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O mistério do lucro

Uma indagação freqüente entre gestores de fundos de investimentos é a seguinte: se a China cresce tão rapidamente, por que não consigo encontrar algo em que investir? Alguns chegam a concluir que, como investidores financeiros não conseguem encontrar empresas que ofereçam taxas decentes de retorno, o país deve estar manipulando seus números de crescimento. Como conseqüência, questiona-se se os elevados lucros agregados divulgados pela indústria chinesa nos últimos anos são ou não reais, dado que a maioria dos analistas e dos investidores estrangeiros em portfólio considera que a indústria chinesa esteja marcada pelo excesso de capacidade e pequenas margens de lucro.

A questão sobre a realidade dos lucros na China é crucial. A economia chinesa é movida por investimentos, e mais da metade dos investimentos corporativos é financiada pelos lucros retidos. Se os lucros são exagerados e o endividamento é subestimado, a alta taxa de crescimento atual não será, portanto, sustentável.

Nossa avaliação sobre a lucratividade, entretanto, vai ao encontro de uma visão mais otimista sobre a economia chinesa: • O crescimento dos lucros no setor industrial na China é real e disseminado; • A idéia de redução de margem de lucro é exagerada; • O crescimento dos lucros na economia em geral, todavia, nada nos diz sobre taxas de retorno de firmas individuais; • Investidores financeiros encontram dificuldade em lucrar porque, no ambiente de alto crescimento chinês, as empresas têm priorizado, racionalmente, a expansão, ao invés de focar nas taxas de retorno de curto prazo.

Crescimento em toda parte - Os dados sobre lucros do setor corporativo chinês nos últimos anos têm sido espetaculares. Os lucros no agregado da indústria cresceram sete vezes entre 1999 e 2005, de $ 200 bilhões de yuan para $ 1,4 trilhão de yuan. Em termos de percentual do PIB, eles saltaram de 2,5% para quase 9% no mesmo período.

Na comparação ano a ano, o crescimento do lucro no agregado diminuiu de 45% em 2003 para 26% em 2005, mas no primeiro semestre de 2006 subiu a 30%.

Duas visões disseminadas sobre lucros na China são: 1) a lucratividade é maior nos setores privado e de propriedade estrangeira e 2) os índices elevados de lucro no agregado justificam-se, meramente, em função dos elevados ganhos de um punhado de empresas da área de recursos naturais, sobretudo nas indústrias de petróleo e carvão. Evidentemente, as duas visões são mutuamente excludentes, já que as empresas de recursos naturais são estatais.

A primeira visão é claramente falsa, uma vez que os lucros do setor estatal mantêm-se estáveis em 45% do total dos lucros da indústria desde 1999. Isso reflete não somente o controle estatal sobre o oligopólio dos setores de insumos, com altas margens de lucros, mas também a reestruturação maciça do setor estatal iniciada em 1998, que tornou as firmas fabricantes de produtos finais muito mais competitivas.

A segunda visão, de que apenas a indústria de insumos é lucrativa e que a indústria de produtos finais é uma desolação em matéria de lucro, também não é sustentável. De fato, lucros nas áreas de petróleo, carvão e mineração passaram de 15% do total em 1999 para 29% no primeiro semestre de 2006.Mas em termos absolutos, os lucros em uma ampla gama de indústrias cresceram dramaticamente entre 1999 e 2005.

Até agora, discutimos a questão do lucro sob uma perspectiva agregada, o que é bem diferente da lucratividade das firmas. Mas quando examinamos os números na margem, no entanto, também encontramos resultados positivos. Como percentual das vendas, o lucro da indústria cresceu de pouco mais de 2% em 1998 para 6% em 2004, nível que se mantém relativamente estável desde então. É verdade que indústrias de insumos geram margens de lucro muito mais altas do que as outras indústrias, mas apesar de muito se falar sobre o “encolhimento da margem”, margens de lucro na indústria de não-insumos mantiveram-se praticamente estáveis nos últimos anos.

No setor manufatureiro, as margens de lucro contraíram-se um pouco em 2005, mas reagiram no segundo trimestre de 2006 (figura 4). Embora muito seja atribuído ao descompasso entre crescentes custos de insumos e salários de um lado, e preços de produtos finais estáticos ou decrescentes de outro, existe uma poderosa força de contrapeso que está elevando rapidamente a produtividade do trabalho. Desde 1999, a produtividade do trabalho cresce, na média anual, 5,8 pontos percentuais a mais do que os salários nominais.

A diminuição do custo unitário por trabalhador permite que as firmas absorvam custos maiores em outros insumos sem amargar muitos problemas.

Exceção feita à dupla contagem (que certamente é um problema em todos os países, não somente na China), haveria, portanto, razões legítimas para se ter cautela com os dados de lucro. Estimativas gerais calculam que a tributação efetiva na indústria de transformação esteja em 20%. Já os subsídios são inexpressivos: em 2004, o total de subsídios à indústria foi equivalente a 0,2% do total de lucros. E a falha ao se ignorarem depreciações só pode ser medida por palpite, dado que exigiria um esforço substancial de cálculo.

Mas antes que alguém mergulhe fundo demais em detalhes minuciosos, é importante lembrar qual é a natureza do nosso problema. Se a questão é como lucros e retornos corporativos na China se comparam a outros países, aí sim seria importante introduzir adaptações ao cenário chinês para termos certeza de que estamos realizando uma comparação plausível. Se, no entanto, a questão é apenas identificar qual a tendência dos lucros e margens dentro da China, essas objeções são irrelevantes. Nenhuma das afirmações feitas aqui sobre o crescimento do lucro no agregado ou sobre a relativa firmeza das margens de lucro observadas seria menos válida se tivéssemos usado grandezas sobre os lucros 33% menores do que as encontradas.

O sabor do bolo - Mas a objeção que mais freqüentemente ouvimos aponta que, como o retorno médio dos ativos das empresas chinesas é baixo, o crescimento no lucro corporativo como um todo deve ser ilusório. Mas não há razão para que isso seja verdade. A indústria chinesa é um bolo que cresce, em tamanho, 37% ao ano (taxa média anual de crescimento do lucro entre 1999-2005), e cujo número de fatias cresce 11% ao ano (taxa média de expansão do número de empresas).

O investidor em uma empresa chinesa é aquele que compra o direito de comer uma dessas fatias em data futura. Obviamente, ele preferiria que o número de fatias permanecesse o mesmo, de forma que a sua pudesse ser bem maior do que a adquirida inicialmente. Mas a insatisfação do investidor com o tamanho de sua fatia não significa que o bolo não esteja crescendo.

Objeção mais séria é a que se segue. Aceitemos que os lucros venham crescendo rápido demais. Mas esses lucros escondem uma série de subsídios implícitos: custo de capital artificialmente baixo, disponibilidade de terrenos sem custo, baixo preço de energia, e assim por diante. Tais subsídios implícitos não podem durar para sempre, e quando os custos se elevarem, os lucros virarão pó.

Isso tem certa veracidade. Mas a maneira como a qual a questão é colocada pressupõe que o baixo custo do capital é uma abominável conspiração orquestrada por um governo mercantilista conivente. Em outras palavras, seria uma situação artificial e, portanto, insustentável. Na realidade, o baixo custo do capital na China tem causas bem naturais. É simplesmente o resultado direto de uma alta taxa de poupança. Em países com altas taxas de poupança (como a China hoje e Japão, Coréia do Sul ou Taiwan anteriormente), há enormes quantidades de investimentos, que geram em média baixos retornos. O retorno agregado, entretanto, é alto, porque o volume de investimento é alto. A dinâmica não é mal intencionada nem estúpida, é apenas natural.

Custos de capital ascendentes - O alto nível de poupança é baseado em fatores demográficos, e não em política governamental. Conforme a poupança caia, o capital tornar-se-á escasso e seu custo aumentará; empresas menos eficientes, portanto, serão extintas.

Empresas bem sucedidas, por outro lado, verão seus retornos aumentar. Como se trata de uma demografia relativamente estável (a poupança chinesa diminuirá à medida que a população envelhecer e a proporção de dependentes dos trabalhadores aumentar), essa transição ocorrerá gradualmente e não há razão particular para que isso cause a implosão do setor empresarial chinês em algum momento na próxima década.

A política governamental tem algum impacto, é claro. O fracasso em promover uma rede de seguridade social força as famílias a poupar mais. E subsídios podem reduzir artificialmente o custo de se fazerem negócios, tranqüilizando as firmas com um falso senso de segurança sobre suas margens de lucro. Se fosse evidente que o governo não está preocupado com isso, que ele estaria determinado a não implementar seguridade social e a manter subsídios tanto quanto possível, teríamos motivos para preocupação. Mas isso claramente não é verdade na China. A prioridade estrutural número um do governo, neste momento, é acabar com a venda ilegal de propriedades e efetivamente forçar compradores de terra a pagar preços mais próximos aos de mercado. Os preços dos derivados do petróleo sofreram aumentos constantes durante os últimos três anos e estão agora, desconsiderado o fator tributos, mais perto dos níveis globais. A reforma do setor financeiro está sendo levada adiante e isso significa que os custos de captação para as empresas aumentarão gradualmente. De imediato, o governo está fazendo seu esforço para elevar o custo do capital, mas os efeitos de suas medidas tornar-se-ão visíveis apenas em uma década.

Nem tomador de empréstimo...

A razão mais simples para nos preocuparmos com a sustentabilidade dos lucros na China seria se eles estivessem baseados em excesso de alavancagem.

Foi essencialmente isso que aconteceu de errado no sudeste asiático e na Coréia do Sul em 1997. Muitos observadores olham para a alta taxa de crédito na China e concluem que investimentos empresariais devem ser maciçamente financiados por endividamento. Porém, o nível de investimento também é alto e, no agregado, o mundo corporativo chinês não parece ser excessivamente alavancado. Empréstimos líquidos de bancos para empresas responderam por 21% dos investimentos das empresas em 2004, e apenas 16% em 2005. Pesquisa detalhada do Banco Mundial indica que os lucros retidos financiaram cerca de 52% dos investimentos corporativos em 2004, mais do que os 40% registrados em 1996. Para as grandes empresas industriais incluídas na pesquisa, a razão entre endividamento e patrimônio não aumentou nem diminuiu nos últimos anos. Isso sugere que empresas chinesas não correm o perigo de despencar em um abismo de dívidas.

O cenário seria bem menos esperançoso se as empresas chinesas tivessem tomado volumosos empréstimos em moeda estrangeira sob uma taxa de câmbio supervalorizada, como foi o caso de empresas sul-coreanas e do sudeste asiático no início dos anos 90. Naquele caso, podia-se estar superalavancado mesmo com níveis de empréstimos baixos, já que a desvalorização cambial poderia exorbitar o valor em moeda local de suas dívidas, e haveria crise de liquidez quando bancos assustados exigissem o pagamento dos empréstimos concedidos. Mas quase todo o montante de empréstimos na China é feito em moeda doméstica, e, uma crise ao estilo da enfrentada pela Ásia na década de 90 é improvável. O ponto-chave é que os lucros na China são sólidos e sustentáveis, mas os investidores financeiros que buscam atingir suas metas de taxas de retorno no curto prazo devem continuar a achar o Império do Meio um território um tanto complicado.

. Arthur Kroeber, editor-chefe da China Economic Quarterly - Reprodução autorizada de artigo da Dragonomics Research & Advisory (www.dragonomics.net) publicado em 12.09.2006 | CEBC

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