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20/12/2012 - 09:13

Os Tsunamis Financeiros e o Mercado de Alta Frequência

(Acidentes no mercado eletrônico, como o recente prejuízo de U$ 450 Milhões vivido pela corretora Knight, e o fiasco do IPO do Facebook, ambos causados por softwares de algoritmos, trazem à tona a necessidade de se discutir o controle de risco nessa área).

O Parlamento Europeu e o Conselho de Ministros da Comunidade Europeia estão discutindo uma Lei que fixa em 500 milissegundos o tempo mínimo para que um investidor possa se desfazer de uma ação, ou outro ativo financeiro, adquirido em Bolsa através de sistemas de alta frequência (High Frequency Trading). O que muitos céticos se perguntam é: que diferença existe entre se ser sócio de um empresa pelo tempo de meio segundo, ou de uma hora, ou de um dia? Esta interessante querela é apenas mais uma envolvendo a galopante tendência das bolsas em caminhar na direção da velocidade da luz, com base em plataformas de algoritmo cada vez mais inteligentes e embasadas em complexas matrizes de dados articulados em tempo real.

Mas a discussão é válida, considerando-se a gravidade dos problemas que podem advir de um mau uso desses novos ambientes de negócio. E a definição de 500 ms pode não ser a mais acertada, mas pelo menos representa alguma exigência de cautela no sistema.

Em agosto último, em uma questão de poucas horas, a bem sucedida corretora norte-americana Knight Capital Group, transformou-se numa espécie de filial do inferno; ao contabilizar uma perda de US$ 440 milhões, devido a uma atitude "surtada" em seu sistema de negociações robóticas, que, passou a emitir ordens e contraordens completamente sem nexo.

Tal como sempre acontece nas catástrofes, após causar pânico e gritaria nos mercados, partiu-se freneticamente para a busca do culpado. Um desfalque, uma grande fraude financeira? Um ataque do cibercrime? Nada disto. Um simples bug de software de HFT. Descoberta a prosaica falha, emergiu na imprensa mundial outra discussão até furiosa contra o modelo HFT, como se o problema da Knight pudesse ser reportado a uma irresponsabilidade essencial desse modelo. Robôs, prega o tal raciocínio, são seres irresponsáveis e, por mais inteligentes que os façamos, sempre se sujeitarão a manipulações e erros em cascata.

Seria uma discussão interminável questionar os fundamentos teóricos desta linha de argumentação, mas convido o leitor a considerar um fato incontestável. Mesmo arrasando, em grande parte, a reputação e o tesouro da Knight, o tsunami foi sim, contido a tempo. E mais: não obstante sua velocidade, quase igual à da luz, não arrastou junto consigo o conjunto dos players do mercado.

Fica demonstrado, portanto que, se o risco sistêmico aumenta nas operações em alta frequência, também já está comprovada a capacidade de resistência do sistema em relação a um acidente desta ordem.

Ademais, um exemplo muito recente nos coloca em cenário oposto. Ao antecipar - por erro humano - a divulgação de resultados incompletos, e não muito satisfatórios, do Google, um fornecedor dessa empresa promoveu uma rápida baixa da ordem de 9% nas ações do grupo, o que levou a NASDAQ a uma parada preventiva em seu sistema.

Seja por erro humano ou do algoritmo, o que as lições da Knight, do Google e tantas outras nos mostram é que, quanto maior a celeridade dos negócios ancorados nos novos ambientes eletrônicos, maior é a necessidade de uma segurança preditiva. Mas isto é o contrário do freio. É encarar que a latência dos dispositivos de autoproteção e mitigação do risco sistêmico tem que ser ainda menor que a dos sistemas de operação de ordem e contraordem.

Como declarou recentemente o analista Ruben Lee, da Oxford Finance Group, existem, de fato, altos riscos associados à HFT que podem até acabar com uma empresa, mas isto não equivale a dizer que a alta frequência é um mal sem cura e que só com muita regulação é que o sistema vai funcionar a contento.

O analista Joe Saluzzi, da Themis Trading, comenta que as famosas gafes ocorridas nos IPOs do Facebook e da BAT são exemplos de furo de software que costumavam ocorrer uma ou duas vezes por ano, há coisa de cinco anos, quando a latência era maior ou quando grande parte das operações dependia de atos humanos. Hoje, a ocorrência deles é algo como mensal, e vem aumentando, à medida que a velocidade aumenta. Devemos concluir daí que a velocidade do mercado precisa ser reduzida ou que os mecanismos de controle necessitam ser endurecidos para evitar os riscos decorrentes da aceleração HFT?

O próprio analista da Themis considera que nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Extrai-se de sua argumentação que a regulação dos mercados eletrônicos é um capítulo da evolução da HFT, do qual não temos como escapar. Ela é necessária, até mesmo, para que as bolsas sejam capazes de absorver as novas dinâmicas do mercado e o crescimento exponencial da complexidade das interações em subsegundos.

Tal pensamento vai na direção do que afirma o especialista Richard Bentley, da Progress Software, para quem negociação em alta frequência se tornou o bicho papão do mercado de ações de forma injusta, mas sendo que sua má reputação não é assim totalmente à toa. Várias empresas de HTF relutam em inscrever a faixa de latência das operações dentro de um limite competitivo, porém balizado pela capacidade de gerenciamento de risco na pré-negociação, acredita ele.

Tal negligência acontece exatamente para evitar que o sistema não perca a aceleração, que é um dos fundamentos da competitividade no nicho de algoritmos de execução. Daí, quando ocorre um fracasso, como o que acorreu com a Knight Capital, a culpa nunca é do operador, mas do próprio sistema "viciado pela irresponsabilidade robótica". É fácil culpar o mundo em que vivemos, mas de nada adianta esta transferência de culpa, principalmente sabendo que tal ambiente é irreversível.

Por fim, acredito, firmemente, que a negociação algorítmica e em alta frequência é altamente benéfica para as economias globais, ao contrário do que muitos pensam. Ela aumenta a liquidez, encurta os spreads e reduz os custos da negociação, sem falar nos benefícios imediatos para a massa de investidores.

Impor mecanismos fortemente restritivos ao sistema eletrônico pode trazer sérias consequências indesejáveis para a economia global e para a comunidade de trading. O que precisamos criar urgentemente são algoritmos de risco para monitorar os algoritmos de negociação e execução, porque só pessoas - e só regras - não dão conta de fiscalizar o sistema em regime de alta frequência.

A boa notícia é que tal debate já começou e o Brasil, com sua visão de mercado, equilibrando conservadorismo normativo com uma real disposição para o avanço, coloca-se, desde já, em condições de liderar este debate.

.Por: Luis Gustavo Penteado - Diretor de Capital Markets da Progress.

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