos, produzindo os mais variados males individuais ou coletivos. Retira-las dos possuídos é tarefa para especialistas iluminados, em assustadores espetáculos públicos.

São duas consequências deletérias do idealismo: a primeira proveniente da falta de confiança no conhecimento adquirido pela humanidade, ao longo dos séculos, a segunda, do dualismo que admite que almas possam vagar como entidades imperceptíveis pelo mundo.

Parece até, que estou escrevendo contra as religiões. Mas não, os que me conhecem sabem que sou católico e que respeito todas as religiões e crenças. Estou escrevendo contra a ignorância.

Uma proposta interessante para a epistemologia de todas as religiões poderia ser a inclusão de um dos pressupostos do hinduísmo. Não sei reproduzir, mas acho que é assim, aproximadamente: o conhecimento humano é um dom proporcionado pelo criador, com os avanços da Ciência fazendo parte daquilo que é considerado Divino.

A consequência disso talvez fosse uma visão um pouco mais humilde das interações humanas. As qualidades positivas foram equitativamente distribuídas para todos. Cada um de nós pode, humildemente, incorporar o que foi aprendido pelos outros, a começar pela metodologia científica.

Aprimorada ao longo dos anos por tantos homens corajosos, levou todos a conquistas inimagináveis: antibióticos, cirurgias sofisticadas, síntese de medicamentos, distribuição de energia, estradas, aviões, navios, Internet. Junto com ela, andaram também a arte, a literatura e a filosofia, proporcionando inestimável riqueza em obras de gênios.

Isso é o que nos aproxima do Divino, o dia-a-dia sadio, respeitoso e produtivo, não um amontoado de pequenos preconceitos e lendas, danosos nos planos individual e coletivo.

.Por: José Roberto Castilho Piqueira| vice-diretor da Escola Politécnica da USP e diretor presidente da Sociedade Brasileira de Automática

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