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Análise: Alexandre Messa Silva do IPEA faz uma análise sobre o último boletim de Conjuntura Industrial da ABDI e IPEA

A discussão acerca dos impactos decorrentes das operações das empresas transnacionais (ETN) costuma fomentar fortes controvérsias. No âmbito dos países de origem, o debate sobre investimento estrangeiro direto (IED) migrou da antiga preocupação de que este poderia substituir o investimento doméstico ou jogar por terra a liderança tecnológica inicial do país, para a argumentação de que as firmas deveriam investir no exterior para permanecerem competitivas no mercado cada vez mais globalizado.

O primeiro choque do petróleo, em 1973, por meio de um aumento dos preços desse produto e de seus derivados, levou a uma acentuada desaceleração da produtividade na economia norte americana. Porém, após a devida dissipação desse choque, ao contrário do que seria de se esperar, o crescimento da produtividade não apresentou significativa recuperação.

Nesse contexto, surgiria o chamado Paradoxo da Produtividade – ou Paradoxo de Solow - segundo o qual, apesar da economia norte-americana ter realizado grandes investimentos em tecnologias da informação ao longo das décadas de 1970 e 1980, estes não tinham sua contrapartida em aumentos de produtividade.

Lembrando que o conteúdo desse texto não reflete necessariamente as visões da ABDI e do IPEA. Nas investigações referentes a essa questão, foi identificado por diversos autores (por exemplo, Gordon, 1987) que, na realidade, aquela recuperação do crescimento da produtividade teria de fato sido realizada pelo setor industrial. Porém, o setor de serviços, cujo crescimento da produtividade sempre fora e continuava modesto, apresentava uma participação cada vez maior, tanto no produto, quanto no emprego da economia.

Assim, a desaceleração da produtividade teria como causa um aumento contínuo da participação na economia de um setor pouco dinâmico. Para muitos, esse fenômeno acabava, então, funcionando como uma evidência empírica da doença de custos prevista por Baumol (1967) .

Contudo, esta foi apenas uma das diversas tentativas de explicação do paradoxo que surgiriam na literatura – para uma ampla revisão delas, vide Triplett (1999). Dentre estas, a que interessa no momento é a de que esses setores teriam sim apresentado um crescimento da produtividade. Porém, as variáveis insumo e produto do setor de serviços seriam de difícil mensuração, o que faz simplesmente com que aquele crescimento de produtividade não se manifeste nas estatísticas (Griliches, 1992).

Ainda, essa dificuldade em se mensurar o produto desse setor criaria a possibilidade de uma superestimação da produtividade das indústrias que se utilizam de determinados serviços como insumos intermediários. Ao longo das próximas seções, serão expostas as principais fontes dessas potenciais falhas de mensuração, além das dificuldades de análise que elas provocam.

Mensuração do produto do setor de serviços - A respeito das dificuldades de mensuração do produto como fontes de viés no cálculo da produtividade, a questão mais fundamental se refere aos problemas quanto à definição dessa variável em determinados setores de serviços. Um caso clássico é o do setor hospitalar, em virtude dos obstáculos quanto à definição de uma metodologia para o cálculo do produto dos hospitais.

Uma primeira idéia, por exemplo, poderia ser a de defini-lo como a quantidade total de pacientes atendidos a cada período. Porém, o problema então é como se levar em conta as diferentes complexidades de cada caso.

Por exemplo, um caso de câncer ou de infarto cardíaco é bem diferente de outro de fratura ou de resfriado. Assim, uma forma adequada de se mensurar o produto desse setor passaria inevitavelmente por uma adequada disponibilidade de dados, a fim de que essa heterogeneidade possa ser transposta.

Outro exemplo é o do setor de educação. O produto de determinada escola poderia ser definido como o número de alunos por meio dela formados. Porém, uma certa quantidade de alunos graduados em uma faculdade de alto nível representa uma qualidade de prestação de serviços bem diferente que o mesmo tanto formado em outra faculdade cujo nível seja reconhecidamente sofrível.

De fato, a fonte desses problemas se deve à característica intangível do produto dos serviços ou, em outras palavras, à sua incapacidade de ser estocado e, portanto, facilmente quantificável. Normalmente, os dados acerca do produto desse setor são construídos a partir de uma metodologia visando o cálculo de Contas Nacionais, por meio do qual se obtém o valor monetário do produto. A quantidade de produto, então, seria obtida a partir da divisão desse valor por um índice de preços relacionado, o que, de qualquer forma, requereria a devida especificação do que exatamente estaria sendo transacionado. Para bens industriais, esse processo não impõe sérias dificuldades, já que estes se tratam de entidades materiais. Porém, tal especificação é extremamente difícil de ser definida no caso dos serviços.

Utilizando-se, por exemplo, de uma definição de serviços largamente adotada – elaborada por Hill (1977) -, estes seriam constituídos por uma mudança na condição de determinado indivíduo ou de determinado bem pertencente a uma entidade econômica, com a devida autorização daquele indivíduo ou dessa entidade.

Realmente, uma vez que, como resultado dessa mudança de condição, raramente se tem uma unidade tangível, passível de ser observada e quantificada, a mensuração do produto no setor de serviços estaria longe de ser algo trivial.

Ainda, faz-se necessária a identificação das mudanças de qualidade do produto, o que normalmente é realizada a partir das especificações das características inerentes ao bem que influem diretamente em seu preço. Com isso, possibilita-se a distinção de movimentos na variável preço que sejam resultados de mudanças na qualidade daquele produto, permitindo o devido ajuste da variável quantidade.

Ora, pelos próprios obstáculos em se determinar e quantificar o produto dos serviços,surge então a dificuldade em apontar suas características e identificar suas alterações ao longo do tempo.

Portanto, os problemas anteriormente apontados quanto à mensuração do produto dos serviços são ainda agravados pela dificuldade em se captar o impacto das mudanças de qualidade nos preços desses produtos.

Um outro fator relacionado à qualidade da prestação de serviços, e raramente levado em consideração, é a sua devida disponibilidade a eventuais demandas. Para os consumidores de serviços de saúde, por exemplo, a simples disponibilidade de determinado tratamento seria uma importante característica da qualidade dos serviços prestados por determinado hospital, mesmo que a demanda para tal seja eventualmente baixa, já que esta é de difícil e arriscada previsão.

Assim, neste e em outros setores de serviços, a erradicação de filas de espera pode acarretar um excesso de capacidade em períodos de ausência de picos, o que resultaria, nas estatísticas, em uma baixa produtividade ao longo desses períodos, em virtude da ausência de ajustes referentes à qualidade. Assim, um adequado cálculo da produtividade dentro de cada setor de serviços passaria inevitavelmente por uma devida definição e disponibilidade de dados acerca do produto dessas firmas. De qualquer forma, mesmo na existência desses dados, comprometese a comparação intersetorial de produtividade, que estaria indicando relações envolvendo diferentes produtos. Igualmente, uma comparação internacional de produtividade também fica dificultada em virtude da grande possibilidade de informações aparentemente semelhantes estarem na verdade representando distintas significações.

Claramente, este não é um problema exclusivo do setor de serviços, já que mesmo na indústria questões semelhantes poderiam ser levantadas. Porém, isto se torna ainda mais delicado para aquele setor, em virtude da maior dificuldade em se isolar as variações dos preços provocadas pelas mudanças na qualidade do produto das alterações do preço resultados das demais condições de mercado e, conseqüentemente, ajustar os índices de preços a esses movimentos.

Aqui, procurou-se apontar os aspectos que diferenciam os serviços dos demais setores da economia. Porém, ainda há uma série de questões referentes ao cálculo da produtividade que são comuns à indústria. A título de exemplo, pode-se citar a adequada deflação do valor agregado e a utilização de números índices. Para uma ampla exposição dessas questões, vide OECD (2001).

Mensuração dos insumos do setor de serviços Se o numerador da razão de produtividade constitui uma fonte de viés, o mesmo pode se dizer do denominador, constituído pelos insumos. Assim como acontece com o produto, certas questões abrangem todos os setores da economia, mas, em outras, o setor de serviços acaba sendo o mais prejudicado. Uma dessas questões diz respeito à medição do fator trabalho ou, mais especificamente, ao impacto da diferença entre número total de trabalhadores e horas totais trabalhadas para o cálculo do total empregado deste fator.

Isso porque, em relação à indústria, o setor de serviços apresenta muito mais complicações no momento de se estabelecer uma equivalência, em termos de horas trabalhadas, para diferentes trabalhadores, em distintas ocupações. Ainda, ao se comparar produtividades entre países, há diferentes definições e legislações com relação a esse cálculo, o que torna a comparação internacional no mínimo delicada.

Outra questão delicada se refere à estreita relação entre o fator trabalho e os insumos intermediários no setor de serviços. Isto fica evidente em situações de terceirização ou mesmo de contratação de trabalhadores autônomos, que acabam tendo um impacto por vezes artificial nas medidas de produtividade. Além disso, esse fato é acentuado em situações em que determinada firma adquire insumos intermediários de setores cujo produto é de difícil mensuração, conforme explicitado acima. Sem dúvida, isso gera um determinado viés, positivo ou negativo, nas medidas de produtividade dessas firmas.

Agregação do setor de serviços - Uma terceira fonte de viés no cálculo da produtividade se refere ao método de agregação dos distintos setores, além do cálculo de suas respectivas contribuições à produtividade total da economia. Essa agregação pode ser feita de duas formas. Quando o cálculo da produtividade é feito por meio do produto bruto de cada setor, realiza-se a agregação através dos chamados pesos de Domar – vide Domar (1961) e Hulten (1978). Estes pesos são determinados pela razão entre o produto bruto de cada setor e o valor agregado da economia.

Ora, conforme já discutido anteriormente, em certos serviços, tanto o produto bruto quanto o valor agregado são difíceis de serem auferidos, o que já geraria um inevitável viés. Conclui-se, daí, que os pesos desses setores também estarão enviesados, levando a cálculos quanto à contribuição desses setores à produtividade da economia que não correspondem à realidade.

Já se calculando a produtividade via valores agregados, a agregação é feita utilizando-se pesos que correspondam simplesmente à fração que cada setor contribui para o total do valor agregado. De qualquer forma, esse método acaba caindo nos mesmos problemas que o anterior, já que não consegue escapar do viés em relação ao cálculo do valor agregado.

Ainda, determinados setores atuam como produtores de serviços intermediários a várias indústrias. Ora, caso o produto daquelas empresas esteja subestimado, conforme já abordado, assim também estarão os insumos intermediários daquelas indústrias. Teremos, então, uma situação de super estimação da produtividade da indústria, concomitante a uma subestimação da produtividade do setor de serviços.

Considerações finais -Ao longo das duas últimas décadas, uma série de preocupações tem motivado a investigação a respeito das particularidades da produtividade do setor de serviços e seu impacto no crescimento econômico. Dentre essas motivações, pode-se destacar o chamado “Paradoxo de Solow”, segundo o qual, apesar das grandes somas de investimento em tecnologia da informação (TI) realizadas nos Estados Unidos ao longo das décadas de 1970 e 1980, o crescimento da produtividade desse país vinha mostrando uma contínua desaceleração desde 1973, para só mostrar então uma significativa recuperação a partir de 1995. Este fato foi por diversas vezes identificado com o aumento da participação do setor de serviços - supostamente menos dinâmico que o industrial - no Produto Interno Bruto deste país.

As indagações que surgem dessa questão são evidentes: seria realmente o setor de serviços menos propenso a incrementos de produtividade que a indústria, ou seria essa uma característica reversível; ou se constituiria nada mais que um problema de má mensuração dos produtos e insumos desse setor?

Uma segunda preocupação diz respeito à tendência do setor industrial em adquirir cada vez mais receita a partir de serviços complementares aos seus produtos. Este fenômeno acabaria por criar incentivos para o deslocamento de recursos em direção a atividades prestadoras de serviço, em= detrimento das atividades tradicionais – supostamente mais produtivas.

Ainda, há a constatação de uma crescente contraposição ao caráter nãocomercializável do setor, muito devido ao fato de que as novas tecnologias têm viabilizado o comércio internacional de certos serviços em que a distância geográfica antes se constituía em uma barreira intransponível. Assim, a produtividade desse setor passaria também a ter um papel importante no Balanço de Pagamentos das economias modernas e, conseqüentemente, no equilíbrio macroeconômico destas.

Apesar dessas motivações, a maior parte da literatura empírica no campo da produtividade tem tido o seu foco no setor industrial, fato ainda acentuado na gama de estudos que abordam o nível da firma, uma vez que os micro-dados necessários para tal são raramente disponíveis para o setor de serviços . Porém, muito daquela visão tradicional que caracteriza o setor de serviços como sendo de baixa produtividade e de pobre performance tecnológica tem sido contraposta pelo crescimento de certos setores de alta performance tecnológica, tal como serviços de tecnologia da informação, ou de grande agregação de valor, como aqueles envolvidos em consultoria técnica e transferência de know-how.

Assim, a performance de determinados segmentos do setor de serviços, especialmente nos países desenvolvidos, provocou uma mudança nessa abordagem. De um lado, passouse de uma visão dos serviços como constituindo uma espécie de freio aos incrementos da produtividade agregada, em direção a uma percepção desse setor como sendo o elemento dinamizador das chamadas economias pós-industriais. Por outro, percebeu-se que parte da percepção de baixo dinamismo a respeito do setor tem como responsável uma série de problemas de mensuração de seus produtos e insumos. Por sua vez, esta mensuração inadequada acaba levando a uma eventual subestimação de sua produtividade concomitante à super estimação da produtividade do setor industrial.

. A matéria do boletim de Conjuntura Industrial se encontra no Canal de Empresas & Negócios deste Portal.

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