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A República da meia boca

O ano de 2006 marcou o cinqüentenário da indústria automobilística brasileira. Em 1956 o Brasil vivia um momento ímpar. Tínhamos na presidência da república um sujeito interessantíssimo, chamado Juscelino Kubitscheck, que prometia fazer em cinco anos o que qualquer outro faria em cinqüenta. O Brasil era o país do futuro, todos os sonhos eram possíveis. Naquele final de década, o mundo aplaudia a Bossa Nova no Carnegie Hall, a televisão dava seus primeiros passos, Brasília era inaugurada. E mais: os brasileiros eram campeões mundiais de futebol. E de basquete também. Uma tenista – Maria Esther Bueno – vencia em Wimbledon. Eder Jofre consagrava-se campeão mundial de boxe. E uma porção de gente fazia acontecer, transformando sonhos impossíveis na Embraer, na Embrapa, na Petrobras e em tantas empresas de sucesso. Era fascinante ver a coragem, o senso de oportunidade, a visão dos empreendedores brasileiros. E a evolução tecnológica nessas cinco décadas? Um assombro! Mas... Tem algo que me incomoda. E os empreendedores? Cadê aqueles malucos visionários e corajosos? Cinqüenta anos depois, cadê a indústria automobilística genuinamente brasileira?

O gato comeu. A indústria automobilística brasileira não é brasileira. É global, com objetivos e prioridades definidas nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Itália e no Japão. A genuína indústria automobilística brasileira limita-se hoje à Troller, a fábrica dos jipes 4x4 no Ceará. As outras? Morreram. Puma, Gurgel, Miura, Engesa... Criações de empreendedores corajosos que foram tratados como loucos, idealistas inviáveis. Mas quando examinamos essa “loucura inviável” de uma perspectiva de cinqüenta anos, parece que há algo errado. Só para comparar com quem está na moda: em 1956, enquanto fabricávamos nossos primeiros automóveis no Brasil, os chineses andavam de carro de boi. Os indianos, de elefante. Os coreanos, a pé, em estradas destruídas pela guerra. Esses países eram conhecidos pela miséria industrial, política e econômica. Gigantescos fracassos, que se apagavam diante da exuberância de um Brasil emergente. Qualquer um apostaria em nós!

Pois acabo de saber que os chineses estão trazendo uma fábrica de automóveis para o Brasil. E que está planejada para os próximos meses a importação de carros chineses – e até indianos. Da Coréia, então, nem se fala! Importamos tecnologia de quem andava de carro de boi quando já fabricávamos carros no Brasil. Levamos cinqüenta anos para inverter as apostas. A conclusão é que os loucos chineses, indianos e coreanos são mais viáveis que os nossos.

As pesquisas que tenho visto apontam o renascimento do empreendedorismo no Brasil. Mas é um empreendedorismo diferente. Não é o mesmo daqueles loucos de cinqüenta anos atrás. A maioria do empreendedorismo brasileiro deste começo de milênio é o do sujeito que precisa arranjar o que comer no jantar. É o empreendedorismo da necessidade, das expectativas apenas razoáveis, geradas por carências básicas. E é aí que o bicho pega.

A expectativa dos loucos chineses, indianos e coreanos é de conquistar o mundo, como queriam os brasileiros de cinqüenta anos atrás. A expectativa dos normais brasileiros de 2006 é ter um dinheirinho pra comprar um carrinho. De preferência chinês, que é mais baratinho. E até bonitinho.

É a expectativa de quem vive na média. Acostumado com o que é meio-bom, meio-suficiente, meio-competente, meio-confortável, meio-saudável. A expectativa de quem é meia-boca. De quem não percebe que meio-bom é meio-ruim. Meio-honesto é meio-desonesto. Meio-competente é meio-incompetente. Com que metade você fica?

E assim, na república da meia-boca, cai o avião da Gol e o caos toma conta dos aeroportos, o PCC reina quando quer, as chuvas inundam São Paulo, as estradas são um buraco só, os juros são os mais altos do mundo, a educação é uma piada. E o povo indignado faz cara de espanto, esbugalha os olhos e exclama diante da televisão:

- Mas como? E então, certos de que fizemos “o que dava”, voltamos à nossa vidinha das expectativas médias. Resignados como bovinos.

Quer saber? Chega de se contentar com o meio. Quero o Brasil inteiro. Mas é bom andar logo. Os chineses também querem!

. Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.

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