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06/02/2013 - 08:55

Dirigir com a capacidade psicomotora alterada

Para Damásio de Jesus, na prática, é difícil provar, a não ser que o Juiz tenha certeza de que o condutor se encontrava com a capacidade comprometida.

A Lei n. 12.760, de 20 de dezembro de 2012, em seu art. 1º, dando nova redação ao art. 306 do Código de Trânsito, que definia o crime de direção de veículo automotor em estado de embriaguez, apresenta a seguinte descrição:

?Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas ? detenção, de seis meses a três anos, multa de R$ 1.915,40 ou proibição de se obter a permissão, ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: .I concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou II sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.?

O núcleo do tipo encontra-se na expressão ?conduzir veículo automotor?, porém o texto silencia sobre a elementar espacial, se fato deve ser realizado somente em ?via pública? ou também em local particular ou em qualquer lugar. A Lei anterior era clara ao apontar a via pública como lugar exclusivo da conduta. A atual omite a informação, levando à interpretação de que o fato pode ser realizado em qualquer local, o que leva a muitas dúvidas e negativa de tipicidade.

A norma não cita mais a quantidade de álcool por litro de sangue ou no ar dos pulmões como condição do crime. O fato típico objetivo encontra-se na expressão ?dirigir veículo automotor? acrescido de dois elementos subjetivos, quais sejam que o agente dirija com a ?capacidade psicomotora alterada? (1º) em razão da ?influência de álcool ou de substância psicoativa que determine dependência? (2º).

Diante da lei nova, não é mais necessário, para que se concretize o tipo, que o agente dirija de modo anormal (fazendo ziguezagues, ultrapassagem proibida, na contramão, velocidade excessiva em relação do local etc.), em razão da concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, pois a figura típica não contém esses elementos, embora possam ocorrer. É suficiente provar-se que, na condução, esteja com a capacidade psicomotora alterada em razão de álcool ou outra substância psicoativa, inclusive medicamentos. Cremos que o crime, na prática, é de difícil prova, a não ser que o Juiz tenha certeza de que o condutor se encontrava com a capacidade psicomotora alterada. Ex.: andar cambaleando.

Criou-se um tipo de perigo abstrato: o perigo é presumido pelo legislador. Trata-se de presunção relativa, pois admite contraprova (§ 2º, parte final). A Carta Magna, porém, não admite presunções, resvalando o tipo penal na responsabilidade penal objetiva.

A capacidade psicomotora (elemento normativo do tipo), como ensinam os psicólogos, é de difícil definição e, quando alterada (elemento subjetivo), em face do álcool ou outro substância, varia de pessoa a pessoa, tornando difícil a prova do crime, abrindo brechas à defesa.

O § 1º determina que a condução do veículo pelo agente com a capacidade psicomotora alterada será constatada: I pela concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou II por sinais que a indiquem, na forma disciplinada pelo Contran.

À primeira vista, parece difícil a conciliação, de um lado, do fato típico descrito no caput e, do outro, do inc. I do § 1º. Se o crime não depende mais de o condutor dirigir portando a concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, por que o legislador a enunciou no referido inciso?

Cremos que ocorre o seguinte: à acusação cabe valer-se dos sinais pessoais, que indiquem, nos moldes do Contran, a alteração da capacidade psicomotora (§ 1º, II, e § 2º). Assim, para provar os sinais físicos (voz pastosa, desequilíbrio, desorientação etc., conforme o anexo da Resolução n. 206, de 20 de outubro de 2006), o agente da persecução policial poderá empregar os meios previstos no § 2º (vídeo, foto, prova testemunhal etc.).

E se o condutor alegar que não infringiu a norma? Poderá, querendo, solicitar a contraprova (§ 2º, in fine) por intermédio do emprego do bafômetro ou do exame de sangue, alegando não ter dirigido com a concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar (§ 1º, I), o que excluirá o crime.

A norma do art. 306, mais gravosa, não se aplica aos fatos anteriores à sua vigência, não tendo efeito retroativo.

A infração administrativa se encontra descrita no art. 165, cujo caput da lei anterior não foi modificado: dirigir sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. A diferença com o crime está na alteração da capacidade psicomotora, que não é exigida na infração administrativa.

.Por: Damásio de Jesus, advogado, Professor de Direito Penal, Presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e Diretor-Geral da Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Recebeu o Prêmio Costa e Silva e o Colar D. Pedro I, é Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos de Salerno (Itália) e autor de livros na área criminal Código penal Comentado e Código de Processo Penal comentado da Editora Saraiva.

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