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14/07/2012 - 09:52

Alta programada previdenciária e o contrato de trabalho: aspectos polêmicos

O afastamento do empregado por motivo de saúde, seja ou não ligado ao trabalho, configura sempre uma situação que merece atenção especial do ponto de vista jurídico. Isto porque a fragilidade do estado de saúde do trabalhador diminui a margem de ação da empresa na sua política de gestão de pessoal, tendo em conta a excepcionalidade desse tipo de situação.

Dentre as diversas questões específicas decorrentes desse tema mais geral, destaca-se um conflito, pela sua importância e recorrência na vida cotidiana das empresas: trata-se da divergência entre os atestados médicos do perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o do médico do trabalho da empresa.

Como é sabido, o afastamento do empregado por motivo de saúde, quando inferior a 15 dias, deve ser suportado pela própria empresa. Se, no entanto, o afastamento exceder esse prazo, a partir do décimo sexto dia, caberá ao próprio INSS garantir os pagamentos, mediante perícia médica para atestar a incapacidade para o trabalho, que tem por consequência a concessão do auxílio-doença. Durante o período em que o trabalhador estiver recebendo esse benefício, seu contrato de trabalho com a empresa permanecerá suspenso, conforme o art. 476 da CLT: “Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo de benefício”.

Coloca-se, no entanto, a questão de como proceder quando o médico do trabalho da empresa entende pela incapacidade de retorno do empregado, mas o INSS concede alta ao afastado e, mesmo havendo recurso administrativo para contestar a alta, o pagamento do benefício é sumariamente interrompido. Isso tem sido bastante comum nos casos de aplicação da chamada “alta programada”, nova política do órgão previdenciário para reduzir o número de beneficiários do auxílio-doença. De acordo com essa “alta programada”, o INSS notifica o beneficiário que cessará o pagamento do auxílio e, caso o empregado ainda se considere inapto para o trabalho, deverá solicitar nova perícia médica. Constitui, assim, de uma presunção relativa de melhora no estado de saúde, que poderá ser contestada por novo laudo pericial, mas que, como se sabe, pode demorar bastante tempo, devido à estrutura insuficiente de atendimento, ocasionando uma indefinição prejudicial a todos os envolvidos.

Em tais situações de divergências entre o INSS e o médico da empresa quanto à capacidade de trabalho, é preciso bastante cautela e prudência para evitar consequências negativas para a empresa no futuro.

Segundo decisões recentes dos Tribunais, que já começaram a enfrentar as questões jurídicas subjacentes a esse tema, prevalece o entendimento de que, ao tomar ciência da alta médica, a empresa deve intimar o empregado, por meio de um ato convocatório formal, para exercer a mesma função ou, na impossibilidade desta, uma função compatível com suas limitações de saúde, a exemplo do trabalho restrito. Caso o empregado recuse, poderá haver a dispensa e até configuração de abandono de emprego, pois o recurso administrativo do INSS não tem efeito suspensivo. Nesse sentido, “é correta a justa causa aplicada ao empregado que comparece ao trabalho muito depois de sua alta pelo INSS e ao indeferimento de seus recursos administrativos. Tal conduta não se justifica, sendo certo que não se pode exigir do empregador que espere, indefinidamente, pelo retorno de seus empregados” (TRIBUNAL: 3ª Região, RO - 00699-2008-142-03-00-7).

Caso a empresa não notifique formalmente o empregado e não o convoque a retornar ao trabalho, poderá haver a configuração de um consentimento tácito com o afastamento. Se isso ocorrer, recairá sobre a empresa o ônus da remuneração durante o período. Nesse sentido, “se o INSS tardou em julgar o recurso administrativo interposto, cumpria ao reclamado acatar a decisão primeira, retomando o curso normal do pacto laboral. Se, ao revés, ao seu talante, resolveu afastar a reclamante, quando podia obrigá-la a trabalhar, é óbvio que deve arcar com sua remuneração, já que a alteração contratual nociva ao empregado é expressamente vedada (art. 468 da CLT)” (TRIBUNAL: 3ª Região, RO - 01710-2001-059-03-00).

No entanto, a dispensa, ainda que possível, poderá trazer riscos de reintegração do empregado, pois enquanto permanecer a indefinição relativa à suspensão do contrato de trabalho por conta do recurso administrativo no INSS, não haverá como ter certeza do resultado. Assim, caso a empresa opte por dispensar o empregado, deve considerar que, se o benefício previdenciário for restabelecido, será pago retroativamente, ou seja, desde a data do recurso, o que significa que o contrato de trabalho permanecerá suspenso durante todo o período do afastamento, o que possivelmente invalidará a dispensa efetuada.

Se o empregado não estiver apto a retomar suas funções ou outras compatíveis, o médico do trabalho da empresa poderá fornecer carta de encaminhamento com atestado de incapacidade com o objetivo de auxiliar o empregado a formular novo pedido de benefício junto ao INSS. Há certo casuísmo na concessão de benefícios que pode colaborar com o êxito de um novo pedido. Nada impede, também, acordo individual com o empregado prevendo o pagamento dos salários pela empresa e, caso deferido posteriormente o benefício, tais valores poderão ser devolvidos para que não haja uma duplicidade de pagamentos.

Como se nota a partir dessas breves linhas, não há uma solução ideal e genérica diante das incongruências que as políticas previdenciárias têm, muitas vezes, gerado para as relações de trabalho. O ideal é sempre tratar esses casos críticos em suas particularidades com a atenção merecida, cuidando dos aspectos jurídicos que poderão impactar a situação da empresa.

.Por: Marcelo Costa Mascaro Nascimento*, advogado, diretor do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista.

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