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07/11/2012 - 07:54

Protesto de crédito originário de contrato de locação

O Superior Tribunal de Justiça, por meio do acórdão n.º 17.400-SP, declarou recentemente que créditos originados em contratos de locação não estão sujeitos a protesto, por não apresentarem todos os requisitos exigidos para o ato, e por não haver autorização legal expressa neste sentido. O acórdão foi lançado por maioria, sendo que a Ministra Relatora Laurita Vaz apresentou voto vencido, entendendo que o protesto é possível nestas situações.

A decisão foi baseada em entendimento segundo o qual os créditos decorrentes da relação locatícia, apesar de constituírem título executivo extrajudicial, não são líquidos, e, portanto, não podem ser protestados.

Antes de estudar o acórdão, é importante lembrar que os títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais, são essencialmente declarações de existência de um crédito líquido, certo e exigível. Estes títulos são estabelecidos em lei de maneira taxativa, tendo em vista, essencialmente, a alta probabilidade de existência do crédito, e o interesse público em dar maior agilidade ao cumprimento de determinada obrigação.

Em última análise, os títulos executivos, por representarem crédito líquido, certo e exigível, e por expressa autorização legal, permitem ao credor a utilização dos meios de execução judicial da obrigação que representam, sem a necessidade de se realizar um processo judicial prévio de conhecimento.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico, segundo o qual, nos termos do artigo 585 do Código de Processo Civil, os créditos decorrentes de contratos de locação constituem título executivo para todos os fins legais. O acórdão analisado não mudou a posição do Tribunal sobre o assunto.

A divergência de julgamento iniciada pelo Ministro Adilson Vieira Macabu, e que orientou a decisão final, tem por base a suposta impossibilidade de se protestar estes créditos. Segundo o Ministro, o fato de os créditos sob estudo constituírem título executivo não muda o fato de que a dívida em si é ilíquida, o que impossibilita o protesto. O Ministro conclui seu raciocínio afirmando que, ao se protestar um título, não há a possibilidade de o devedor exercer seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, de modo que a dívida ilíquida será protestada, o que não é admissível.

Em suma, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento por maioria, considerou que o crédito decorrente de um contrato de locação é ilíquido, sendo passível de execução apenas por força de lei. Segundo o raciocínio que embasou o julgamento, esta iliquidez é tolerável para fins de execução judicial (uma vez que, perante o juiz da execução, o devedor poderá exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa), mas não pode ser tolerada para fins de protesto, uma vez que o devedor não terá a possibilidade de defesa. Assim, e na ausência de permissão legal específica na Lei 9.492/97 (que regulamenta o protesto), o crédito sob estudo não pode ser protestado.

Entendemos, com o devido respeito, que o raciocínio do Tribunal está equivocado, e deixou de atender tanto à letra da lei, quanto ao seu propósito.

Segundo a doutrina e a jurisprudência, os títulos executivos por definição representam créditos líquidos, certos e exigíveis. Estas características não guardam relação direta com os princípios do contraditório e da ampla defesa, e decorrem diretamente da lei: se a lei estabelece que determinada obrigação, caso atenda a certos requisitos, constitui título executivo, então esta obrigação será líquida, certa e exigível.

Trata-se de uma questão de ordem lógica. Uma obrigação ilíquida deverá antes ser fixada em relação à qualidade e quantidade dos bens devidos, sob pena de ser impossível ao devedor cumprir a obrigação – e se é impossível ao devedor cumprir voluntariamente seu dever, ao credor também não é possível exigir o cumprimento em juízo.

Entendemos, assim, que uma obrigação não pode ser considerada líquida para fins de execução e ilíquida para fins de protesto, como declarado pelo Superior Tribunal de Justiça. O contraditório e a ampla defesa não guardam relação direta com o conceito de liquidez de uma determinada obrigação, e, de todo modo, o protesto em si (de qualquer título, não só dos créditos derivados dos contratos de locação) não inibe e nem dificulta a tutela jurisdicional: uma pessoa que sofra um protesto indevido poderá demandar sua baixa em juízo, e requerer a devida reparação por danos materiais e morais.

Da mesma maneira, a Lei 9.492/1997 estabelece que estão sujeitas a protesto as obrigações originadas em títulos e outros documentos de dívida , sem mencionar quaisquer restrições quanto à segurança do título protestado, ou acerca de sua liquidez. O voto vencido, apresentado no corpo do acórdão analisado pela Ministra Relatora Laurita Vaz, declara, a nosso ver de maneira correta, que “(...) a melhor interpretação a ser adotada quanto à vexata quaestio é aquela segundo a qual o legislador, quando estendeu para além dos títulos cambiários, a possibilidade de protesto de “outros documentos de dívida”, teve a intenção de fazê-lo também para abarcar os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos na Lei Adjetiva, inserido, nessa hipótese, o contrato de locação”.

Finalmente, a questão acerca da possibilidade de protesto de créditos derivados da relação locatícia é extremante relevante sob o ponto de vista social.

A Lei 12.112/2009, que recentemente alterou a Lei 8.245/91 (a Lei de Locações), seguiu uma tendência já bem fixada no ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de estimular a rápida satisfação das pretensões do locador, seja quanto à retomada de seu imóvel, seja quanto à execução de seus créditos. Neste sentido, o protesto é um instrumento eficaz para estimular o adimplemento dos débitos locatícios – e não se pode esquecer que as dívidas originadas de relações locatícias são frequentemente parte essencial do orçamento de seus titulares, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas.

Concluímos, assim, que o acórdão analisado não deu a melhor solução ao caso. O ordenamento jurídico brasileiro sofreu diversas alterações destinadas a defender os direitos do locador, de modo a resguardar a fonte de renda representada pelo aluguel, o que representa um forte motivo para interpretar a lei de maneira favorável a este.

Por outro lado, e com o devido respeito ao posicionamento contrário, entendemos que o acórdão sob estudo é baseado em uma interpretação incorreta do conceito de título executivo. Um determinado ato jurídico, capaz de embasar a tutela judicial executiva, não pode ser considerado líquido para fins de execução e ilíquido para fins de protesto, por uma questão lógica – se o título fosse ilíquido, não poderia jamais ser executado.

Portanto, e em última análise, entendemos que a Lei 9.492/97, interpretada em conjunto com o Código de Processo Civil, permite sim o protesto de créditos derivados de contratos de locação.

.Por: Francisco dos Santos Dias Bloch, mestrando e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É advogado formado pela PUC/SP, e atua em São Paulo, no escritório Cerveira Advogados Associados (www.cerveiraadvogados.com.br), nas áreas de Direito Imobiliário e Direito Contencioso Cível – [email protected]

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